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Dez anos depois, entenda a briga com Bernardinho que fez Ricardinho ser cortado da seleção

Carolina Canossa

21/07/2017 10h17

Ricardinho e Bernardinho fizeram as pazes em 2012, mas jogador não voltou a brilhar na seleção (Foto: Divulgação/FIVB)

Era o oitavo dia dos Jogos Pan-Americanos do Rio 2007. Naquele sábado, 21 de julho, o torcedor brasileiro comemorou a sexta medalha de ouro do nadador Thiago Pereira na piscina do Maria Lenk, o título no handebol feminino e também o de Juliana e Larissa nas areias de Copacabana. No mesmo dia, contudo, além da eliminação precoce no futebol masculino, o público nacional foi surpreendido por uma notícia tão impactante quanto uma cravada na linha de três metros: Ricardinho estava cortado da seleção brasileira de vôlei. O reserva Marcelinho foi elevado à condição de titular da equipe e Bruno, então com 19 anos de idade, convocado para a vaga aberta.

As primeiras informações, confusas, chegaram quando já havia escurecido. Chefe de missão da delegação brasileira, Marcus Vinícius Freire teve o nome envolvido em um jogo de confirma e desmente e nem a própria assessoria de imprensa da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) dava uma explicação clara. Idem para o então presidente Ary Graça. Foi só por volta de 23 horas que finalmente a certeza veio.

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Exatos dez anos após o ocorrido, debates e especulações seguem na mente dos torcedores, algo que nem mesmo o retorno do então capitão ao time em 2012 encerrou. Briga por dinheiro? Desentendimentos em relação às folgas? Nepotismo de Bernardinho, pai de Bruno? A situação foi tão mal conduzida por todos os lados que uma década depois ainda é preciso juntar peças para entender o que realmente aconteceu na mais longa novela do vôlei brasileiro.

Se Bernardinho nunca falou detalhadamente sobre o assunto, o jeito é recorrer a duas peças importantes daquela equipe, o ponteiro Giba e o líbero Serginho. Em suas biografias, ambos trazem a mesma versão: Ricardinho, que já vinha dando claros sinais de insatisfação com outros aspectos do time (como o hotel em que os jogadores estavam hospedados na etapa da Finlândia da Liga Mundial 2007), decidiu não se apresentar para os treinos no Pan no dia marcado, 20 de julho. Isso porque os atletas perderam um dia de folga na volta da Polônia, onde foram campeões do torneio, ao não conseguirem pegar uma conexão em Paris.

Apesar de vitoriosa, relação entre as partes sempre foi marcada por conflitos (Foto: Jorge Silva/Reuters)

Para aumentar o estresse de todos, quando desembarcaram em São Paulo o acidente com o voo 3054 da TAM dificultou os deslocamentos de diversos atletas para suas cidades, entre os quais estava Ricardinho. Ainda assim, o grupo decidiu manter a data de reapresentação no Rio. Voto vencido, o levantador optou por permanecer com a família em Maringá e se apresentar somente quando achava que era o certo, no dia 21 de julho. O caos aéreo vivido pelo Brasil naquela semana também afetou o ponta Dante, outro a só chegar no sábado, mas os conflitos anteriores com o armador culminaram na radical decisão da comissão técnica.

E a questão do dinheiro? De fato, houve uma discussão interna naquela seleção sobre o assunto. A exigência do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) em contar com o badalado time no Pan-americano em casa fez com que os atletas exigissem de forma unânime uma contrapartida financeira, já que perderiam dias de descanso do puxado calendário do vôlei internacional. Houve uma discussão sobre o assunto na Finlândia e, após uma certa resistência, Ary Graça concordou em pagar premiação aos atletas. Apesar de estarem do mesmo lado nesta briga específica, Giba diz que Ricardinho já havia irritado os companheiros ao ameaçar deixar a delegação no país nórdico: "Ricardo desistiu de ir embora. Ficou um clima de merda. (…) Pouco depois, ele chamou Bernardinho para outra conversa a sós e pediu desculpas. Mas, naquele momento, o grupo inteiro já havia sido prejudicado. Todos tinham ficado acordados a madrugada inteira e o pedido de desculpas foi direcionado somente ao comandante".

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Em entrevista ao Yahoo Esporte Interativo em 2013, Rodrigão corroborou a versão: "O Ricardo não estava errado, ele tinha razão em algumas coisas que ele falava, ele tinha uma ideia certa, é um cara muito inteligente, muito observador. Só que fazia da forma errada, de uma forma pública, no meio de todo mundo, de pessoas que talvez não precisavam saber da intimidade do grupo, da conversa, e eu acho que esse foi o grande erro dele".

Em sua biografia, "Levantando a Vida", Ricardinho confirma o dito pelos demais jogadores, mas acrescenta que o grupo já estava irritado por ter sido obrigado a participar da etapa finlandesa da Liga 2007, algo sem necessidade uma vez que a classificação para a fase final na Polônia foi assegurada na rodada anterior, no Canadá. Além de permanecer um mês longe de casa, o hotel onde eles ficaram no norte na Europa servia uma comida, nas palavras do atleta, "péssima e vinha fria". O quarto, "que eu me lembro, foi limpo só duas vezes", e "não tinha ar condicionado, tinha um ventilador que não funcionava". Isso no verão local. Ele ainda confirma que gostava de provocar os outros jogadores, mas trata tudo como uma brincadeira.

Em biografia lançada em 2007, Ricardinho falou sobre o assunto (Foto: Reprodução)

Ricardinho conta também que, já no Brasil, só conseguiu chegar a Maringá quase no fim da folga, na quarta à tarde, pois teve que viajar de carro por conta do acidente aéreo em São Paulo. Ligou para José Inácio Salles, preparador físico e responsável pelas passagens/folgas da seleção, pedindo para ir ao Rio só no sábado e não na sexta. Foi autorizado a chegar no sábado pela manhã: "Antes de desligarmos o telefone, ele disse: 'Fica tranquilo. Curta sua família'". Mas, ao chegar lá, não havia reservas para ele no hotel marcado, assim como não havia a mala com uniformes, o que o faz desconfiar que o corte já estava certo quando falou com Salles. Em uma reunião, Bernardinho lhe comunicou a decisão: "É claro que fiquei arrasado. Deixaram-me ir para o Rio para dizerem que eu não sirvo mais para a seleção? Se houve o tal desgaste, por que não fui informado ainda na Europa?"

O retorno

Ainda que irritado com a forma como a qual sua dispensa foi conduzida, Ricardinho inicialmente não agiu de maneira impetuosa. Chegou até a dizer que respeitava Bernardo e que iria "aceitar sua decisão, matar no peito, como dizem". O técnico também tratou de colocar o assunto em panos quentes e afirmou que entendia a mágoa do jogador, mas "temos de tomar as decisões baseados naquilo que achamos certo".

Pego de surpresa, o grupo precisou lidar com o terremoto ao longo de todo o torneio. Já na estreia, contra o Canadá, Bruno ouviu o Maracanãzinho inteiro gritar o nome de Ricardinho ao entrar na primeira inversão 5-1, pressão que se seguiu nas partidas seguintes. No pódio, com a medalha de ouro no peito, Giba teve a ideia de tentar amenizar o climão levando uma bandeira no Brasil com os dizeres "Pequim 08", "17", "lembre-se do nosso pacto" e "você faz parte da nossa família", um claro recado ao amigo. Nas entrevistas pós-jogo, o atacante, Serginho e Gustavo elogiaram o armador.

Bernardinho nunca quis falar abertamente sobre o assunto por julgá-lo ser um problema interno da seleção (Foto: Divulgação/FIVB)

Só que a recíproca não era verdadeira. Sentindo-se traído pelos demais atletas, Ricardinho cortou relações com eles e passou a distribuir declarações polêmicas. "Fui humilhado", "O Bernardinho morreu pra mim" e "Giba não era o amigo que eu pensava que fosse" foram algumas das frases ditas pelo atleta ao longo dos meses seguintes.

Em outubro de 2007, Bernardinho fez a primeira tentativa de reaproximação com o craque, relacionando o nome dele entre os pré-convocados para a Copa do Mundo. Mas, com uma nota oficial à imprensa, impôs condições para o retorno: que fizesse uma retratação com o grupo e seguisse as regras e rotinas planejadas. O jogador não gostou novamente de como a situação foi conduzida e ignorou a tentativa.

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Em 2010, uma nova investida com Ricardinho sendo inscrito entre os 22 atletas da Liga Mundial. Na ocasião, o pedido foi melhor recebido, mas o levantador preferiu ficar de fora do torneio, pois queria resolver questões particulares antes de se dedicar à seleção. Pediu para começar a se preparar visando à disputa do Campeonato Mundial daquele ano, mas desta vez quem não aceitou foi Bernardinho.

O retorno mesmo só foi ocorrer em 2012. De volta ao Brasil, onde foi vice-campeão da Superliga com o Vôlei Futuro, os dois lados se encontraram e finalmente se acertaram. O levantador participou da Liga Mundial daquele ano, mas não conseguiu tirar a titularidade de Bruno, que também permaneceu na equipe durante a campanha do vice em Londres 2012. Com a prata olímpica no peito, mas jogando pouco, encerrou de forma discreta sua trajetória no time nacional.

Atualmente, Ricardinho é dirigente e levantador de uma equipe que estruturou no Paraná, a Copel Telecom/Maringá. Aos 41 anos, evidentemente não é o mesmo jogador que encantou o mundo com seu estilo acelerado, mas ainda mantém um nível razoável de jogo. Bernardinho, por sua vez, só foi deixar a seleção nacional em janeiro deste ano, com o ouro da Olimpíada do Rio, mas segue como treinador da equipe feminina do Sesc-RJ. Dos demais atletas que participaram do ouro no Pan, seguem na ativa os levantadores Bruno (Modena – Itália), Marcelinho (Botafogo), os pontas Samuel (Minas), Murilo (Sesi) e Dante (Funvic Taubaté), o oposto André Nascimento (Itapetininga) e o líbero Serginho (Corinthians). André Heller (Vôlei Renata, ex-Brasil Kirin) e Gustavo (Lebes/Gedore/Canoas) viraram dirigentes, enquanto Giba trabalha nos bastidores apoiando a equipe feminina do Madero CWB e como presidente da comissão dos atletas da FIVB (Federação Internacional de Vôlei). Rodrigão toca uma escolinha de vôlei na Praia Grande, onde também se envolve com projetos da prefeitura local, além de disputar torneios menores de vôlei de praia. Anderson Rodrigues foi o único que virou técnico: após conduzir o Terracap/BRB/Brasília às quartas da última Superliga feminina, assinou com o Volero Zurich, da Suíça, para a temporada 2017/2018.

* Colaborou João Batista Jr.

Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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