Block no racismo: os grandes negros da história do vôlei
No país onde o racismo ainda se manifesta na vida social cotidiana das mais variadas formas, das mais sutis às mais explícitas, e onde os obstáculos impostos aos negros permanecem sólidos e, em alguns casos, quase invisíveis, celebra-se, neste dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra. Um dia certamente voltado para a reflexão sobre este "racismo à brasileira" que estrutura a nossa sociedade e as maneiras de combatê-lo. Como um marco simbólico, é uma data para se pensar nos frágeis avanços e também em representatividade, igualdade, direitos e superação. Levando todas estas questões em consideração, o Saída de Rede resolveu homenagear seis estrelas negras do vôlei que escreveram seus nomes na história da modalidade no mundo. Atletas que resistiram, cada um à sua maneira, driblaram dificuldades, lutaram – e, felizmente, ainda lutam – para romper todas as barreiras e se tornaram referências no esporte.
MIREYA
É impossível que alguém que se diga fã de voleibol nunca tenha ouvido falar sobre Mireya Luis. Uma verdadeira lenda vida da modalidade, a ponteira Alejandrina Mireya Luis Hernández é, certamente, a melhor jogadora de todos os tempos. Nascida na cidade de Camaguey, no interior de Cuba, deu os primeiros passos no vôlei quase por acaso, já que muitos duvidavam da capacidade daquela menina tão baixinha para saltar, bloquear e atacar. Mas foi com apenas 1,75m de altura que ela assombrou as rivais e o mundo inteiro com sua técnica apurada para executar muito bem todos os fundamentos, sua impulsão extraordinária que a fazia voar aos 3,36m e seus ataques variados e potentes.
Por aqui, Mireya é conhecida pelo extremo talento e lembrada como a grande "carrasca" da seleção brasileira por ter derrotado, com direito a muita provocação e polêmica, a talentosa geração de Ana Moser, Fofão e Marcia Fu em mais de uma oportunidade. O duelo mais inesquecível foi a histórica semifinal entre Brasil e Cuba nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, quando a pequenina Mireya acabou com o sonho verde-amarelo de chegar à final. Integrante do Hall da Fama de Vôlei, a ex-atleta brilhou na fantástica seleção cubana durante toda a década de 1990, quando se sagrou tricampeã olímpica (1992, 1996 e 2000) e bi mundial (1994 e 1998). Atualmente, ela trabalha como vice-presidente-executiva da Federação Internacional de Voleibol (FIVB) e preside a Associação Zona Norte e Central da NORCECA.
Nesta galeria, vale, ainda, o registro para outra grande estrela: Regla Torres Herrera, brilhante central que integrava, ao lado de Mireya, a lendária seleção que ganhou todos os títulos nos anos 1990. Também integrante do Hall da Fama de Vôlei, Torres ainda foi eleita a jogadora do século XX pela Federação Internacional de Vôlei (FIVB), em 2001.
FOFÃO
A paixão de Hélia Rogério de Souza Pinto, a Fofão, pelo voleibol começou cedo, aos 8 anos de idade. Nascida e criada em um bairro da periferia de São Paulo, em uma família de sete irmãos, ela também enfrentou grandes obstáculos para construir sua história. Este fato ganhou destaque nas entrevistas que concedeu, afirmando o quanto é difícil para uma mulher negra e pobre conseguir chegar lá por causa do racismo e das imensas dificuldades que aparecem pelo caminho. Apesar da personalidade bastante discreta e pouco afeita a fortes posicionamentos públicos, Fofão foi além ao assegurar que ser uma atleta olímpica não apaga a cor da sua pele. Deste modo, com muito trabalho e luta, ela seguiu em frente.
Desde criança, Fofão foi estimulada a praticar esportes como uma forma de cuidar da saúde frágil. Com habilidade, logo se descobriu no voleibol. Aos 15 anos, iniciou a longa carreira profissional, atuando a princípio como ponteira, mas rapidamente foi convencida a mudar de posição por causa de sua baixa estatura. Já como levantadora, recebeu, aos 19, a primeira convocação para a seleção brasileira. A partir de então, começou a construir uma trajetória espetacular na equipe verde-amarela. Além de ter alcançado outros títulos, ela é a única mulher do vôlei nacional a ter participado de 5 Jogos Olímpicos, conquistando 3 medalhas – os bronzes em Atlanta (1996) e Sidney (2000), e o tão sonhado ouro em Pequim (2008). Com um estilo de jogo bastante preciso e técnico, se consagrou como uma das melhores do mundo, jogando em alto nível em vários clubes aqui, na Europa e por 17 anos na seleção. Despediu-se das quadras depois de 30 anos de carreira, em 2015, mesmo ano em que foi eternizada no Hall da Fama de Vôlei, nos EUA. Atualmente, se dedica a projetos pessoais e à formação como treinadora.
Nesta seleção de estrelas negras, vale aqui a menção à Marcia Regina Cunha, a Marcia Fu, uma das maiores atacantes da história do vôlei. Contemporânea de Fofão e uma das referências daquela geração dos anos 1990 com sua técnica, força física e espírito aguerrido, Marcia Fu participou de 3 Jogos Olímpicos – Seul (1988), Barcelona (1992) e Atlanta (1996), conquistando a medalha de bronze nos EUA.
FABIANA
Uma das melhores centrais do vôlei mundial, a mineira Fabiana Marcelino Claudino não se interessava pela modalidade na infância. Começou a praticar o esporte aos 13 anos por insistência da mãe e de uma professora, que viam grande potencial na menina que, com aquela idade, já tinha 1,85m de altura. Assim, os primeiros toques na bola foram dados na escolinha do Minas, um dos mais tradicionais clubes brasileiros, quando começou a jogar na categoria infantil e logo depois na infanto-juvenil. Aos 16, Fabiana já estava atuando no time adulto e se tornou campeã da Superliga. Depois de conquistar títulos pelas categorias de base da seleção, a meio-de-rede foi convocada para a equipe principal em 2003, aos 18 anos.
A partir de então, a jogadora, excelente atacante, exímia bloqueadora e fã declarada da cubana Regla Torres, trilhou um caminho brilhante nos clubes pelos quais passou e também na seleção verde-amarela. Bicampeã olímpica em Pequim (2008) e Londres (2012), Fabiana empilhou prêmios e títulos em diversas competições internacionais ao longo dos 13 anos em que defendeu o Brasil. No entanto, tanta glória, obviamente, não foi suficiente para livrá-la das manifestações de racismo. Em uma partida da Superliga, ouviu da torcida gritos de "macaca" e alguém perguntando se ela gostaria de comer banana. Vítima do ódio, a central não fez uma denúncia formal na delegacia e se posicionou fortemente nas redes sociais. Com frequência a jogadora fala contra o preconceito racial, exalta o orgulho de sua negritude e ressalta a importância de se posicionar com o objetivo de romper com a lógica do preconceito. Aposentada da seleção, Fabiana joga no Dentil/Praia Clube, atual campeão da Superliga.
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JÖEL DESPAIGNE
Conhecido mundialmente como "El Diablo", o cubano Joël Charles Despaigne é, seguramente, um dos maiores jogadores da história do vôlei. Ponteiro de ofício, Despaigne percebeu o extraordinário potencial físico para a modalidade aos 12 anos, quando trabalhava em um rancho em Santiago de Cuba, sua cidade natal, auxiliando os avós no cuidado com os animais e na plantação de café. Descoberto por um treinador local, logo foi levado para a capital, Havana, onde cresceu e lapidou com muita disciplina todos os fundamentos que o transformaram no atleta que, jogando nos anos 1990 na lendária seleção cubana de Raúl Diago, Ihosvany Hernandez e companhia, aterrorizava a recepção e a defesa adversárias com seu ataque técnico e extremamente agressivo. Duas das suas características eram a explosão e a espantosa impulsão no salto que permitiam que ele atacasse de qualquer parte da quadra. Para se ter uma ideia, o ex-ponteiro conseguia atingir, já naquela época, mais de 3.70m de altura no ataque.
Despaigne atuou em cerca de 350 jogos pela seleção cubana e todo o talento foi reconhecido na temporada 1989/1990, quando foi eleito o melhor jogador do mundo. Seus títulos mais expressivos foram o ouro na Copa do Mundo de 1989, a medalha de prata na edição seguinte e novamente a prata no Campeonato Mundial realizado no Brasil em 1990. Além disso, frequentou algumas vezes o pódio da extinta Liga Mundial. Lamentavelmente, Despaigne nunca foi campeão olímpico. Apesar de Cuba ter chegado aos jogos de Barcelona e de Atlanta como uma das favoritas ao ouro, a seleção terminou na quarta e na sexta posições, respectivamente. O ex-jogador construiu uma sólida carreira na Itália, onde hoje trabalha como técnico das categorias de base.
SERGINHO
O paranaense Sérgio Dutra Santos, o Serginho Escadinha, entrou para a história do vôlei mundial como o grande mestre das defesas e da recepção. Apesar de ter nascido no Sul do país, cresceu em São Paulo – mais precisamente, em Pirituba, bairro da periferia paulistana. Enfrentando uma realidade dura bastante comum a muitos jovens negros, Serginho cresceu em uma família pobre e precisou lutar bastante para vencer todas as dificuldades antes de se tornar o melhor líbero de todos os tempos. Conforme já disse diversas vezes, o voleibol salvou a sua vida, uma oportunidade que muitos de seus amigos e colegas de adolescência não tiveram. Com uma origem como esta, obviamente, o começo no vôlei não foi fácil. Serginho dividia seu tempo entre os "bicos" – como vendedor ambulante, empacotador ou office-boy para ajudar a família – e as peneiras dos grandes clubes das quais participava em busca de uma chance. Acostumado à luta da vida cotidiana, agarrava todas as oportunidades com afinco e determinação.
Já como profissional e atuando como líbero (e não mais como o apenas esforçado ponteiro que foi no começo), passou por São Caetano, Suzano e outros clubes antes de chegar ao histórico Banespa, clube que revelava e produzia jogadores em série para a seleção brasileira. A chegada à seleção principal, em 2001, deu início à história gloriosa de um jogador que revolucionou a posição criada em 1998. Bicampeão mundial e olímpico, foi eleito o MVP da Liga Mundial em 2009 e dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016. Com rara técnica, se tornou o único atleta masculino a ter participado de quatro finais olímpicas consecutivas entre 2004 e 2016. Jogando hoje no Corinthians-Guarulhos e prestes a realizar o sonho de criar o seu projeto social, Serginho colecionou títulos e prêmios ao longo da carreira com a mesma personalidade e espírito de luta que sempre demonstrou na vida.
EARVIN NGAPETH
Filho do ex-jogador de vôlei camaronês naturalizado francês Éric Ngapeth, que também defendeu a camisa dos Bleus nos anos 1980 e hoje atua como treinador, o ponteiro Earvin Ngapeth já sentiu na pele as dores do racismo por ser um negro francês descendente de africanos. Certa vez, ao ser chamado de "macaco" por parte da torcida rival após uma vitória da França sobre a Sérvia, ele, que é visto por muitos como o maior craque do vôlei no mundo na atualidade, declarou que estava farto dos frequentes insultos, que se orgulha muito de suas origens e garantiu que lutaria "até o último suspiro". E, aos 27 anos, Ngapeth continua lutando.
Por influência do pai, começou a jogar profissionalmente aos 17 anos. Após algumas temporadas atuando no mediano Campeonato Francês, onde se sagou campeão pelo Tours VB, com direito a rápidas passagens pelos campeonatos italiano e russo, o ponteiro se transferiu para o Modena, tradicional clube italiano onde viu sua carreira deslanchar. Lá, além de ganhar o Scudetto, também teve a possibilidade de amadurecer e desenvolver todas as suas potencialidades. Já alçado ao status de grande estrela da seleção, Ngapeth é dono de um estilo de jogo único, extremamente ousado, provocativo e habilidoso. Considerado baixo para os padrões do voleibol atual (tem 1,94m), compensa esta "deficiência" com incrível capacidade técnica tanto na recepção quanto no ataque. Com a França, foi campeão europeu em 2015, além de ter vencido as edições do mesmo ano e de 2017 da extinta Liga Mundial. Depois de quatro temporadas no Modena, resolveu trocar a Itália pela Rússia, onde hoje defende o poderoso Zenit Kazan.
Fechando esta seleção de craques, o jovem ponteiro cubano naturalizado polonês Wilfredo León, de 25 anos, também merece ser mencionado. Fenômeno do vôlei mundial, foi convocado pela primeira vez para a seleção cubana aos 14 anos, quando conquistou a medalha de prata no Campeonato Mundial de 2010. Nesta temporada, trocou o clube russo Zenit Kazan pelo italiano Perugia. E a partir de 2019, León passará a defender a equipe polonesa.
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