Escassez na base deixa seleção masculina abaixo dos rivais no Mundial
Por Janaina Faustino
A seleção masculina de vôlei fez uma campanha bastante sofrível na primeira edição da Liga das Nações. Com 10 vitórias, 8 derrotas e um incômodo quarto lugar, o grupo tem agora se preparado para o Campeonato Mundial, que será disputado entre os dias 9 e 30 de setembro, na Itália e na Bulgária. Pressionado pelo desempenho e pelo resultado da equipe, o técnico Renan Dal Zotto divulgou recentemente os nomes dos primeiros convocados que já iniciaram os treinamentos em Saquarema, RJ.
Conforme noticiado aqui no blog, a lista, no entanto, apresenta poucas novidades: os levantadores Bruninho e William; os opostos Wallace e Evandro; os centrais Maurício Souza, Isac, Lucão e Éder; os ponteiros Lipe – que retorna após período de recuperação de lesão -, Lucas Lóh, Douglas Souza, Rodriguinho e Victor Cardoso; e o líbero Thales.
Além disso, foram confirmados os cortes do ponteiro Maurício Borges, que se submeteu a uma operação no joelho direito em função da lesão nos ligamentos sofrida na fase final da competição, e de Murilo, que atuou junto com Thales como líbero, obtendo um desempenho bem abaixo do esperado. Ricardo Lucarelli chegou a ser convocado por Renan, mas não foi liberado pelo seu clube, o EMS Taubaté Funvic, por ainda se recuperar de uma cirurgia no tendão de Aquiles e deve ser reavaliado em breve, mas é improvável que jogue o Mundial. Outra curiosidade é o convite ao ponteiro Kadu Barreto que, após enfrentar problemas com doping, conseguiu autorização para voltar aos treinos.
Assim, neste contexto em que aparece como a quarta força, atrás de Rússia, França e EUA, torcida e imprensa se perguntam: quais são as chances da seleção masculina neste Campeonato Mundial? A equipe vai conseguir chegar à quinta final consecutiva na competição?
A resposta é que o título pode vir, mas, no atual cenário, é improvável. Os atletas e a comissão técnica se mostram otimistas com a possibilidade de desfrutar de mais tempo para dedicação aos treinamentos para, assim, chegar ao torneio jogando em alto nível. No entanto, diante de tanta desconfiança em relação ao grupo, é fundamental que possamos compreender o momento por que passa hoje o vôlei nacional em comparação ao que acontece com os três principais rivais que subiram ao pódio na Liga das Nações.
Uma informação relevante pode ajudar a ilustrar aquele que talvez seja o maior problema da seleção brasileira hoje, a falta de renovação: a média de idade da nossa seleção na Liga das Nações foi de quase 29 anos, a maior entre todas as seleções que disputaram a competição.
Neste sentido, muitas críticas têm sido feitas à comissão técnica em função da ausência de jovens revelações. Afinal, desde a conquista do ouro olímpico em 2016, quando a equipe já tinha uma média de idade de 30 anos, a seleção permanece investindo em uma base composta por jogadores veteranos, com raras e efêmeras passagens de novos atletas.
Mas, é importante ressaltar que o país enfrenta uma crise nas categorias de base. Além de não termos mais a mesma fartura de atletas, a reposição das peças não está sendo feita com a mesma qualidade de antes. Com a queda vertiginosa de patrocínios, clubes formadores de referência não tiveram continuidade e peneiras importantes pararam de atuar. Com isso, sem apoio e estrutura para aparecer e se desenvolver, a tendência é que grandes promessas se percam pelo caminho.
O tema vem sendo debatido com freqüência por diversos especialistas, inclusive aqui no blog, encontrando ecos em treinadores, como Bernardinho, José Roberto Guimarães e Giovane Gávio, e atletas e ex-atletas como Serginho, Bruninho e Nalbert. Todos têm alertado para o problema que é escancarado ano a ano: o Brasil não ocupa mais o mesmo destaque de antes em campeonatos mundiais nas seleções de base.
São vários os exemplos recentes de fracasso. Dois deles são marcantes: no ano passado, pela primeira vez, desde 1985, nenhuma das seleções de base, sub-18 e sub-20 no feminino e sub-19 e sub-21 no masculino, subiu ao pódio nos torneios internacionais. E no último dia 11 de julho, a seleção feminina sub-18 foi superada pelo Peru, nas semifinais do Campeonato Sul-Americano de Valledupar, na Colômbia. A equipe foi derrotada por 3 sets a 0, com parciais assustadoras de 25-9, 25-15 e 25-11.
Sem dúvida, trata-se de um fato histórico, já que foi a primeira vitória da equipe peruana sobre o Brasil na categoria desde 2012. Além disso, a seleção sub-18 nunca havia ficado fora da final da competição sul-americana, onde acabou em terceiro lugar. Esse resultado mostra que até a hegemonia "local" está sendo perdida, e expõe as entranhas de um sistema que não consegue mais formar material humano para as seleções principais com a mesma qualidade de outros tempos.
É verdade que o objetivo principal da base é revelar talentos e não colecionar medalhas. Mas, é óbvio que os péssimos resultados alcançados e o evidente envelhecimento da seleção adulta têm relação com a queda do nível de formação dos jogadores. Se nos acostumamos a ver a seleção contando com atletas de alto nível tanto entre os titulares quanto no banco de reservas, hoje é fácil percebermos o quanto nosso jogo se tornou totalmente dependente de algumas peças exatamente porque os reservas não estão no mesmo patamar. E os jovens atletas que conseguem subir à equipe principal, não tão qualificados quanto os titulares, acabam não correspondendo à altura.
Assim se configura o atual cenário do vôlei mundial: enquanto o Brasil vive um momento de grandes dificuldades para produzir novas joias e se renovar, outros países estão investindo pesado em suas bases, já apresentando resultados consistentes nos campeonatos mundiais de suas respectivas categorias e demonstrando competitividade inclusive nas seleções adultas (os elencos de Polônia e Irã, por exemplo, eram compostos praticamente só por jovens atletas na Liga das Nações).
No mesmo momento em que o Brasil aposta, para este Mundial, em uma base experiente, porém envelhecida e esgotada física e mentalmente em função de tantas viagens e jogos, seus rivais mais tradicionais investem no futuro. Apostam na combinação entre juventude qualificada e experiência, caminhando a passos largos em direção à plena renovação de seus elencos rumo aos jogos de Tóquio, em 2020.
A seleção da Rússia, campeã européia no ano passado, talvez seja o caso mais expressivo deste momento. Reconhecida pelos adversários por apresentar tradicionalmente um jogo "quadrado", com bolas altas e bloqueios gigantescos, a equipe vem transformando a sua maneira de jogar. Na Liga das Nações, o grupo mostrou grande crescimento tático, destacado pelo aprimoramento de fundamentos, pela velocidade do seu jogo e pela surpreendente consistência defensiva.
O time que massacrou a seleção brasileira na semifinal e se sagrou campeão da competição, aplicando um contundente 3 a 0 sobre a badalada esquadra francesa, é liderado por Sergey Shlyapnikov, técnico que substituiu Vladimir Alekno e realizou notável trabalho com as equipes juniores e juvenis da Rússia. Com ele, essas seleções ganharam várias medalhas nos campeonatos europeus e mundiais.
E foi justamente da base que o treinador pinçou dois jovens ponteiros que demonstram grande potencial pra figurarem, num futuro não muito distante, entre os melhores do mundo na posição. Egor Kliuka, que esteve na Rio 2016, e Dmitri Volkov, ambos com 23 anos, já são realidades em um país que tem investido pesado na formação de novos talentos. Além deles, o time ainda conta com o poder de fogo dos experientes Dmitriy Muserskiy e Maxim Mikhaylov.
O mesmo processo de renovação vive naturalmente a seleção norte-americana, que ficou com a medalha de bronze no torneio, batendo o Brasil por 3 sets a 0. Composta por nomes também experientes e reconhecidos mundialmente, como o oposto/ponteiro Matt Anderson e o central Max Holt, a equipe ao mesmo tempo conta com os não menos prestigiados Aaron Russell e Taylor Sander, reforço do Sada Cruzeiro para esta temporada.
Ambos são ponteiros que, apesar de mais novos (eles têm 25 anos e 26 anos, respectivamente), já frequentam a seleção há alguns anos. O técnico John Speraw ainda tem à sua disposição vários jovens jogadores oriundos das universidades, que são verdadeiras "fábricas" de produção de talentos em um país onde não existe liga profissional, interesse popular pelo vôlei e muito menos apoio da TV.
E Speraw aproveitou a Liga das Nações para lançar e testar alguns destes jovens. Entre eles, o promissor oposto Benjamin Patch, que estreou na seleção principal na Liga Mundial do ano passado e acabou assinando seu primeiro contrato profissional com o Vibo Valentia, da Itália, onde atuou com o técnico Marcelo Fronckowiak; o ponteiro Jake Langlois, que joga no Monza, da Itália; o oposto Kyle Ensing, que ainda está na universidade, em Long Beach State; o central Jeff Jendryk, que também fez sua estreia na seleção no ano passado e anunciou, neste mês, que iniciará sua carreira profissional em clubes na próxima temporada, jogando pelo Berlin Recycling Volleys; e o ponteiro TJ Defalco, ainda universitário, mas já apontado como uma das maiores revelações recentes do voleibol norte-americano. Todos são jovens e, obviamente, ainda precisam de rodagem e experiência internacional. Mas, já demonstram enorme potencial de crescimento.
A equipe francesa, outra que vem dando dor de cabeça ao time brasileiro, talvez seja aquela que joga o voleibol mais bonito e técnico do mundo na atualidade. É bem verdade que ainda falta aos franceses converter tanta qualidade e favoritismo em títulos, afinal eles fracassaram na Rio 2016, no Campeonato Europeu do ano passado e, mais recentemente, jogando em casa a final da Liga das Nações.
No entanto, não há como negar que se trata de um grupo extremamente qualificado que tem como base nomes como o líbero Jenia Grebennikov, o melhor do mundo hoje, o extraordinário ponteiro Earvin N'gapeth, o ótimo central Kévin Le Roux e o também eficiente ponteiro Julien Lyneel. Assim como as seleções da Rússia e dos EUA, o time francês, que já não tinha uma média de idade alta, é outro que tem apostado no equilíbrio entre jovens promissores e jogadores experientes.
O jovem oposto Stephen Boyer, de apenas 22 anos, assumiu a titularidade depois que Antonin Rouzier anunciou a aposentadoria da seleção. E certamente Boyer estará na lista dos melhores do mundo em breve. Além dele, vale destacar a presença do central Barthélémy Chinenyeze, de 20 anos, do oposto reserva Jean Patry, de 21 anos e do ponteiro Thibault Rossard, de 25 anos. Da mesma maneira que Rússia e EUA, a França também é uma forte candidata ao título do Mundial deste ano.
Diante deste quadro, podemos concluir que, como outros esportes, o voleibol também passa por transformações. Novas seleções despontam no cenário mundial, adquirem prestígio, se tornam protagonistas. Outras perdem prestígio, reavaliam sua forma de jogar, se reorganizam, buscam o espaço perdido. Outras tantas tentam se manter no topo, vivem altos e baixos, precisam redefinir rumos.
Esses são todos caminhos naturais. Fato é que o equilíbrio de forças no voleibol mundial masculino talvez nunca tenha sido tão grande. Afinal, podemos apontar, com facilidade, cerca de seis seleções que chegarão ao torneio com potencial para disputar o título. E, justamente em função de tanto equilíbrio, é tão urgente que o Brasil avalie os caminhos que tem seguido para que possa permanecer sendo uma grande potência, honrando a sua história.
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