Velasco: “Me incomoda muito que o Brasil possa utilizar o Leal”
Considerado um dos grandes nomes da história do vôlei, o técnico da seleção masculina da Argentina, Julio Velasco, não gosta de ver atletas que defenderam um país jogando por outro. Ele criticou, ao citar alguns nomes, a possibilidade do ponta Yoandy Leal atuar pela seleção brasileira. De acordo com as regras da Federação Internacional de Vôlei (FIVB), cada seleção pode contar com um jogador naturalizado.
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"Me incomoda muito que o Brasil possa utilizar o Leal, que já jogou por Cuba; que a Polônia tenha o León; ou o Juantorena no caso da Itália. Isso me parece antidesportivo. Não digo nada sobre jogadores como Zaytsev, Travica ou Lasko, que são culturalmente italianos, estudaram lá e não jogaram por outro país", disse o treinador, em entrevista ao canal de TV argentino TyC Sports. "Em geral, isso (mudança de nacionalidade) se dá com jogadores de seleções mais pobres para mais ricas, nunca acontece o contrário", completou Velasco.
Restrições
Yoandy Leal, assim como os ponteiros Wilfredo León e Osmany Juantorena, a exemplo de outros astros cubanos, vide o central Robertlandy Simon, deixaram o país por causa de pesadas restrições que sofriam. Entre as limitações estava a impossibilidade de defender clubes estrangeiros e assim fazer valer seu peso no mercado.
O técnico argentino se equivocou ao mencionar Ivan Zaytsev entre atletas nascidos no estrangeiro – ainda que não reclame de sua presença na Azzurra por considerá-lo "culturalmente italiano". O ponta/oposto, embora tenha pais russos, nasceu em Espoleto, na Itália – é filho do ex-levantador Viatcheslav Zaytsev, campeão olímpico e bicampeão mundial pela antiga União Soviética. A seleção italiana é, entre as potências do esporte, a que mais recorreu a atletas naturalizados no naipe masculino – no feminino já contou com Taismary Aguero, que veio de Cuba, e Carolina Costagrande, da Argentina.
Velasco não está sozinho em sua posição refratária à presença de jogadores naturalizados em seleções. Comentários assim são comuns nos bastidores dos grandes torneios, longe de gravadores e câmeras. No entanto, é raro que alguém, especialmente com a importância de Velasco na modalidade, diga algo publicamente.
Laços
Ignorar os laços de Yoandy Leal com seu novo país parece estranho. Ele jogou pela seleção cubana até 2010 – foi vice-campeão mundial naquele ano, perdendo a final para os brasileiros. Deixou Cuba e veio morar em Belo Horizonte em 2011. No ano seguinte, cumpridos dois anos de afastamento das quadras desde o último jogo pela seleção, período imposto pela FIVB por ter desertado, fez sua estreia pelo Sada Cruzeiro.
Quem acompanhou Leal em ação pela seleção cubana no Mundial 2010 enxergava um atacante nato, mas via lacunas nos demais fundamentos. No time mineiro, o ponta deslanchou de vez. Ao longo dos anos, burilou seu jogo, melhorando ainda mais no ataque e tornando-se um grande sacador e bloqueador. Portanto, foi no Brasil que ele se desenvolveu até chegar ao nível que tem agora.
O mesmo ocorreu com Juantorena na Itália, que chegou por lá no final da década passada. Já León naturalizou-se polonês sem jamais ter jogado por nenhum clube do país – casou-se com uma polonesa, com quem tem uma filha. Simon, ídolo no Sada Cruzeiro, já procurou, sem sucesso, a Itália (desistiu quando soube que o processo de Juantorena estava mais avançado), o Canadá e a Argentina.
Seleção
Naturalizado brasileiro desde dezembro de 2015, Leal viu a Federação Cubana demorar a liberá-lo para a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV). Como a data de transferência foi 30 de abril de 2017, só poderá jogar pela seleção do Brasil a partir de 30 de abril de 2019, cumprindo dois anos de prazo exigidos pela FIVB após a mudança de federação.
Na próxima temporada, o jogador de 29 anos e 2,02m vai defender o Lube Civitanova, da Itália, que neste domingo (6) ficou com o vice-campeonato nacional. Pelo Sada Cruzeiro, ele se despediu conquistando seu quinto título da Superliga – no clube mineiro, foi tricampeão mundial e tetra sul-americano.
León também só poderá defender a Polônia a partir de 2019. Liberado desde 2013 para jogar pela seleção italiana, Juantorena foi convocado apenas em 2015, sendo peça fundamental nos vice-campeonatos na Copa do Mundo, naquele mesmo ano, e na Rio 2016.
Comparação
Durante a entrevista, concedida na semana passada, Velasco fez uma comparação com o futebol, esporte no qual o atleta que atuou em qualquer partida oficial por uma seleção fica impedido de integrar outra. O atacante Diego Costa, por exemplo, que defendeu a Espanha na Copa do Mundo 2014, havia jogado pelo Brasil apenas em amistosos. A Fifa, entidade que rege o futebol, diz que um jogador só pode defender um país em jogos oficiais pela seleção principal. Não são considerados neste caso amistosos nem jogos pelas categorias de base (times olímpicos, sub-20 ou sub-17).
O Saída de Rede procurou Julio Velasco, para que comentasse de forma mais detalhada suas restrições e explicasse a referência às seleções "pobres" e "ricas", mas não foi atendido. Também fomos atrás da FIVB, responsável pela liberação de atletas naturalizados para atuar por seleções de outros países, porém a entidade não se manifestou sobre a posição do treinador, apenas reiterou que esses jogadores têm seu aval, desde que todos os trâmites tenham sido cumpridos. A CBV preferiu o silêncio. Yoandy Leal não quis comentar as afirmações do técnico da seleção argentina.
Perfil
Velasco ganhou notoriedade ao conduzir ao estrelato a seleção masculina da Itália nos anos 1990, a chamada Generazione di Fenomeni, com a qual venceu dois Mundiais (1990 e 1994) e conquistou uma prata olímpica (Atlanta 1996). Também foi treinador da seleção feminina italiana, depois voltou ao voleibol masculino, passando por clubes da liga daquele país. Dirigiu outras seleções europeias e mais recentemente foi ao Oriente Médio, onde teve destaque no comando do Irã, antes de realizar o antigo sonho de comandar a Albiceleste – sua trajetória com o time argentino começou em 2014. Foi finalista na eleição da FIVB de melhor técnico de equipes masculinas do século XX – o prêmio ficou com o japonês Yasutaka Matsuidara.
A Argentina, tendo Julio Velasco à frente, mostrou que é capaz de incomodar qualquer time do mundo, mas também pode descer ao fundo do poço, como na semifinal do Sul-Americano 2017, quando cometeu a façanha de perder para a bisonha seleção da Venezuela.
Reações anteriores
Por aqui, com diferentes argumentos, os jogadores Murilo e Lipe, além da ex-atleta Ana Moser, já disseram que não concordam com estrangeiros representando o Brasil. Mas quem convoca, no caso o técnico Renan Dal Zotto, demonstrou animação quando a FIVB anunciou no ano passado que Yoandy Leal estaria liberado em 2018 – na verdade uma gafe, esclarecida no dia seguinte.
"Foi uma surpresa bastante positiva para todos nós. A partir deste momento ele é forte candidato a uma convocação. Ele é um grande ponteiro, isso é inegável. Eu tive a oportunidade de bater um papo rápido com ele. Tenho certeza de que será muito bem-vindo. É um ótimo garoto, está aqui há muitos anos. Se naturalizou por serviços prestados ao Brasil. Então está tudo certo, não tem problema nenhum. É um grande jogador, um grande caráter", afirmou Renan à época. Foi o próprio treinador da seleção quem ligou para dar a notícia a Leal – o atleta ficou abatido quando a FIVB explicou depois que ele deveria aguardar mais um ano.
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