Topo

Saída de Rede

Liga profissional nos EUA seria fantástica, mas ainda é sonho distante

Sidrônio Henrique

06/03/2017 06h00

A exemplo dos homens, jogadoras americanas, bronze na Rio 2016, jogam no exterior (fotos: FIVB)

Quando o novo diretor executivo da USA Volleyball (USAV), Jamie Davis, anunciou há um mês a criação de uma liga profissional nos Estados Unidos até o final deste ciclo olímpico, em 2020, profissionais, imprensa e fãs comemoraram. Afinal, a implantação de um campeonato no maior mercado do mundo, seguindo os moldes de outras modalidades, impulsionaria o voleibol internacionalmente. Mas há realmente essa possibilidade no curto prazo? Não tão cedo. O Saída de Rede explica para você a razão pela qual uma liga nos EUA ainda é algo distante.

Curta o Saída de Rede no Facebook
Siga @saidaderede no Twitter

As declarações de Davis, que é o primeiro a comandar a USAV sem ter qualquer experiência prévia na modalidade, não apontaram o caminho para essa liga, baseando-se apenas em alguns dados. A USAV é a organização que administra o vôlei nos EUA e nos últimos 12 anos teve como diretor executivo o ex-técnico e ex-jogador Doug Beal. O atual tem em seu currículo experiência como executivo em vendas online e na TV por assinatura.

Ao sair de cena, lenda do vôlei fala de rivalidade com o Brasil
Literatura sobre vôlei: a fraca difusão do conhecimento

"Temos 375 atletas de alto nível jogando profissionalmente no exterior, espalhados em aproximadamente 40 países, por sete, oito meses ao ano. Se os trouxermos de volta e mantivermos em casa aqueles que concluem a universidade, nós poderemos criar astros e estrelas, promover atletas-modelo, ídolos para as próximas gerações. Com o sucesso das nossas seleções, os altos índices de audiência durante a Olimpíada do Rio e o aumento da adesão à USAV, estamos confiantes que uma liga doméstica será possível agora, quando tentativas anteriores falharam. Quero lançá-la dentro deste ciclo olímpico", disse Jamie Davis ao Sports Business Journal, veículo especializado, com sede na Carolina do Norte.

Jamie Davis é o novo diretor executivo da USAV (foto: USAV)

Senso comum
A lógica do novo CEO da USAV se apoia em algo simples: atletas em abundância, seja no nível profissional no exterior ou os novos talentos da NCAA (entidade que organiza competições nacionais em mais de 30 esportes nos EUA em nível universitário), e os bons índices de audiência que a modalidade alcança no país durante os Jogos Olímpicos. Não resta dúvida sobre a qualidade do material humano à disposição, mas o interesse do público não é tão grande assim.

Há várias edições das Olimpíadas o torcedor americano acompanha o voleibol e também outras modalidades que fora do período olímpico recebem pouca atenção. Esportes com audiência moderada, como futebol (o nosso, não o deles) ou hóquei, atraem muito mais público do que o voleibol. Some-se a isso a necessidade de captação de grandes patrocinadores e o alto investimento em aspectos como logística, espaço na concorrida grade televisiva e o marketing para fazer do vôlei algo mais palatável para o espectador, que desconhece o esporte, como admite a própria USAV. Raramente uma partida da Liga Mundial consegue bom público nos EUA. As finais do Grand Prix 2015 foram realizadas em Omaha, Nebraska, com ginásio praticamente vazio na maioria dos jogos.

Há quatro anos e meio, escrevi para uma publicação norte-americana sobre os planos da USA Volleyball de implantar uma liga profissional. Era setembro de 2012 e o então diretor executivo Doug Beal dizia que em 2016 o campeonato estaria consolidado. Já estamos em 2017 e…

Doug Beal (à direita) ao lado do técnico John Speraw

Prioridade
O SdR procurou o novo homem à frente da USAV, mas Jamie Davis, que por meio da sua assessoria de imprensa enfatizou que a liga profissional "é uma prioridade", afirmou que não queria voltar a discutir o tema com a mídia até que pudesse apresentar algum progresso. Compreensível. Aquelas suas declarações a um jornal americano especializado em esportes foram copiadas por sites europeus e dali por um sem número de sites e blogs, inclusive aqui no Brasil. O tom era de festa, mas faltou refletir sobre o tema e suas dificuldades.

Sem as ponderações de Davis, cujas metas, se concretizadas, mudariam o rumo da modalidade não apenas nos EUA, o Saída de Rede falou com seu antecessor. Doug Beal foi político, mas sabe bem o quão difícil é transformar esse sonho em realidade na terra do beisebol, do outro futebol e do basquete. "É difícil, é complicado, mas com paciência e trabalho podemos chegar a ter uma liga profissional de voleibol competitiva. Há uma série de questões a serem resolvidas, como logística, espaço na TV e massificação entre os jovens, mas temos um excelente ponto de partida que são as escolas do ensino médio e a NCAA", comentou Beal com o blog.

Pouco interesse entre os homens
A USAV comemora o crescimento do número de praticantes do esporte desde o infantojuvenil, mas esbarra em outro obstáculo: a modalidade avança consideravelmente entre as mulheres, mas desperta pouco interesse entre os homens. É um problema e tanto. As duas ligas femininas de maior sucesso nos EUA, a de futebol e a de basquete, mantêm suas cifras, em todos os aspectos, muito abaixo das versões masculinas. O vôlei de praia, melhor sucedido do que o indoor, ainda ocupa pouco espaço na TV americana e está restrito a alguns estados em termos de popularidade.

Ginásio quase vazio nas finais do GP 2015, em Omaha, Nebraska

Das quatro tentativas de implantação de ligas nos Estados Unidos, a que alcançou melhor público teve formato misto. Foi nos anos 1970 e chegou a contar com a presença de brasileiros, como Luiz Eymard, Bebeto de Freitas e Fernandão, todos com participação olímpica – o terceiro fez parte da geração de prata, da qual Bebeto foi treinador. Não passou da sexta temporada. Uma curiosidade: não havia rotação nos times mistos, as equipes tinham que ter duas mulheres, que estavam sempre no fundo de quadra com o levantador.

Surpresa com a seleção
Um episódio ocorrido em 2015, no aeroporto internacional de Houston, Texas, ilustra bem a distância entre o americano e o voleibol. Um antigo funcionário da USAV aguardava uma conexão com a seleção masculina rumo ao Brasil, para as finais da Liga Mundial. Ele contou que, ao verem aqueles homens altos com agasalhos onde estava escrito USA, algumas pessoas se aproximavam e perguntavam qual modalidade praticavam. Diante da resposta, a reação era quase sempre de surpresa. Um senhor de meia-idade comentou: "Jamais imaginei que homens jogassem voleibol sem ser por recreação". Ao seu lado, outro da mesma faixa etária concordou. Os dois eram americanos. Exceto por alguns dos brasileiros que embarcavam, ninguém reconheceu Matt Anderson e cia.

A USAV tem uma missão e tanto pela frente, com diversos entraves. Boa sorte a eles. Se vingar, uma liga nos EUA terá tremendo impacto na modalidade ao redor do mundo. Mas quatro anos é pouco tempo para que algo aconteça.

Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

Blog Saída de Rede