Jogo veloz, perrengue e filha de Ida: histórias do Minas no Mundial de 1992
Raros são os acontecimentos que possuem poucas informações na internet. Pois o Mundial de clubes de vôlei feminino de 1992 está entre eles: a única participação do Minas Tênis Clube na história do torneio conta com pouca documentação online. Quase 26 anos depois do vice-campeonato obtido pela equipe brasileira, o máximo que se encontra são um relatório dos resultados e parcos parágrafos de como foi a disputa na Itália.
Em decorrência da volta do Minas ao Mundial, obtida após a conquista do Campeonato Sul-americano em fevereiro, o Saída de Rede foi atrás de alguns personagens que estiveram lá para contar ao fã de vôlei o que aconteceu.
O fim da equipe da histórica equipe da Sadia, que patrocinou e ganhou o primeiro Mundial interclubes, em 1991 em São Paulo, fez o voleibol feminino brasileiro ser dividido em duas grandes forças: de um lado, estava o Colgate/São Caetano de Ana Moser, Fofão e José Roberto Guimarães. Do outro, o L'Acqua di Fiori/Minas, que contava com nomes como Ana Flávia, Hilma, Cilene, Leila e Ana Paula. A equipe paulista costumava levar uma pequena vantagem, como mostram as vitórias nas finais da Liga Nacional (equivalente à Superliga) e do Sul-americano da temporada 1991/1992.
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No Mundial, porém, a história foi diferente. Integrante do grupo A, o São Caetano era favorito para avançar às semis ao lado do Uralochka, time comandado por ninguém menos que Nikolay Karpol. Foi, porém, surpreendido pelo mediano Brummel Ancona (Itália) por 3 sets a 2 na segunda rodada e nem a fácil vitória sobre as americanas do Chrysler Californians evitou a eliminação precoce, já que a equipe também havia perdido para as russas na estreia. Na chave B, o Minas teve uma estreia difícil contra o Hitachi Musachi (Japão), mas saiu de quadra com uma vitória no quinto set. Na sequência, fez jogo duro com as donas da casa (e favoritas) do Il Messaggero Ravenna, perdendo apenas no tie-break. A classificação foi confirmada com 3 a 0 sobre uma equipe amadora do Quênia, o Posta Kenya, com direito a duas parciais encerradas em 15-1.
Disposto a beliscar um lugar no pódio, o Minas investiu em duas contratações pontuais para o Mundial: Ida e Marcia Fu. Ao lado de Ana Flávia, elas foram fundamentais para a vitória por 3 a 1 sobre o Uralochka na semifinal. As recém-chegadas tiveram pouquíssimo tempo para se adaptar a uma mudança de jogo promovida pelo técnico Carlos Castanheira, o Cebola.
"Naquela época, se jogava no Brasil com o sistema em W, de cinco passadoras, mas a equipe do L'Acqua montou um sistema de passar com três, que era mais ou menos o que o masculino e as principais seleções femininas estavam fazendo. Com isso, a variação de jogadas era muito grande, especialmente com os ataques de fundo. A gente teve dez dias para embutir na cabeça delas como jogar no novo sistema, mas deu certo pela versatilidade e qualidade da Marcia Fu e da Ida", relembrou Cebola, que ainda continua no Minas, agora como chefe do vôlei masculino, em entrevista ao SdR.
Assistente técnico de Cebola, Jarbas Soares diz que a estratégia do colega de trabalho foi fundamental para o bom resultado: "Ele foi muito ousado, queria fazer com que o vôlei feminino tivesse algumas características do masculino, jogando com velocidade, ataques pelo fundo com a Hilma, uma linha de passe com especialistas…".
O problema é que Ida sofreu uma torção na semi e Marcia Fu estava indisposta, sem condições de manter seu nível normal de atuação na grande decisão. Com seu poder de fogo drasticamente diminuído, Cebola usou na disputa do título a base com a qual já estava acostumado: Cilene, Leila, Ana Paula, Arlene, Andréia, Hilma e Ana Flávia – Arlene, inclusive, continua em atividade e, aos 48 anos, é a líbero reserva do Vôlei Bauru na atual Superliga.
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Resultado: diante do fortíssimo rival, campeão italiano em 1990/1991 e com nomes como a americana Caren Kemner e a holandesa Henriette Weersing no elenco, o Minas acabou derrotado por 3 a 0. Mas não se engane pelo resultado geral: as parciais, encerradas em 16-14, 15-13 e 15-12 mostram que o jogo foi duro. Questionado se acredita que sua equipe poderia ter subido ao ponto mais alto do pódio se tivesse contado com Ida e Fu naquele dia, Cebola é taxativo: "Acredito. Com a saída das duas, nós tínhamos o conjunto, mas faltou peça de reposição, pois eram só 12 jogadoras. Então, você precisaria de uma ponteira, uma atacante de força e a gente perdeu as duas… Mudou um pouco a nossa característica e isso favoreceu a equipe do Ravenna".
Estratégia "estilo Libertadores" e festa na volta
Não bastasse o favoritismo em quadra, o Ravenna ainda se utilizou de uma estratégia ao melhor "estilo Libertadores" antes da decisão. É o próprio Cebola quem conta: "Eles colocaram a gente em uma cidade chamada Ancona e a final era em Jesi, a uns 80 km por um caminho de serra. Não transferiram a gente antes para aclimatar e tivemos que subir até lá no dia do jogo, três horas antes, em um micro-ônibus militar sem ar condicionado em um calor danado. Usaram de todos os subterfúgios para que a gente tivesse o fator externo nos atrapalhando".
Apesar disso e da derrota na grande decisão, o sentimento posterior foi de orgulho. Ao voltarem ao Brasil, as jogadoras do L'Acqua di Fiori/Minas foram recebidas com uma grande festa, com direito a desfile em carro aberto do Corpo de Bombeiros pelas ruas de Belo Horizonte, serpentinas, banda do Exército e fogos de artificio. MVP da disputa, Ana Flávia foi uma das mais badaladas. "Foi um vice jogando contra equipes de qualidade. Por isso, esse segundo lugar foi uma posição muito honrosa", define Jarbas.
Filha de Ida virou mascote
A única participação do Minas em um Mundial de clubes de vôlei não tem histórias curiosas apenas dentro das quadras. Ida conta que impôs uma condição para aceitar o convite feito pelo time de BH: poder levar Agatha, sua filha de cinco anos, à Itália com a delegação. O pedido foi aceito e o campeonato ganhou uma espécie de mascote.
"Como a gente estava naquela coisa de sai da seleção e vai pra clube todo ano, pedi para levá-la porque não queria ficar mais tempo longe dela. E eles toparam, mas disseram que não dava para levar uma babá", afirmou a jogadora. Para que a presença de uma criança não atrapalhasse a performance do time, Ida teve uma conversa séria com a herdeira. "Antes de ir, eu disse: 'Olha, nós vamos pra Itália jogar o Campeonato Mundial e você tem que obedecer'. Ela queria tanto ir que falou 'Está bom'. De fato, foi super obediente, deu zero de trabalho", relembra.
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Mas e quando Ida estava jogando, quem cuidava de Agatha? "Um cara de uma rádio de Minas que foi com a gente ficava de olho nela, mas ele também tinha que trabalhar, né? Então, o que aconteceu é que ela virou meio que xodó do torneio. Um dia eram as japonesas que estavam vendo o jogo e ficavam com ela, outro dia era outra pessoa… ela ficava na arquibancada e começou a ficar conhecida. Virou tipo uma mascote. E, quando acabava o jogo, ainda me cornetava: 'Tá vendo, mãe? E aquela bola, por que você deixou cair? Era só pegar'", diverte-se.
"Como mãe e filha, foi uma experiencia muito legal em um momento no qual a gente ficava muito longe. Ela pôde vivenciar como era minha vida profissional", orgulha-se Ida.
Intenção de ganhar no segundo Mundial
A edição 2018 do Mundial de clubes femininos da Federação Internacional de Vôlei (FIVB) ainda não tem data confirmada, mas o torcedor minastenista pode ficar otimista. Atual chefe do departamento de vôlei para mulheres do clube, Jarbas Soares garante que a equipe não vai à China, sede da disputa, fazer figuração.
"É um ponto difícil pra gente competir com as equipes da Turquia, Rússia, China, mas nós esperamos montar um time bem competitivo. Vamos com a intenção de ganhar, não de só participar. Queremos buscar o título", assegura o dirigente.
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