Tifanny em números: a estratégia de jogo do Vôlei Bauru
Até a última rodada do turno da Superliga, o Vôlei Bauru cumpria um campeonato discreto. Depois de perder patrocinadores importantes para a temporada, o time parecia sem grandes ambições na competição, mirava vencer equipes de médio e baixo investimento para chegar aos playoffs e pouca preocupação trazia aos sextetos favoritos.
No entanto, com a estreia da oposta Tifanny Abreu, em dezembro passado, o time bauruense atraiu holofotes e passou a fomentar o assunto mais discutido e repisado do esporte brasileiro nos últimos meses: fãs e atletas do vôlei, especialistas em diversas áreas de conhecimento e, simplesmente, meros palpiteiros se dividem sobre ser correto ou não que uma atleta transexual – ainda que esteja em conformidade com as regras impostas pelo Comitê Olímpico Internacional – dispute uma competição feminina. É uma discussão de poucos argumentos, mais apaixonada do que científica e que está longe do final, como se tem verificado na imprensa e nos debates acalorados nas redes sociais.
Contudo, à parte toda a verborragia sobre o tema, algumas questões pontuais têm de ser levantadas. A entrada de Tifanny mudou o estilo de jogo do Bauru? Será que sua pontuação é desproporcionalmente superior à das demais atacantes? E o que dizer do número de ataques que a oposta efetua? O Saída de Rede analisou o impacto da jogadora sobre o voleibol do time.
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Bauru antes e depois da Tifanny
Após as dez primeiras rodadas da edição 2017/2018 da Superliga, ou seja, a uma jornada da metade da fase classificatória, o Vôlei Bauru ocupava a nona posição no campeonato, com 12 pontos: empatava com o oitavo colocado, São Cristóvão Saúde/São Caetano, mas perdia por ter apenas três vitórias contra quatro da equipe do ABC Paulista.
As bauruenses tinham tido alguns bons resultados, como a vitória em casa sobre o Fluminense (3-1) e os pontos somados contra Vôlei Nestlé e Hinode Barueri por haver levado estas duas partidas para o tie break. Por outro lado, estaria numa posição melhor na tabela, se não houvesse perdido para o Brasília, fora de casa, na terceira rodada, após abrir 2-0 no placar.
A estreia de Tifanny na competição foi na última rodada do turno, em casa, num confronto direto com o São Caetano. A oposta começou a partida no banco, mas entrou em quadra no decorrer dos três primeiros sets e terminou como titular nas duas últimas parciais da derrota por 3 a 2.
Daquele jogo até agora, passaram-se nove rodadas: Bauru somou 13 pontos nesse ínterim e chegou a 25. O time está na oitava posição, quatro pontos à frente do São Caetano e empatado com o Pinheiros (sétimo), mas com uma vitória a menos que as paulistanas.
Com Tifanny em quadra, foram três vitórias – todas em casa, duas delas sobre Renata Valinhos/Country e Sesi, lanterna e vice-lanterna da competição – e seis derrotas (ressaltando aqui pontos obtidos como visitante contra Fluminense e Osasco e um ponto ganho em casa sobre o líder Dentil/Praia Clube).
Nesse aspecto, dá para dizer que, desde a chegada de Tifanny, Bauru não virou favorito, mas subiu um degrau. Está uma posição à frente na tabela, dentro do G8, e teve uma partida bem disputada contra o primeiro colocado da Superliga – embora se deva ressaltar que o Praia, naquele jogo, tinha o desfalque da lesionada Nicole Fawcett e vinha de uma sequência ruim na temporada.
Porém, examinando as estatísticas do Bauru, dá para perceber em que exatamente o time mudou com a recém-contratada.
Nas dez primeiras rodadas, duas jogadoras ocuparam a titularidade da saída de rede bauruense. Nos três primeiros jogos, a cubana Yoana Palacio, que participava da linha de passe em determinadas passagens, atuou como oposta. Na sequência, ela foi deslocada para a entrada de rede e passou o bastão da diagonal da levantadora para Helô. Nesses jogos, a distribuição de bolas da equipe privilegiou as ponteiras, não a oposta.
Em seis dessas dez partidas, Palacio foi a atacante mais acionada do time. Mas isso, curiosamente, aconteceu apenas em uma das três vezes em que jogou na saída de rede – Paula Pequeno foi a preferida das levantadoras nesses outros dois jogos. E Helô, titular a partir da quarta rodada, só em uma ocasião foi a jogadora bauruense que mais efetuou cortadas no jogo.
Com Tifanny, a estratégia mudou. Titular a partir de seu segundo jogo, na primeira rodada do returno, ela só não foi a bauruense que mais atacou em duas ocasiões: na estreia, já que começou no banco, e contra o Camponesa/Minas, sua atuação mais fraca no torneio.
Tifanny antes e depois de Bauru
No próximo dia 19, a estreia de Tifanny na Série A2 da Itália completa um ano. Era a sexta rodada do returno do campeonato e ela, jogando como ponteira, posição em que atuou no restante daquela temporada, saiu do banco de reservas do Golem Software Palmi para marcar 28 pontos na vitória por 3 a 1 sobre o Delta Informatica Trentino.
Dali em diante, a brasileira se firmou no sexteto titular. Não levou o Golem (atualmente Golem Olbia) aos playoffs – o time terminou na décima posição –, mas obteve a média quase inacreditável de 6,59 pontos por set, bem superior, inclusive, à que tem no Brasil (5,41). Não foi à toa que ela chegou a essas marcas.
Se, no Brasil, chama a atenção que ela receba em média 47,4 levantamentos por jogo (ou 10,9 por set), na Itália esse número era ainda maior: nos oito compromissos que teve na divisão de acesso da liga italiana, Tifanny efetuou 53 ataques por partida, o que rende uma média de 13,25 bolas por set.
Para se ter ideia do que isso significa, tomemos como exemplo o próprio Vôlei Bauru: se somar o número de cortadas da atacante mais acionada do time em cada uma das dez primeiras partidas nesta Superliga, a média por jogo é de 35,5 levantamentos para essa atleta (ou 8,65 em cada parcial).
Outro dado relevante é que, no cômputo dos nove jogos que fez na Superliga, Tifanny efetuou 35% dos ataques feitos pelo Bauru, sendo que nas três últimas partidas – contra Praia, Osasco e Sesc – esse número nunca foi inferior a 40%. O número global é alto, e na Itália era ainda maior: lá, 39,7% das cortadas do Golem eram dela.
Comparando, novamente, com o Bauru do início da Superliga, só uma vez a jogadora mais acionada nas dez primeiras rodadas efetuou 35% dos ataques do time (Palacio, contra o Sesc). Em média, a atleta escolhida como jogada de segurança pela levantadora atacou, nesse período, 27,3% das bolas para o time.
Comparativo
Claro que os números de Tifanny impressionam, seja pela média de pontos por set, seja pela quantidade de levantamentos que buscam a cortada potente da oposta. Contudo, é necessário dizer que não são números inatingíveis no vôlei feminino atual.
Tanto na A2 da Itália quanto na Superliga brasileira, os percentuais de Tifanny no ataque são parecidos: 45,7% no Golem, 44,7% no Bauru. Bons números, mas nada necessariamente extraterreno.
Com esses números, por exemplo, ela não estaria no top 10 das melhores atacantes dos mundiais de 2006 e 2010, seria a oitava em aproveitamento na Copa do Mundo 2015 e não estaria entre as 20 mais efetivas da fase de grupo desta temporada da Champions League feminina.
Pela média de pontos por set no Brasil (5,41 em 39 parciais disputadas), ela estaria na segunda posição da Liga dos Campeões, atrás da oposta cubana Yilian Cleger, do Volei Alba Blaj, que jogou 16 sets e marcou 6,37 pontos em média. A ponta chinesa do VakifBank, Ting Zhu, tem média de 5,25.
Também nas principais ligas do voleibol europeu é possível observar jogadoras de grandes times que recebem um número bem elevado de levantamentos por set.
Se Juma e/ou Ju Carrijo levantam 10,9 bolas para Tifanny por parcial, a oposta Paola Egonu, do titular da seleção italiana, recebe 10,41 levantamentos por set no Igor Gorgonzola Novara na atual temporada da liga nacional. Já a também oposta Isabelle Haak, da Suécia, companheira de Adenizia no Savino Del Bene Scandicci, ataca ainda mais vezes: 11,75 de cortadas a cada etapa do jogo.
No Dínamo Moscou, Nataliya Goncharova também é a bola de segurança do time, atacando, na fase classificatória da liga russa deste ano, 11,24 bolas em média por set (e com aproveitamento parecido com o de Tifanny, 45,3% no campeonato nacional).
Outro número impressionante de Tifanny foi o de 75 ataques efetuados na derrota do Bauru por 2-3 para o Praia Clube. Além da média absurda de 15 ataques por set, a oposta efetuou exatamente 50% das cortadas de sua equipe em todo o duelo – na ocasião, marcou 39 pontos, feito igualado por Tandara poucas rodadas depois.
O dado é extraordinário, mas, nesta temporada, uma rápida consulta às estatísticas europeias permite ver que, na liga russa, a oposta Elena Litovchenko, do Sakhalin, atacou 52 vezes em três sets na vitória por 3-0 sobre o Leningradka (17,3 ações de ataque por parcial). Ou que, na liga polonesa, a oposta Kinga Hatala, quando ainda no Trefl Krakow, efetuou 63 cortadas em quatro etapas diante do Ostrowiec (15,75 em média). O mesmo vale para Isabelle Haak, que atacou, incrivelmente, em 57 ocasiões na derrota por 0-3 do Scandicci para o Novara, o que lhe conferiu uma média de 19 cortadas/set. Nenhuma delas, diga-se, igualou a marca de atacar, sozinha, metade das bolas do time em uma partida de voleibol.
Esse feito, porém, foi superado por Goncharova: na vitória do Dínamo Moscou sobre o Budowlani Lodz, da Polônia, por 3-0, na Liga dos Campeões deste ano, a oposta da seleção russa recebeu 41 dos 81 levantamentos efetuados por sua equipe (50,6%).
É evidente que os números de Tifanny são bastante significativos, mas, numa discussão sobre esse tema, não podem tomar valor absoluto. Até porque, são compatíveis com o alto rendimento da modalidade. Ética e Ciência, essas, sim, amparadas por dados (que incluem seus bons percentuais, é claro), é que devem encabeçar o debate – nunca a irracionalidade das ofensas ou o anacrônico fanatismo religioso e político.
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