Desafios de um treinador de voleibol
Ex-jogador, o australiano Mark Lebedew, 50 anos, trabalha há mais de 20 como técnico. Atual treinador da seleção masculina de seu país, ex-assistente da seleção alemã, com passagens por clubes da Itália e da Polônia, duas das principais ligas do mundo, Lebedew mantém um blog desde 2010. É um dos poucos profissionais da elite do voleibol a escrever regularmente sobre o tema. Ele é um entusiasta da preservação da história da modalidade, bem como do debate contínuo sobre questões táticas e técnicas.
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Com a ajuda do pai, Walter, um imigrante russo que em 1963 criou a Federação Australiana de Vôlei, e do irmão, Alexis, Mark Lebedew traduziu para o inglês o livro My Profession – The Game ("Minha Profissão – O Jogo"), do lendário técnico russo Viatcheslav Platonov, que conduziu a antiga União Soviética ao bicampeonato mundial e a um ouro olímpico. Em parceria com o treinador americano John Forman, Lebedew escreveu Volleyball Coaching Wizards ("Magos dos Treinos de Vôlei", numa tradução livre), contendo entrevistas sobre o trabalho desenvolvido por oito técnicos de renome internacional.
O Saída de Rede traz algumas reflexões de Mark Lebedew, originalmente publicadas em seu blog e selecionadas por ele para o nosso. Confira:
O equívoco mais comum sobre o papel de um treinador é que seu trabalho é o que ele faz durante uma partida – aquilo que é facilmente percebido pela imprensa e os fãs. Muitas vezes os técnicos são avaliados, sob a ótica do senso comum, pela quantidade de pedidos de tempo feitos durante um jogo ou pelo momento em que são realizados. Eles são julgados pelo que dizem para os atletas ou por eventuais alterações feitas na equipe.
A essência de treinar um time não está nessas intervenções, mas naquilo que é assimilado muitas vezes de forma implícita, porém exigindo foco dos atletas. Não há outra forma de aprender a andar de bicicleta senão praticando. Quando o processo de aprendizagem exige atenção na execução, em vez de simplesmente ficar ouvindo instruções, o ganho é muito maior. O papel do treinador é fazer com que seu time possa estar preparado a tal ponto que, na maioria das vezes, seja capaz de se antecipar nas ações, tendo informação suficiente, previamente assimilada, para a tomada de decisões. As intervenções durante uma partida são meros ajustes.
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Um técnico com quem trabalhei uma vez me disse que era responsabilidade do treinador saber tudo sobre cada técnica nos menores e melhores detalhes. Claro que eu concordo totalmente que os treinadores devem ser extremamente bem informados sobre técnica.
Outro colega afirma que as diferentes técnicas podem ser reduzidas, cada uma, a um máximo de três pontos-chaves. Concordo completamente que o treinador deve ser capaz de escolher o mais importante em meio as ferramentas que conhece.
A aprendizagem existe apenas se o atleta tiver algum retorno sobre o que está fazendo. Mas um técnico que dê explicações sobre todos os detalhes não vai chegar a lugar algum. Mesmo um treinador que se concentra em apenas três elementos dilui a atenção do jogador e, portanto, a eficácia do retorno.
A arte de dar uma resposta efetiva é encontrar o ponto específico que terá o maior efeito no todo. Existe um único elemento que melhorará todo o movimento em questão, o aspecto sendo treinado? Esse é o ponto em que devemos concentrar nosso feedback.
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Ao longo de minhas inúmeras viagens, tive muitas e variadas experiências culturais, e todas contribuíram para o que sou agora. Algumas dessas situações me deram lições valiosas que vou utilizando no dia a dia.
Há 17 anos, tive meu primeiro contato com a língua polonesa, na casa de um jogador da Polônia que vivia na Itália. Durante a noite, a principal diversão entre os convidados foi acompanhar a minha tentativa de pronunciar o nome "Andrzej". Eu me orgulho da minha capacidade de pronunciar nomes corretamente, mas não conseguia dizer "Andrzej" da forma correta. Várias vezes, escutei a mulher do atleta repetir o nome. Analisei o que ouvi e tentei dizer igual, mas não conseguia direito. Foi incrivelmente frustrante e nunca esqueci o episódio.
Sete anos mais tarde, eu estava trabalhando na Polônia e aprendendo a língua deles. Uma das primeiras lições foi sobre o alfabeto e os sons. Aprendi que, embora pareça o mesmo, o alfabeto é diferente e existem ainda algumas combinações de letras que têm sons específicos. Por exemplo, "rz". Quando essas duas letras estão juntas formam um fonema (soa como "j" em português). Minha mente instantaneamente voltou àquele jantar. "Você não pronuncia o 'r'", pensei. Eu percebi, de repente, o erro que estava cometendo ao tentar dizer "Andrzej". Quando eu ouvia a palavra, tentava localizar o 'r' e descobrir onde estava, mesmo que não houvesse 'r'. O problema era que, independentemente de quantas informações novas eu recebesse, o conceito anterior em minha mente (sem saber que "r" e "z", quando juntos, formam um fonema naquele idioma) não me permitia ouvir o que estava sendo dito.
Isso já aconteceu comigo na minha vida de treinador. Em diversas ocasiões, a informação que eu estava tentando dar aos jogadores era bloqueada por um conceito que eles já tinham. Uma vez, eu estava dando feedback a um jogador sobre sua plataforma durante a recepção, mas a minha incapacidade de me fazer entender foi tão frustrante quanto a primeira tentativa em polonês. Levei algum tempo para descobrir que, embora estivesse falando sobre sua plataforma, ele estava pensando no deslocamento, e os dois conceitos estavam trabalhando um contra o outro. Quando percebi o equívoco, finalmente progredimos.
A moral da história é que, na maioria dos casos, um treinador não é o primeiro técnico do jogador. Quanto mais treinadores um atleta teve, mais conceitos estão em sua mente. Ao tentar ensinar algo, o técnico deve estar ciente de que tudo o que diz está sendo adicionado à desordem existente na mente do jogador e, à medida que vai falando, o atleta está tentando racionalizar a nova informação diante daquilo que ele considera válido. Para que o retorno seja realmente eficaz, o treinador deve entender o que o jogador pensa e colocar o feedback no lugar certo da cadeia. Só então o atleta poderá dizer "Andrzej" (pronuncia-se Andjei) corretamente.
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