O dia em que Carlão jogou (e foi campeão da Superliga) com o pé quebrado
Quem acompanha a Superliga com frequência certamente já ouviu falar da famosa história em que Carlão disputou (e ganhou) uma final de Superliga com o pé quebrado. De tão conhecida, já é um clássico do voleibol nacional, mas a falta de detalhes incomoda quem se interessa de verdade pela memória do esporte. Nós também fazemos parte deste grupo e, às vésperas de uma nova final, decidimos ir além e procurar o próprio jogador – hoje comentarista dos canais SporTV – para nos contar: como aquilo aconteceu? Ele realmente quebrou o pé? A dor não era insuportável? Quem mais esteve em quadra quadra? Qual era o contexto daquela final?
Comecemos, então, localizando-nos no tempo. A partida em que Carlão atuou com uma fratura foi o terceiro duelo da série melhor-de-cinco da final da Superliga 1994/1995, a primeira que recebeu este nome – até então, o torneio era chamado de Liga Nacional. Repatriado depois de quatro anos na Itália graças a uma ação do Banco do Brasil, que também trouxe campeões olímpicos como Giovane, Tande, Marcelo Negrão e Maurício de volta, Carlão foi escolhido pela equipe gaúcha de Novo Hamburgo, mais conhecida à época como Frangosul/Ginástica.
Com um time titular formado por Paulo Roese, Gilsão "Mão de Pilão", Paulinho, Bráulio, Celso e Carlão, e que tinha Marcelo Fronkowiack e André Heller na reserva, a Frangosul ostentava um elenco respeitável sob o comando do técnico Jorginho Schmidt. Ainda assim, foi definida pelo próprio Carlão como a "quarta força" daquele campeonato. O favorito à taça em 1995 era o Report/Suzano, que vinha de dois títulos nacionais e contava com nomes como Pampa, Max, Kid e Marcelinho, além de Ricardo Navajas como técnico.
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Donos das duas melhores campanhas na fase classificatória, Suzano e Frangosul se encontraram novamente na grande final. No primeiro jogo, realizado na cidade paulista, vitória dos visitantes por 3 a 1. Suzano teve a chance de devolver a vitória fora de casa na segunda etapa, mas depois de abrir 2 a 0, tomou a virada no Rio Grande do Sul. Era tudo ou nada para a equipe de Navajas no terceiro duelo, disputado em 8 de abril de 1995, novamente na cidade da Grande São Paulo.
Logo no primeiro set, ao tentar interceptar uma primeira bola na rede, Carlão caiu sobre o pé do levantador Marcelinho. Na hora, percebeu que havia se lesionado. "Sempre falo isso nas transmissões: os atletas tem que usar uma proteção lateral no tornozelo. Naquele dia, por acaso eu me esqueci de colocar a tornozeleira e arrebentei o meu pé", conta o capitão de Barcelona 1992. Mesmo assim, surpreendeu a torcida ao decidir voltar para a quadra. "Saí, tomei um anti-inflamatório para segurar a dor, enfaixei e continuei jogando", lembra.
Com o corpo aquecido, Carlão achou que as dores sentidas eram reflexo de uma leve torção no tornozelo, problema com o qual já havia jogado antes. Na verdade, ele havia fraturado o metatarso, mas nem o fisioterapeuta Paulinho e nem o técnico perceberam a gravidade do ocorrido. "O Jorginho perguntou se estava tudo bem comigo e disse que estava tranquilo", destacou Carlão. Em entrevista ao SdR, o levantador Paulo Roese afirma ter notado que precisaria poupar uma de suas principais opções de ataque. "Ele já tinha passado por uma lesão bem séria no tornozelo, então o deixei mais light em quadra, recebendo muito poucas bolas. A presença do Carlão em quadra foi fundamental por sua garra e, principalmente, liderança perante ao grupo", observou.
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No placar, o resultado foi positivo para os gaúchos nos dois primeiros sets: 15-11 e 15-10. Na terceira parcial, as dores se tornaram insuportáveis e Carlão acabou substituído por Fronkowiack, hoje técnico do Lebes/Gedore/Canoas e auxiliar de Renan Dal Zotto na seleção brasileira. "Não conseguia mais pisar no chão com a parte externa do pé, só com o calcanhar", lembra. A boa atuação da Frangosul se manteve e o time se sagrou campeão com um novo 15-10, resultado surpreendente para todos que sabiam do equilíbrio de forças daquele campeonato.
Veja os momentos finais da Superliga 94/95 abaixo:
"Era um time com grandes jogadores, com uma excelente linha de passe e um levantador espetacular que jogava com o passe na mão o tempo inteiro. Muita gente achava que não ia dar certo porque o Roese é esquentado e eu também, mas foi uma luva, a gente se entendeu muito bem. Foi uma temporada tranquilíssima, um momento único na minha carreira. Não perdemos um jogo em casa e o ginásio tinha sempre 6 mil, 6.5 mil pessoas…", recorda o capitão, que ao longo da carreira jogou de central, ponteiro e oposto.
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Bronca do médico
Na volta da final, a cidade gaúcha parou para comemorar o título. Havia até carro de Bombeiros pelas ruas, mas Carlão não pôde desfrutar muito das comemorações. "Só fui ver o estrago depois: uma bolha enorme de sangue debaixo do meu pé. Fiquei um pouco preocupado, pois quando cheguei em Novo Hamburgo todo mundo tomou um susto olhando para o meu pé. Participei um pouco da festa do clube, que estava lotado, e fui vazado para o hospital. Lá, fiz uma radiografia e o médico perguntou se eu tinha algum problema na cabeça para jogar daquele jeito", diverte-se Carlão.
Apesar de se lembrar com orgulho do esforço feito em quadra, o atleta não recomenda tamanho sacrifício para ninguém. "Foi bacana, mas depois eu fiquei de molho dois meses, quase três. Me prejudiquei praticamente um ano na seleção. O Zé Roberto (Guimarães, técnico da seleção brasileira masculina na ocasião) chegou a me convocar para a Liga Mundial de 1995, mas fiquei no Rio, com uma recuperação bem sofrida. O metatarso é uma região complicada de calcificar", comenta.
A queda na verba do patrocínio da Frangosul na temporada seguinte – a empresa deixaria o voleibol de vez em maio de 1996 – fez com que a equipe ficasse bastante desfalcada na luta pela defesa do título. Gilsão, por exemplo, acabou contratado pelo próprio Suzano, que também fez uma proposta por Carlão. "Mas meu contrato não era com a Frangosul e sim com o Banco do Brasil, então eu teria que romper o acordo com eles, algo que nunca gostei de fazer. Como eu também estava muito bem com minha família em Novo Hamburgo, que é uma cidade pequena, parecida com Parma, onde moramos, decidi permanecer", justifica.
Em quadra, uma série de problemas físicos, inclusive de Roese, minou o desempenho da equipe. "Praticamente jogamos aquela a semifinal de 1995/1996 contra a Olympikus/Telesp (que se sagraria campeã) com sete ou oito jogadores", conta Carlão, que na sequência defendeu as cores de Chapecó e ainda teve uma passagem pela praia antes de deixar a carreira de jogador, em 2003.
Explicitado naquela final de 1995, o legado do atacante permanece até hoje, como lembra Roese: "O Carlão sempre foi um atleta diferente. Falo diferente em relação à raça, comprometimento e, principalmente, sua liderança positiva. A vontade dele em vencer com certeza foi mais forte que a lesão".
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