Fã do vôlei nacional, técnico de Portugal diz que aprendeu com brasileiro
Com relações secularmente estabelecidas em diversos campos, Brasil e Portugal também mantêm uma franca conexão quando o assunto é vôlei. É o que afirma Hugo Silva, técnico da seleção masculina que hoje ocupa a 31ª posição no ranking mundial da Federação Internacional de Vôlei (FIVB). Vencedora da Copa Challenger de 2018, a equipe debutou na elite da modalidade na Liga das Nações desta temporada, chegando a enfrentar o time de Renan Dal Zotto.
Em entrevista ao Saída de Rede, o comandante português falou, entre outros assuntos, sobre a admiração dos lusitanos pelo vôlei brasileiro e a relevância de Chico dos Santos – treinador que integrou, durante muitos anos, a vitoriosa comissão técnica de Bernardinho, que colecionou títulos com a seleção verde-amarela masculina – para o desenvolvimento do esporte no país.
Assim como no Brasil, o vôlei também é uma das modalidades mais praticadas em Portugal. No entanto, Hugo Silva explica que o campeonato local carece de uma estrutura profissional que permita que técnicos e jogadores possam viver exclusivamente do esporte.
"São poucas as equipes profissionais em Portugal. Talvez tenhamos duas ou três no máximo com dois ou três jogadores profissionais. Nunca é o time completo. Os atletas precisam sair daqui para conseguir viver do esporte. Já esteve pior, mas as coisas estão melhorando com o aparecimento de clubes importantes, como o Sporting, que surgiu há dois anos. Lá eu tive a possibilidade de trabalhar, e fomos campeões. É com o surgimento destes clubes que as coisas vão crescendo", aponta o técnico que esteve à frente do Sporting da temporada 2017/2018 até maio deste ano, acumulando a função de treinador da seleção principal.
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Há seis anos como comandante da seleção masculina (ele ainda atuou durante oito anos como auxiliar), Hugo participou da campanha que conduziu Portugal ao 5º lugar na extinta Liga Mundial de 2005, o melhor resultado do time em uma competição de nível mundial. Também esteve com o grupo na conquista do vice-campeonato da segunda divisão do torneio em 2015, contando com a colaboração valiosa do brasileiro Chico dos Santos, que já havia tido uma breve passagem pelo cargo.
"Chico esteve cá em 2006 e teve um papel muito relevante, dando qualidade aos nossos jogadores e à nossa equipe. Foi importante por trazer novos métodos de trabalho e eu aprendi muito com ele. Para mim, ele está entre os melhores treinadores do mundo. Em termos de treino, talvez seja o melhor do mundo. Não conheço muitos treinadores como ele. Nós, portugueses, e eu, em particular, tive a sorte de aprender bastante com os ensinamentos dele", ressalta o treinador.
"Ele esteve comigo também em 2015 e nós fomos responsáveis por este segundo lugar na segunda divisão da Liga Mundial. E acredito que Chico teve um papel fundamental na mudança de mentalidade do treinador português. Hoje o técnico português tem muita qualidade, já não dependemos tanto do treinador estrangeiro. De qualquer forma, um dos grandes problemas é o pouco profissionalismo, pois ainda não há muito dinheiro no nosso campeonato. (…) São poucos os técnicos que vivem só do voleibol. Talvez quatro ou cinco no máximo. Mas, em termos de conhecimento do vôlei, não fica nada atrás", complementa Hugo, destacando que, ainda assim, vê com bons olhos o intercâmbio entre portugueses e estrangeiros.
Ainda em relação ao Brasil, Hugo Silva afirma que o vôlei nacional é bastante conhecido e apreciado pelos portugueses, especialmente a geração campeã olímpica em 2004, considerada por muitos como a melhor seleção de todos os tempos.
"O vôlei brasileiro é conhecido em todo o mundo. Portanto, não é por acaso que talvez seja a melhor seleção do mundo. Na pior das hipóteses, está ali entre as três melhores. A própria língua ajuda muito tanto para vermos as partidas na televisão quanto para acompanharmos os próprios comentários dos jogos brasileiros. Mas a seleção que mais marcou os portugueses foi a de Giba, Dante, Ricardinho. É uma geração sobre a qual ainda hoje se fala muito e, sem dúvida, foi a geração de ouro do Brasil a que nós sempre estivemos muito atentos", elogia.
"Atualmente, Bruno, William e Wallace são os jogadores top mundial que talvez sejam os mais conhecidos por nós. Mas, no geral, os portugueses têm uma ideia muito positiva do voleibol brasileiro e veem como o melhor do mundo", pontua o treinador, que jogou contra os comandados de Renan Dal Zotto no torneio em que terminaram na quarta posição. Neste confronto, realizado na terceira semana da competição na cidade portuguesa de Gondomar, o time verde-amarelo sofreu bastante com o saque balanceado do rival, mas alcançou a vitória por 3 a 0.
"Conseguimos complicar bastante aquele jogo para eles. O próprio Brasil também [se complicou] com algumas experiências que estava a fazer, com a inclusão do Leal com Lucarelli e algumas dificuldades com o jogo no primeiro toque [recepção]. E nesta partida contra nós o treinador brasileiro mudou, procurou melhorar um pouco a recepção, o que dificultou muito o nosso jogo. É óbvio que a diferença continua a ser grande entre a seleção portuguesa e a brasileira. Já esteve mais distante, estamos mais próximos em termos de qualidade de jogo, mas o nível individual continua a fazer muita diferença. Nós não temos os talentos que o Brasil dispõe e nos fazemos valer pelo coletivo", analisa.
Para ele, a seleção lusitana, 15ª colocada ao final da Liga das Nações, só conseguirá atuar de igual para igual com grandes seleções no cenário internacional se construir um padrão de jogo sólido e, sobretudo, coletivo. O treinador ainda chama a atenção para a necessidade de se minimizar os erros em partidas de alto nível – naquele duelo contra os atuais campeões olímpicos, por exemplo, sua equipe cometeu 14 erros (8 de saque) somente na primeira parcial. Ao total, os europeus tiveram 29 falhas, o que acabou determinando os rumos do confronto.
"Se não tivermos um coletivo forte dificilmente poderemos ganhar jogos. Aqui não existem craques. Temos dois ou três bons jogadores, que passam mais tempo lá fora, jogando em campeonatos como o polonês e o francês. O Alex [ponteiro Alexandre Ferreira, maior destaque do time] e o Miguel talvez sejam os melhores jogadores. O resto são atletas muito esforçados. Mas, com um conjunto forte focando nos aspectos táticos, podemos equilibrar as partidas, como fizemos contra o Brasil", salienta, reconhecendo que o excesso de erros, sobretudo de saque, foram decisivos para o revés.
E seu time precisará corrigir todas as falhas até o próximo mês, quando disputará o Campeonato Europeu entre os dias 12 e 29 de setembro. No grupo A ao lado de Itália, França, Bulgária, Grécia e Romênia, Portugal enfrentará os rivais dentro do grupo e os quatro primeiros colocados passarão para a etapa eliminatória. Para o técnico, entretanto, a missão será árdua.
"Aqui é o continente mais duro e competitivo do vôlei. Basta ver a qualificação para a Olimpíada. É muito difícil para uma equipe europeia ir aos Jogos Olímpicos. E o Campeonato Europeu é muito complicado. O nosso grupo tem equipes como Itália, França, Bulgária, que jogaram o Pré-Olímpico, não pararam. Nós estamos parados porque não temos competição, vamos agora retomar a preparação para o torneio. Já assim é difícil para nós", coloca.
Como uma demonstração do alto nível de competitividade europeia sobre a qual fala Hugo Silva, as mencionadas França e Bulgária não garantiram a vaga em Tóquio 2020 e terão que jogar uma repescagem continental duríssima em janeiro. Apesar das dificuldades, ele se mostra animado com o Europeu.
"Vamos fazer de tudo para passar para a próxima fase porque seria histórico. Portugal nunca passou para uma etapa seguinte no Europeu, ficamos sempre na primeira. Temos ambição e vontade de fazer história para poder dar um passo à frente e melhorar o voleibol português, sabendo de antemão que será muito difícil. Mas nós acreditamos que dentro das dificuldades somos capazes de fazer coisas muito boas como foi a qualificação no ano passado para a Liga das Nações", conclui.
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