Seleção masculina perde mais uma peça-chave após saída de Bernardinho
Ela é a voz na cabeça de Bernardinho há 20 anos. Sabe aquele fone de ouvido que você cansou de ver o técnico arrancar quando tem raiva? Ela está do outro lado – e não é por sua causa que ele se irrita, longe disso. Suas análises, tanto dos jogos da seleção brasileira quanto dos adversários, foram fundamentais em todas as grandes conquistas de um time com um cartel impressionante. Formada em educação física, porém atuando na área de estatística, Roberta Giglio segue ao lado do chefe no Rexona-Sesc, mas decidiu colocar um ponto final na sua história com a seleção masculina. "Era uma rotina muito desgastante, eu queria sair há algum tempo e o Bernardinho me segurava. Aproveitei a saída dele e agora vou cuidar da minha vida. Mas saio com a sensação de que fiz tudo o que poderia fazer", disse Roberta, 45 anos, ao Saída de Rede. Ela é mais uma peça-chave da antiga comissão técnica que deixa a seleção, após Rubinho abrir mão, em janeiro, do cargo de assistente do novo treinador.
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Foi Renan Dal Zotto, o substituto de Bernardinho, quem a apresentou ao multicampeão em 1997. Roberta Giglio estava com Renan pela segunda temporada na Superliga masculina, na extinta equipe da Olympikus, quando conheceu Bernardo Rezende, que a levou para o Rexona, então com sede em Curitiba. Naquele mesmo ano ela começou a trabalhar para a seleção feminina, também treinada por ele. A dobradinha Rexona/seleção começou ali e não parou mais. Em 2001, quando Bernardinho assumiu o comando do masculino, Robertinha, como é chamada, foi junto.
Zé Roberto
Graduou-se em educação física em 1993, na FMU, em São Paulo, mas antes mesmo de formada já dava seus primeiros passos no voleibol. Não dentro das quadras, afinal a altura de 1,63m não ajudava muito e não havia líbero naquela época. Começou fazendo anotações em torneios infantojuvenis, até que em 1992 foi trabalhar com o técnico José Roberto Guimarães, no antigo time feminino Colgate São Caetano.
Ricardo Trade, o Baka, hoje diretor executivo da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), foi contemporâneo dela na faculdade, era preparador físico na Colgate e a chamou para fazer estatística. Pouco tempo depois, Sérgio Negrão assumiu a equipe e ela foi mantida. Ficou em São Caetano de 1992 a 1995, depois foi trabalhar no vôlei masculino, com Renan Dal Zotto, de 1995 a 1997, até engatar a parceria definitiva com Bernardinho.
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Não faltam episódios curiosos dessa relação profissional de 20 anos. Nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, ela não pôde acompanhar a delegação da seleção feminina, devido ao número limitado de profissionais que poderiam ser credenciados então. A solução foi preparar vídeos e análises dos adversários a toque de caixa e se manter em contato com o assistente Chico dos Santos, que fez as vezes de estatístico.
Choro
Atenas 2004, já com a seleção masculina, foi um título marcante, mas também um pesadelo em termos de trabalho. "Era uma loucura, pois eu ainda fazia as análises sozinha. Eram seis jogos por rodada na fase inicial. Nos últimos dias eu chorava para aquilo acabar, não aguentava mais. Como a primeira partida era às 8h30, lá pelas 7h30 eu estava no ginásio. Saía depois da meia-noite, às vezes chegava às 2h na vila olímpica e o Bernardinho estava me esperando. Eu virava a noite para entregar tudo, quase não dormia. Nos dias em que o masculino não jogava, fazia análises", relembrou Roberta Giglio.
Desde que passou a integrar a comissão técnica da seleção brasileira, há 20 anos, ficava pelo menos seis meses fora de casa. "Às vezes emendava cinco semanas no exterior, uma loucura", completou. De todos os continentes, só não foi à África. Esteve em 40 países. Somente ao Japão foram 18 viagens, sempre na classe econômica. "Muitas vezes na poltrona do meio", afirmou rindo.
"Robeeertaaaa"
Na seleção, dividia os ouvidos de Bernardinho com o assistente técnico Rubinho. "Ali era o Rubinho quem falava mais. Mas no Rexona só sou eu mesma". No clube, ela enfatizou, as cobranças não diminuem. "É o mesmo trabalho, a mesma exigência".
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Às vezes há momentos engraçados. Na semifinal da Copa Brasil 2017, diante do Dentil/Praia Clube, uma cena hilária. "De repente ouvi gritos vindos lá de perto do banco, o Bernardinho berrando 'Robeeertaaaa', mas eu achava que era com a levantadora (Roberta Ratzke). Aí olho pra quadra, a Roberta estava me olhando e disse 'é contigo'. Ele esqueceu de apertar o botão pra falar no fone, por isso eu nunca ia achar que era comigo. As jogadoras reservas se acabando de rir e ele cada vez mais bravo com a demora", contou Robertinha, que nutre grande admiração pelo chefe.
Software
Foi com a ajuda do pai, o aposentado Cláudio Giglio, que durante 30 anos trabalhou para a multinacional Philips e era autodidata em computação, que ela deu uma das maiores contribuições ao voleibol brasileiro. Tendo como referência o software Data Volley, desenvolvido pelos italianos para análises estatísticas e largamente utilizado ao redor do mundo, ela criou uma versão tão perfeita que os estrangeiros ficavam curiosos a respeito.
Nunca deu nome ao software, que fez pensando em seu trabalho na seleção. Os upgrades no programa são constantes e somente ela o utiliza. "Isso sempre despertou muita curiosidade. Eu, uma mulher, fazendo tudo diferente no meio de um monte de homem, e meu trabalho era referência. Sempre tinha gente de olho, até porque ganhamos muitos títulos". O mais recente foi o ouro olímpico na Rio 2016. "Minha função não envolve apenas estatística, mas estratégia também. Esse software me ajuda a acelerar as análises", ressaltou.
Robertinha ainda não sabe o que vai fazer após a temporada de clubes, mas pensa em sossegar um pouco. "Preciso curtir minha casa em São Paulo, pois quase não vou lá. Quando não estou viajando com o time do Rexona, acabo ficando no Rio".
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