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Sem descanso, Rubinho faz "maratona" na preparação para voltar ao mercado

Carolina Canossa

02/02/2017 06h00

Rubinho comandou o Brasil em duas edições do Pan e no início da Liga Mundial de 2015 (Foto: Wander Roberto/CBV)

Rubinho comandou o Brasil em duas edições do Pan e no início da Liga Mundial de 2015 (Fotos: Divulgação/CBV)

Oito dias após o anúncio oficial de que estava fora da seleção masculina de vôlei, o assistente técnico Rubinho ainda não se permitiu um descanso. Apontado publicamente pelo próprio Bernardinho como a melhor opção para substitui-lo no cargo, o treinador tomou a decisão de deixar o emprego após ser preterido pela cúpula da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) em prol de Renan Dal Zotto, ex-jogador de sucesso, mas que há oito anos não trabalha na função. Desde então, concedeu várias entrevistas expondo sua frustração com a escolha (ainda que elegantemente tenha tomado o cuidado de não ofender o colega de trabalho) e passou a se dedicar ao aprimoramento de suas capacidades visando o convite de algum clube na próxima temporada.

Em bate-papo exclusivo com o Saída de Rede, Rubinho contou que assiste a pelo menos um jogo diariamente. É um trabalho que não difere muito do que realizava com Bernardinho, mas "sem relatórios tão longos e específicos", brinca. Dividido entre as transmissões na TV e na internet, ele ainda tenta aprimorar o inglês e o italiano de olho em uma eventual proposta do exterior. "Quero estar preparado para qualquer possibilidade", destaca.

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Cativado pela "Geração de Prata" ainda na adolescência, nos anos 80, o curitibano Rubinho bem que tentou ser jogador. Ao perceber, em suas próprias palavras, "que não tinha muito como ascender como atleta", entrou pra faculdade de Educação Física já com o intuito de virar técnico de vôlei. Formou-se aos 20 anos e não parou de trabalhar desde então, com passagens pelo clube Curitibano, Cocamar (atual Maringá) e seleção juvenil antes de receber o convite de Bernardinho para integrar a seleção adulta, em 2006. Entre 2007 e 2013 ainda alternou o trabalho como treinador do São Bernardo, onde conseguiu chegar a quatro playoffs de Superliga mesmo tendo que lidar com um orçamento bastante limitado. Com a confiança do titular, comandou o Brasil nos Jogos Pan-americanos de Guadalajara e Toronto (um ouro e uma prata) e no início da Liga Mundial de 2015.

Profundo conhecedor de vôlei, Rubinho também explicou ao SdR alguns aspectos importantes para que se entenda a evolução da modalidade nas últimas décadas, como o aumento da força física, da agressividade no saque e a importância da internet. Sim, isso mesmo: a internet é, segundo ele, um fator extremamente relevante para que se explique como a competitividade cresceu no cenário internacional desde Londres-2012. "Você mostra uma fragilidade numa semifinal e, no outro dia, já é alvejado naquele ponto de forma impressionante. Há dez anos, isso não acontecia", afirma. E, na visão de Rubinho, os torcedores que se preparem para emoções ainda mais fortes: "Acho que o próximo ciclo vai ser até mais equilibrado do que o que se encerrou em 2016".

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Confira a conversa abaixo:

Saída de Rede: Você está aproveitando esses primeiros dias após a saída da seleção para descansar ou tem visto jogos, fazendo análises…?

Rubinho: Eu não parei, tenho que continuar acompanhando, pois preciso estar pronto para o mercado. Geralmente acompanho a Superliga, a Champions League, o Campeonato Russo e o Italiano. Assisto a pelo menos um jogo por dia. Obviamente não vou dar nenhum passo nesse momento porque o mercado está parado por ser meio de temporada do vôlei, mas estou trabalhando em algumas coisas. Quero estar preparado para qualquer possibilidade quando a temporada acabar.

Parceria de Rubinho e Bernardinho durou dez anos na seleção

Parceria de Rubinho e Bernardinho durou dez anos na seleção

Acompanhar jogos e jogadores era uma de suas principais tarefas na seleção, já que o Bernardinho se dedicava ao (time feminino do) Rexona-Sesc na temporada de clubes. Mudou muito a sua rotina agora?

Não, é mais ou menos a mesma coisa. Só que agora não preciso mais fazer relatórios tão longos e específicos como eu fazia (risos)… Tem uma característica bem próxima ao trabalho anterior, que é o observar como os técnicos e os atletas estão se comportando neste pós-Olimpíada. Geralmente a Olimpíada traz muitas inovações e os clubes adaptam algumas coisas. Antes, eu tinha que perceber quais eram as nuances novas para pra seleção: o que um jogador pode fazer em determinada situação, um determinado sistema…

Seu trabalho tem se limitado à parte técnica ou você já abriu negociações com alguém?

Recebi alguns contatos, mas não pretendo fechar nada tão antecipado pra sentir qual vai ser a movimentação do mercado e decidir o que fazer com as propostas que aparecerem

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A ideia é ficar no Brasil?

Depende do que aconteça por aqui. Nesse momento, eu não posso fechar portas. Estudo inglês e estou fazendo um trabalho até mais intensivo no italiano para estar preparado para possibilidades fora do Brasil. Com esses dois idiomas, eu tenho mais chances em qualquer parte do mundo

Sua carreira é construída no vôlei masculino, mas o universo das mulheres não é algo tão distante para você, que tem três filhas. Treinar time feminino é uma possibilidade?

Nunca pensei, mas não fecho as portas. A priori, eu teria que fazer um bom estudo. Em um primeiro momento, o foco é o masculino

Lucão e Vissotto: tentativa de aumentar a altura da seleção

Lucão e Vissotto: tentativa de aumentar a altura na seleção brasileira

Houve muitas mudanças no vôlei desde que você começou a trabalhar com a modalidade, em 1988, até hoje. Qual foi a mais impactante na maneira de jogar desde então?

O vôlei hoje é muito forte e a questão física é um componente muito pesado. Não dá pra fazer comparativos com o voleibol daquela época justamente por isso. Há muitos comentários de que perdemos em técnica, mas, mesmo no masculino, vejo um crescimento interessante hoje em dia na capacidade de defesa das equipes, o que proporciona um peso de ataque muito grande. O vôlei foi se moldando nesta faceta física, mas continua crescendo tecnicamente.

Cresceu também a questão da avaliação. Atualmente, as equipes se conhecem absurdamente e os efeitos deste estudo são muito rápidos na quadra: antes, demorava-se um pouco para perceber o que adversário estava fazendo, mas, agora, você mostra uma fragilidade numa semifinal e, no outro dia, já é alvejado naquele ponto de forma impressionante. Há dez anos, isso não acontecia.

Um grande exemplo disso é a seleção masculina da França, não? Saíram da segunda divisão da Liga Mundial para o título em 2015 e surpreenderam os fãs de vôlei, mas na Olimpíada a equipe foi muito visada e acabou eliminada na primeira fase…

Vou dar um panorama geral: no ciclo de 2004, tivemos somente três países ganharam as oito principais competições (Olimpíada, Mundial, Copa dos Campeões, Copa do Mundo e quatro Ligas Mundiais), que foram Brasil (6), Rússia (1) e Cuba (1). No de 2008, o Brasil ganhou seis e os Estados Unidos, duas. No de 2012, a gente ganhou quatro, a Rússia ganhou três e a Polônia um. Nesse último ciclo, foram seis campeões para oito competições diferentes (Brasil (2), Estados Unidos (2), França, Polônia, Rússia e Sérvia). Isso mostra que muitas equipes chegaram: começamos o ciclo brigando pesadamente com a Rússia, que praticamente desapareceu em 2016. A Sérvia era um time que eu imaginava como umas das maiores forças pra Olimpíada, mas nem conseguiu se classificar. As equipes estão extremamente competitivas e próximas, pois eu ainda colocaria neste grupo Argentina, Alemanha, Eslovênia… São tantas frentes que você pode ficar em primeiro ou sexto. Pra mim, a França era time pra final olímpica, mas terminou em nono. Isso porque um time que não tem tanto potencial pra ficar à frente, caso do Canadá, modificou a estrutura da nossa chave no Rio quando ganhou os Estados Unidos. E acho que o próximo ciclo vai ser até mais equilibrado do que o que se encerrou em 2016, pois as equipes que eram jovens estarão mais experientes.

Lucarelli e Wallace: preparados para serem protagonistas da seleção (Foto: FIVB)

Lucarelli e Wallace: preparados para serem protagonistas da seleção (Foto: FIVB)

Apesar de você ter mencionado o aumento da importância da força no vôlei, essa nunca foi uma característica grande das seleções do Bernardinho. Os brasileiros não eram os mais fortes ou os mais altos. O time se manteve entre os primeiros pela parte tática?

Mudou um pouco. O começo do ciclo do Bernardo era um time de talento, com quatro jogadores muito acima da média mundial: Serginho, Ricardinho, Giba e Gustavo. Ninguém tem isso hoje. Por exemplo: o (Earvin) Ngapeth é um jogador acima da média e, se a França tivesse outros quatro como ele, ninguém os venceria. Tivemos que mudar um pouco isso e procuramos jogadores mais altos, caso do Lucão (2,09 m), do Leandro Vissotto (2,14 m) e do Ricardo Lucarelli (1,95 m), que é um ponteiro mais alto. Hoje, se você não tiver este peso, não compete. Nós e a França sempre vamos estar um pouco abaixo neste quesito, então temos que equilibrar com a técnica. A Sérvia talvez seja a equipe que melhor una força e técnica atualmente.

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Claro que a técnica sempre será fundamental, mas houve um aumento da preponderância da força. No saque, por exemplo, a mudança foi absurda. Saímos de muitos saques no chão para times que jogam com seis viagens. Foi tanto que houve até outra mudança, com times que alternam de forma inteligente o viagem com o flutuado mais agressivo, que fez muito sucesso nos últimos dois anos. As equipes também começaram a passar com um passador de elite, o líbero e um ponteiro de força, que consegue se virar maior numa pancadaria. O flutuante já exige maior qualidade técnica, de movimentação. De qualquer forma, a tendência no mundo é de saques agressivos. Os bloqueios também estão mais altos, então os jogadores conseguem cobrir distâncias maiores com menos passadas. Avalie o Muserskiy bloqueando: sempre acompanha a primeira bola e, se o levantador inverte e o atacante manda muito na diagonal, ele toca na bola porque é um cara muito grande. Estes detalhes são importantes no jogo de hoje.

Fiz essa observação me referindo também ao último ciclo porque o Brasil ganhou ouro na Olimpíada jogando com três ponteiros mais técnicos do que de força: o Lucarelli, o Maurício Borges e o Lipe.

O Borges tem um perfil mais clássico de ponteiro de habilidade, mas, apesar de ter crescido muito nos últimos anos, o Lipe era um ponteiro de força na nossa hierarquia, ao lado do Lucarelli. Tentamos equilibrar eles com o Murilo, que é mais técnico, mas a partir de 2015 começamos a testar formações de força com força (Lucarelli e Lipe), que foi por acaso a que venceu a Olimpíada. Isso foi coisa de muito trabalho e de mudar um pouco o perfil dos dois, para eles suportarem jogar passando com qualquer tipo de saque.

Em outros anos, foi comum ouvir jogadores brasileiros que atuam na Superliga falarem da diferença entre o nível de saque que estavam acostumados no torneio com o que enfrentavam em nível internacional. Você realmente acha que o saque na Superliga está um pouco abaixo dos estrangeiros?

Eu diria que não está um pouco e sim muito (risos). Mas minha avaliação pessoal é que, nesta temporada, demos um passo à frente, talvez influência da seleção. Até 2015, a discrepância era muito alta: temos um fluxo muito grande de flutuantes nos campeonatos aqui e um volume de erro alto nos viagens. Esta era uma preocupação importante nossa e foi uma das coisas que mais tivemos crescimento técnico pra Olimpíada. Fizemos muito feedback de velocidade, trabalhos com objetivos…

O Sada Cruzeiro trabalha com radar há muito tempo e, por isso, era referência de saque no Brasil. Até troquei informações com eles. A Funvic/Taubaté passou a usar um pouco mais na temporada passada e o Sesi tem feito um trabalho muito interessante. Por isso, cresceram muito no fundamento. Mas, apesar desse crescimento, ainda ficamos abaixo do exterior. Lá, tem jogo com menos de dois saques perdidos pra cada ponto, um índice que é muito bom e buscávamos na seleção. Um saque pode modificar a história de um jogo. Nossos jogadores ainda não têm agressividade com consistência.

Como era o mundo na última vez que Bernardinho não foi técnico de uma seleção?

Você terá uma mudança importante no modo de trabalho: na seleção, podia "escolher" qualquer brasileiro pro seu time, mas agora terá uma limitação orçamentária e até de pontuação, caso assuma um time na Superliga. Como será?

O meu trabalho agora será com o mesmo conceitual adaptado às peças que terei. Precisarei de mais tempo pros jogadores aprenderem algumas coisas, mas o mais importante é ter o conceito. Esta será sem dúvida a minha grande diferença: trabalhava com a elite da elite e, mesmo que agora vá pra uma equipe de ponta, não será a mesma coisa. Mas não tenho dúvidas que dá pra crescer nesse aspecto: na própria seleção adulta, aconteceu muita coisa que eu testava na seleção sub-23 e na seleção B. Marcávamos alguns jogadores da seleção B, que eram mantidos ainda que não jogassem tão bem porque queríamos transformá-los em protagonistas. Isso aconteceu em 2011 com o Wallace, com o Lucarelli em 2013 e o Douglas Souza em 2015. É um trabalho que tem que ser feito, mas não está nos holofotes da imprensa.

Tecnologia aumentou a competitividade do vôlei, afirma o técnico (Foto: Luiz Pires/Vipcomm)

Tecnologia aumentou a competitividade do vôlei, afirma o técnico (Foto: Luiz Pires/Vipcomm)

O Maurício Souza também: foi impressionante o que ele evoluiu de 2015 para 2016, não?

Sem dúvida. Isso foi muito bacana. Trabalhei com ele no clube, em São Bernardo, e sempre foi um cara muito determinado. Desde jovem, também era um bloqueador muito forte: lá, já chamava a atenção de todas as equipes. Ele conjugou uma boa temporada na seleção em 2015 com uma boa temporada no clube e isso o jogou em um nível muito alto. O mesmo aconteceu com o Douglas Souza, que só escolhemos para o lugar do Murilo, lesionado, porque se mostrou em condições de estar na Olimpíada. O desenvolvimento de novos jogadores passa por essa sequência de trabalho bom em seleções e clubes, protagonismo, o tempo todo tendo que decidir… O ideal de uma seleção é ter 14 caras que decidem o tempo todo, mas o atleta precisa ser trabalhado para isso. E esse foi um dos pontos positivos dos ciclos do Bernardo como técnico.

O que você recomenda para um fã de vôlei que quer se aprofundar no esporte e ter uma visão mais técnica?

O maravilhoso hoje é que você tem internet, então você acessa jogos do mundo inteiro. A internet, na verdade, é o que faz com que os jogos sejam tão equilibrados hoje, pois todo mundo sabe o que os outros estão fazendo. O próprio jogo é um referencial espetacular, mas também há muita informação de vídeos de técnica, estratégia e comentários. A literatura no Brasil é muito pobre, mas até por influência do Bernardo aprendi a buscar isso lá fora, principalmente a questão dos técnicos nos Estados Unidos. A gente procura isso na NFL, NBA, no futebol… na Europa, por exemplo, há técnicos muito qualificados no sentido do estudo. Já li livros de uns cinco ou seis caras do futebol, tais como o Guardiola e o Mourinho, e agora comprei uma sequência de bons caras argentinos, como o Simeone. É isso: tem que fuçar o tempo todo. Hoje, o desenvolvimento depende muito mais de você, pois todo mundo tem o acesso. Se você for o cara que vai mais a fundo, naturalmente vai se desenvolver. É algo que no Brasil ainda podemos melhorar muito. Tenho visto muitas pessoas interessadas e acho que isso vai fazer a diferença pra gente em um futuro próximo.

Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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