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Rejeitado por ser gay, atleta do vôlei luta contra preconceito no esporte

Sidrônio Henrique

02/12/2016 06h00

Chris Voth, 26 anos, 1,97m, tem sido convocado para a seleção canadense (fotos: arquivo pessoal)

Chris Voth é um canadense de 26 anos que tem facilidade em fazer amigos, joga vôlei como ponteiro na Europa profissionalmente há quase três anos e tem sido convocado para a seleção do seu país desde os tempos de infantojuvenil. Tudo estaria bem, não fosse por um episódio recente que o deixou abalado. Após duas temporadas no Lycurgus Groningen, time holandês, Voth ia mudar de clube, mas sequer chegou a assinar o contrato. O motivo: ele é gay e os dirigentes alegaram que não poderiam se responsabilizar pelas atitudes dos adversários ou mesmo pela conduta das pessoas da equipe, bem como dos torcedores, em razão da orientação sexual dele. Foi dispensado por ser homossexual.

Menos mal que na segunda quinzena de novembro Chris Voth conseguiu um novo time, o Lakkapaa Rovaniemi, da Finlândia, depois de três meses mantendo a forma no centro de treinamento da seleção do Canadá, em Gatineau, Quebec. O Saída de Rede conversou com o ponteiro, que não revela o nome do clube que o rejeitou ou mesmo de qual país é essa equipe, para que não pensem que ele quer dar o troco. "Já há muito ódio no mundo e eu não quero criar mais. Devemos nos ater ao problema em vez de tentar culpar alguém", diz Voth, que admitiu ter ficado magoado com o episódio.

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Incomodado com o tabu que é ser gay no esporte profissional, assim como na maioria das áreas, o ponta de 1,97m decidiu assumir publicamente sua sexualidade em janeiro de 2014. "Eu queria deixar claro que é possível ser gay e também ser um atleta profissional. Eu senti que teria sido mais fácil para mim, quando comecei, se houvesse alguém jogando em que eu pudesse me espelhar. Então eu tentei ser aquele cara. Desde então, tenho escutado de várias pessoas que eu os ajudei a se sentirem melhor se assumindo publicamente. Esse foi o meu real objetivo, ajudar outras pessoas", conta o estudante de educação física da Universidade de Manitoba, curso que ele ainda não sabe como vai concluir, devido a distância. A paixão pelo vôlei ele herdou dos pais, ambos ex-jogadores.

Além da modalidade, Chris Voth se dedica como voluntário, mesmo morando em outro continente, à organização Out There Winnipeg (www.outtherewinnipeg.ca), formada por membros da comunidade LGBT da cidade de Winnipeg, onde ele nasceu e foi criado. A organização tem como objetivo promover atividades esportivas para a integração de gays, lésbicas e simpatizantes.

Confira a entrevista que o ponteiro concedeu ao blog:

Saída de Rede – Como você se sentiu quando foi informado que não poderia ser contratado por ser gay?
Chris Voth – Aquilo me magoou muito porque eu tenho tentado ser um exemplo para que outros atletas gays não se sintam reprimidos. Não era minha motivação original, mas eu esperava poder ajudar a abrir portas, mostrando-me como um líder, então quando fui rejeitado foi um baque. Quero colocar uma luz sobre o problema. Ainda há muito espaço a ser conquistado pelos gays na comunidade esportiva, mesmo que mais gente tenha se assumido publicamente.

O ponta passador canadense jogou duas temporadas na Holanda

Saída de Rede – Você não mencionou em qual time ou mesmo em que país isso aconteceu. Qual foi o clube que te rejeitou? Onde isso ocorreu?
Chris Voth – Eu não revelei porque não tenho intenção que o foco recaia sobre eles ou que achem que eu quero dar o troco. Esse é um problema que infelizmente ocorre em vários clubes de diversos países. Já há muito ódio no mundo e eu não quero criar mais. Sempre que me perguntam o nome do clube ou do país, eu digo que devemos nos ater ao problema em vez de tentar culpar alguém.

Saída de Rede – Como as pessoas próximas a você reagiram à decisão do clube?
Chris Voth – Ficaram aborrecidos, bastante chateados. Eu tenho muita sorte de ter amigos e familiares incríveis, que sempre me dão apoio. Sempre conto com eles para conversar sobre qualquer tema, seja relacionado ao vôlei ou à minha vida, especialmente meu parceiro de tantos anos, Davey. Ele tem sido meu principal suporte nesses anos que eu tenho estado longe de casa. Às vezes torna-se difícil viver longe, mas contar com o apoio dele significa muito para mim.

Saída de Rede – O fato de ser gay já tinha sido visto como um problema por outros em sua carreira?
Chris Voth – Não tenho certeza se isso já aconteceu, não que eu saiba. Eu decidi tornar pública minha orientação sexual em janeiro de 2014, quando estava no centro de treinamento da seleção canadense. Fiquei comovido com o apoio que recebi. Logo depois, assinei um contrato com um clube holandês. Vivi um período difícil quando somente pessoas mais próximas sabiam sobre a minha sexualidade. Tive depressão e o nível do meu voleibol caiu. Quando eu assumi que era gay, meus amigos e colegas de time notaram uma melhora no meu jogo. Foi como se eu tirasse um peso das minhas costas.

Voth com a camisa do novo time: Lakkapaa Rovaniemi, da Finlândia

Saída de Rede – Então você considera importante que os atletas gays falem abertamente sobre sua orientação sexual?
Chris Voth – Nesse momento eu acredito que pode ajudar a causa. Atletas assumidamente gays são tão poucos, especialmente em esportes coletivos, que algumas pessoas não enxergam a necessidade de mudança de mentalidade. Meu sonho é vivermos num mundo onde as pessoas não tenham que rotular a sexualidade e cada um seja livre para ser o que bem entender. Acredito que vamos chegar a esse dia, mas não tenho certeza se viverei para ver isso.

Saída de Rede – Qual o principal motivo para que você decidisse assumir publicamente sua sexualidade? Como as pessoas reagiram?
Chris Voth – Decidi fazer aquilo porque achei que poderia ser um exemplo para outros que temessem se assumir. Eu queria deixar claro que é possível ser gay e também ser um atleta profissional. Naquele período, a maioria dos atletas que estavam assumindo sua orientação sexual estavam aposentados. Eu senti que teria sido mais fácil para mim, quando comecei, se houvesse alguém jogando em que eu pudesse me espelhar. Então eu tentei ser aquele cara. Quando a imprensa canadense publicou minha história foi impressionante. As mensagens de apoio que recebi de toda parte foram incríveis, não poderia ter sido melhor. Eu não fazia ideia que aquilo receberia tanto espaço na mídia. Desde então, tenho escutado de várias pessoas que eu os ajudei a se sentirem melhor se assumindo publicamente. Esse foi o meu real objetivo, ajudar outras pessoas.

Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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