Livro de Renan conta cirurgia espiritual e acordo pra ser técnico da Itália
A agenda lotada de competições com a seleção brasileira masculina e o EMS Taubaté Funvic, atual campeão da Superliga, não impediu o técnico Renan Dal Zotto de colocar em prática mais um projeto pessoal: lançar um livro no qual usa sua vitoriosa carreira como jogador e os desafios como técnico e gestor esportivo para passar lições que podem ser úteis não só a fãs como também a pessoas que buscam ter uma vida profissional bem-sucedida.
Mais interessante que o lado motivacional, porém, são as passagens biográficas descritas por Renan ao longo das 160 páginas de "Ninguém É Campeão Por Acaso – Os 6 Princípios Inegociáveis para o Alto Rendimento". Entre elas, estão as dificuldades no início de carreira em um esporte até então desconhecido, bastidores da "Geração de Prata", a passagem pelo voleibol de praia e os primeiros passos fora da quadra, além de episódios da vida pessoal (veja mais abaixo).
O leitor só não deve esperar grandes polêmicas: o ex-presidente da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) e do COB (Comitê Olímpico Brasileiro), Carlos Arthur Nuzman, que chegou a ficar preso por corrupção, é basicamente descrito através de uma perspectiva positiva, enquanto os desentendimentos dentro da seleção, mostrados na biografia de Bebeto de Freitas, são contados de forma vaga. Como o livro termina justamente com Renan aceitando o convite para ser treinador da seleção, também não há nada sobre o atual trabalho que ele exerce.
Ainda assim, o livro de Renan é proveitoso e vale a pena ser lido. "Não me passava pela cabeça colocar tudo isso em uma obra, mas fui convencido por um amigo, o jornalista Tom Cardoso, e pela minha esposa, num momento delicado, em que me recuperava de uma cirurgia no joelho. Queria compartilhar minha vivência de mais de 40 anos no esporte e acho que ficou muito bacana", comentou Dal Zotto, durante evento de lançamento em São Paulo, no início de dezembro. "Consegui trazer isso com uma linguagem corporativa, para a gestão de pessoas. Por isso, foquei esse livro em seis princípios que acho fundamentais para as chances melhorarem: paixão, treinamento, renúncia, ousadia, resiliência e planejamento", explicou.
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Veja abaixo algumas das mais curiosas passagens do livro de Renan:
RENAN, QUASE ARQUITETO E DECORADOR FORMADO
Pouca gente sabe, mas Renan também tem um lado profissional bem distinto do vôlei: por conta da instabilidade da carreira no esporte, ele não quis abrir mão totalmente dos estudos, a despeito de uma notória evolução nas quadras. Optou então, pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade Canoense (RS) por influência de um primo. Com dificuldades para concluir o curso por conta da rotina no vôlei, seguiu a sugestão de um professor e fez um curso complementar de seis meses de decoração de interiores na PUC de Porto Alegre.
"Agora, quando tem algum tipo de reforma lá em casa, meus filhos tiram sarro: "Vamos deixar tudo na mão do "decorador"".
CONFUNDIDO COM CANTOR RUSSO
Uma passagem divertida que Renan conta no livro ocorreu durante a Copa do Mundo de 1977, disputada no Japão. Até então um desconhecido, ele começou a estranhar o assédio intenso que sofria sempre que deixava o hotel, com pedidos de fotos e autógrafos. O mistério só foi desfeito algum tempo depois.
"Aquilo não fazia o menor sentido. Até que alguém da comitiva me mostrou a capa de uma revista anunciando a chegada ao país de um cantor russo, muito querido entre os japoneses, praticamente meu sósia. Igualzinho".
A ORIGEM DO SAQUE VIAGEM
Responsável por popularizar o saque viagem, uma grande novidade técnica nos anos 80 hoje utilizada em larga escala no vôlei, Renan também conta no livro que a inspiração veio de um desconhecido jogador chinês observado durante amistosos realizados na Ásia em 1979.
"Ele sacava diferente de todo mundo. Nunca tinha visto nada igual. Ele dava os dois passos laterais que eram típicos da escola asiática, mas, na hora de sacar, tirava um dos pés do chão e batia firme na bola, também lateralmente, meio que de gancho. Esse movimento fazia a bola girar bastante e ganhar grande velocidade, bem diferente dos saques tradicionais da época. Fiquei olhando aquilo e pensei: "Acho que consigo fazer ainda melhor que isso"".
Renan então começou a treinar o novo movimento, mas, por ser apenas um novato na ocasião, só teve coragem de testá-lo na seleção no Mundial de 1982. Foi um sucesso e de uma eficiência tão grande que o "viagem" se tornou um clássico.
CIRURGIA ESPIRITUAL PARA JOGAR EM LOS ANGELES-1984
Já um astro da seleção brasileira, Renan por pouco não ficou fora do grande momento de "Geração de Prata", os Jogos Olímpicos de 1984, quando o Brasil ficou com o vice-campeonato. Ao pisar no pé de Amauri em uma partida realizada a 15 dias do torneio, ele recebeu o diagnóstico de uma lesão grave no tornozelo, que o deixaria sem condições de participar da disputa.
Sem opções na medicina tradicional, Renan aceitou a indicação de Vera Mossa, jogadora da seleção feminina, de um médium do interior de São Paulo chamado Waldemar Coelho, responsável por cirurgias espirituais, que foi ao Rio de Janeiro somente para atendê-lo.
"Foi tudo muito rápido. Durante a cirurgia espiritual, ele fazia todos os movimentos e gestos como se tivesse me operando no plano físico. Quando terminou, disse que eu teria que fazer muitas sessões de fisioterapia. Eu obedeci e fiz tudo (…) Faltando alguns dias para o começo dos Jogos, já não sentia a mesma dor. Estava quase pronto para jogar, mas só fui participar do time efetivamente após as primeiras partidas. Até hoje sou muito grato ao seu Waldemar pelo carinho e dedicação com que me atendeu".
LEUCEMIA E DDA DOS FILHOS
O momento mais dramático do livro de Dal Zotto é a passagem na qual ele conta fala sobre o tratamento do filho mais velho, Gianluca, diagnosticado com um tipo grave de leucemia quando tinha dois anos e quatro meses. Até ser receber alta dos médicos, já com cinco anos, o menino precisou passar por 42 transfusões de sangue e diversas sessões de quimioterapia.
Pouco após o diagnóstico, ao levar Gianluca às pressas para São Paulo, Renan conta que ele e a esposa chegaram a pensar em morrer. "Na viagem, houve um momento que eu nunca mais esqueço. Nós três ali, a Annalisa chorando, e nós desejando, dentro daquela loucura, daquele desespero, que o avião caísse".
Os problemas foram superados e, hoje, Gianluca está bem e, após ter um namoro com o vôlei, é formado em engenharia de produção. Renan conta que o segundo filho do casal, Enzo, também trouxe desafios por conta do um diagnóstico de DDA (Distúrbio de Déficit de Atenção), mas também superou a questão e hoje trabalha como DJ e produtor musical.
ACORDO PARA SER TREINADOR DA SELEÇÃO ITALIANA
Atualmente vivendo ótima fase no comando da seleção brasileira masculina, Dal Zotto esteve perto de comandar um dos maiores rivais da seleção brasileira. Ele conta que, em 2007, quando foi treinar a equipe do Sisley Treviso, da Itália, o plano era, depois de um tempo, assumir a seleção do país.
"Na reunião para assinar o contrato com o Treviso (…), o Carlo Magri (presidente da Federação Italiana), estava presente (…) O acordo entre nós ali era mais ou menos o seguinte: eu dirigiria o Treviso por alguns anos e depois assumiria a seleção italiana", conta Renan.
O plano foi abortado porque Renan não conseguiu manter o time no mesmo patamar dos resultados anteriores à sua chegada, o que ele atribui a um "erro grave de planejamento": "Eu estava sozinho, não tinha mais ninguém da minha confiança na comissão técnica, nem um auxiliar técnico, nem um preparador físico. Só eu. Havia sido uma reivindicação minha na hora de assinar o contrato, mas eles bateram o pé, argumentando que aquele era um time campeão, já pronto, que bastava treiná-lo".
O próprio técnico admite que a expectativa em torno dos passos futuros do projeto o fez desistir de levar seus companheiros de trabalho. "Tirei uma forte lição deste episódio. A prioridade número um de um treinador é escolher uma equipe de profissionais de sua confiança", destacou.
RADAMÉS LATTARI FOI A PRIMEIRA ESCOLHA PARA SUBSTITUIR BERNARDINHO
Já no fim do livro, quando relata a negociação para assumir a seleção masculina no lugar de Bernardinho após a Rio-2016, Renan diz que ele não foi a primeira escolha da CBV para o cargo, mas sim Radamés Lattari, atual CEO da entidade e técnico do time nacional entre 1997 e 2001.
"(Em um encontro) Ele me contou que havia sido a primeira opção do Toroca (apelido de Walter Pitombo Laranjeiras, presidente da CBV) para substituir o Bernardinho, caso ele confirmasse sua saída, e que tinha rejeitado prontamente o convite, dizendo que não tinha mais saúde para exercer esse cargo, que já tinha sido técnico, etc. Depois de me dizer isso, falou: "Eles agora querem que você assuma, Renan"".
Serviço:
Ninguém É Campeão Por Acaso – Os 6 Princípios Inegociáveis para o Alto Rendimento
Renan Dal Zotto e Tom Cardoso
160 páginas
Editora Benvirá
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