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Dia do Orgulho LGBTI: jogadoras falam como o vôlei as levou ao casamento

Carolina Canossa

28/06/2018 16h12

Mimi: "O amor veio com o tempo e foi tão lindo que nem sei como explicar" (Crédito: Victor Jesus Chávez/Fotografia)

Por Daniel Rodrigues

Poderiam ser apenas duas atletas que rivalizam não somente na disputa por vagas na mesma posição, mas também por conta da disputa clássica entre os países de origem. O vôlei, porém, tratou de unir a argentina Mimi Sosa e a brasileira Milka Marcília. Casadas desde o último mês de maio, ambas resolveram falar abertamente sobre suas orientações sexuais ao Saída de Rede, nesta quinta-feira (28), dia do Orgulho LGBTI.

"Quando cheguei no Pinheiros (2016), conheci pessoalmente a Milka, uma pessoa incrível, sempre disposta a ajudar, companheira, gosta de malhar tanto quanto eu, então a amizade surgiu e não seria difícil ser amiga de uma pessoa como ela", contou Mimi, 30 anos de idade e nascida em Formosa, na Argentina. Natural de Gameleira, na Bahia e prestes a completar 24 anos, Milka explica como tudo aconteceu. "Éramos muito amigas e, de repente, aconteceu. Foi a melhor coisa: em pouco tempo começamos a namorar e atropelamos tudo, indo direto para o casamento", relembra.

Segundo Milka, outro fator foi determinante para a paixão entre as duas: "As nossas famílias têm histórias de luta bem parecidas, no passado. A mãe dela e a minha, que vieram de lugares realmente pobres, superaram tudo na vida para educar os filhos e isso nos uniu mais ainda". Mimi, que jogará no Brasília na próxima temporada, reforça: "O amor veio com o tempo e foi tão lindo que nem sei como explicar. Mas não foi amor só entre a gente e sim entre nossas famílias".

Milka: "Ela que pediu a minha mão em uma conversa boba" (Crédito: Johnny Nikolaídis)

As duas celebraram a cerimônia de união em Herradura, província de Formosa e município da Argentina, onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo é legalmente permitido, ao contrário do Brasil. A campeã mundial sub-23 com a seleção brasileira em 2015, relatou como foi o processo até a chegada deste dia tão especial. "Ela que pediu a minha mão em uma conversa boba que estávamos tendo e eu amei a ideia. Depois, ela me levou em um restaurante (que vamos todos os meses para comemorar), fez uma surpresa e o pedido oficial. Eu via meu futuro com ela, então não tinha porque retardar isso. Dois meses já estava bom o suficiente", afirma Milka.

Porém, nem tudo foi tão rápido e fácil na individualidade das duas. A argentina lembra como foi se descobrir. "Sempre me senti diferente. Não tinha os mesmos pensamentos que minhas amigas da escola e não sabia porque, até que aos 18 anos me encontrei e quando soube quem eu era na realidade, contei pra minha mãe. Foi uma aceitação instantânea e nunca senti que ela não estava de acordo com o que estava acontecendo. Ela me apoiou e me senti livre. Quando minha família soube, tive a certeza que não estava sozinha", explicou.

Para a central que será comandada por José Roberto Guimarães, no Hinode Barueri, na temporada de clubes, o processo foi parecido. "Não foi nada intencional, ou para provar algo diferente. Não conseguia entender o porquê, mas eu tinha gostado realmente da pessoa, do afeto. E acabei ficando em choque porque eu não sabia como eu ia lidar com isso e como ia contar isso para a minha família. Depois percebi que era algo além da orientação sexual e sim porque eu tinha me apaixonado por aquela pessoa sem escolher o sexo. Para contar para a minha família foi difícil, porque eu tinha medo. Já vi muitos casos onde familiares rejeitam os filhos. Quando decidimos casar, a minha mãe falou para mim: 'você vai continuar sendo a minha filha independente da sua orientação sexual, se é o que te faz feliz, se é o que te faz bem, eu estou com você'. Ela realmente queria me ver feliz", comemora.

Mimi Sosa, que atuou em clubes da Argentina, Romênia e do Brasil, falou sobre o preconceito nas diferentes culturas que já pôde vivenciar. "Nem na Argentina, nem no Brasil sofri o preconceito. Sempre senti muito o carinho dos torcedores. Na Romênia, país onde joguei três temporadas, a homossexualidade é tratada como um tabu, por ser um país muito conservador. Lá, ninguém sabia da minha orientação, pois uma vez escutei umas colegas falando sobre o tema de maneira negativa. Então fiquei com medo de isso ser um motivo para não jogar ou de ser tratada diferente", confessou.

Mesmo não tendo passado por nenhum episódio turbulento de preconceito, Milka explica que o casal está longe de querer chocar a sociedade. Pelo contrário: o único objetivo é ser feliz. "Nós tentamos ter nosso espaço, não ultrapassando os limites, nem invadindo o espaço de ninguém. Agimos com naturalidade. Então eu acho que temos que fazer aquilo que queremos receber em troca. Temos que tratar as pessoas, por mais que elas não aceitem a nossa orientação sexual, com amor, alegria. Quando tem uma ocasião assim, não devemos nos igualar a eles com agressividade. Temos que mostrar que somos seres humanos e não tem diferença nenhuma entre um casal hétero e um casal homossexual, pois prevalece a alegria, o amor e o respeito. Óbvio que existem muitos casos que ficamos chocadas e nos comovemos pela forma como o ser humano pode agredir outro por ser diferente. Existem vários tipos de preconceito hoje, com tudo o que é diferente. Isso intimida um pouco, pois ficamos com medo de sofrer uma agressão. Têm pessoas que saem do sério, que não conseguem assimilar as diferenças. Muitos até falam que isso é doença. Mas doença é você não saber amar o próximo e não saber lidar com as diferenças da outra pessoa", ressalta.

 

Mimi: "Voltarei para o mundial de Tóquio" (Crédito: Divulgação/FIVB)

Após os primeiros dias de casada, a central do Brasília Vôlei mira o Mundial de vôlei, que será disputado entre setembro e outubro no Japão. "Com a Argentina eu joguei o Mundial de 2014 na Itália e os Jogos Olímpicos de Rio de Janeiro. Foram momentos históricos para o vôlei feminino do meu país e me sinto muito feliz por ser parte da história do vôlei argentino. Neste início de temporada optei por descansar, estar mais com minha família e poder desfrutar de um momento muito especial na minha vida, nosso casamento, mas  agora voltarei para Mundial. Acredito que seja minha última participação com a seleção, porque é muito cansativo e já tenho outros projetos", explicou.

 

Milka: "Acredito muito nesse time" (Crédito: Divulgação/FIVB)

 

Já a jovem e promissora central brasileira, vive um momento diferente, tendo sido convocada para a seleção brasileira que disputará a Copa Pan-americana, em julho, ao lado de nomes consagrados como Dani Lins e Thaísa. "Está sendo uma experiência incrível, já que é a primeira vez que estou na seleção principal. Passei por quatro anos de seleção de base e no momento está sendo um prazer trabalhar com o Wagão (técnico que substitui Zé Roberto na preparação para o torneio). Os treinos estão bem intensos e estamos correndo contra o tempo. As expectativas são as melhores e o grupo é muito bom de se trabalhar. Acredito muito nesse time", afirma, otimista.

Preocupação mesmo é apenas para saber como o casal lidará com a separação provisórias nos próximos meses, já que Mimi e Milka atuarão por equipes de estados diferentes na Superliga. "Temos que saber lidar com essa distância até alguma se aposentar, no caso ela que é mais velha (risos). O bom é que uma entende a outra, já que temos a mesma profissão, então fica mais fácil quando é uma pessoa que sabe o que você passa, sabe a sua rotina. A saudade é inevitável, mas vamos nos enfrentar. Assim como o Brasília vai vir sempre jogar em SP. Vira e mexe nessas conexões vamos nos ver", brinca Milka.

O Dia do Orgulho LGBTI é celebrado mundialmente em 28 de junho por conta da batida de policiais ao bar gay Stonewall Inn, em Nova York, no ano de 1969. Na ocasião, as autoridades queriam fechar o local, mas o tiro saiu pela culatra, pois o bar não só seguiu aberto por mais duas noites, como a confusão deu origem à primeira parada do orgulho LGBTI, que aconteceria após um ano do episódio. Graças a essa luta, pessoas como Milka e Mimi podem buscar sua felicidade e construir a própria história de acordo com o que acham melhor para si.

Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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