Gênio das quadras, Sokolova completa 40 anos
Numa época em que o voleibol já avançava firmemente na especialização dos atletas, ela era a perfeita tradução do termo universal. Foi ponteira, oposta, central e, segundo alguns dos maiores técnicos do mundo, poderia facilmente ter sido levantadora ou líbero. Hoje é dia de Lioubov Sokolova. A craque russa nasceu nesta data, 4 de dezembro, há 40 anos, em Moscou.
Pipe, china, tempo atrás, ataque pela posição um? Fazia tudo isso. Virar de qualquer lugar na rede, claro, não era problema. Bloqueava com eficiência. Grande passadora e defensora apesar do seu 1,92m, Sokolova esbanjava técnica, mesmo tendo sido formada numa escola de voleibol que sempre deu ênfase à força. Chegou à seleção adulta ainda adolescente. Quase abandonou a carreira no início deste século por causa de uma briga com o técnico Nikolai Karpol sobre questões contratuais no clube Uralochka. Ficou 11 meses parada entre 2001 e 2002, mas para a alegria dos fãs e o bem do voleibol, retornou. Ela se mantém grata a Karpol pelas oportunidades que ele lhe deu.
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O vôlei entrou na sua vida cedo, aos 8 anos, por influência do pai, que praticava a modalidade como diversão no quintal de casa. A menina Lyuba (apelido para Lioubov) não se apaixonou de início pelo esporte, gostava mesmo era de brincar. Mas, aos poucos, o voleibol a envolveu.
Bicampeã mundial (2006 e 2010), conquistou ainda duas pratas olímpicas (2000 e 2004), entre várias idas ao pódio em diversos torneios, e muitas vezes cruzou o caminho do Brasil. Ao lado da oposta Ekaterina Gamova, de características tão distintas, se destacou como o grande nome da Rússia na década passada.
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Foi o carrasco da seleção de Zé Roberto na fatídica semifinal dos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, a do inesquecível placar 24 a 19 no quarto set – Sokolova salvou quatro dos sete match points que a Rússia teve de superar nas duas últimas parciais. Oito anos depois, contra o Brasil nas quartas de final de Londres 2012, sobrecarregada no passe, falhou duas vezes seguidas na recepção no final do tie break e, apesar de ter sido a maior pontuadora da partida (28 pontos), deu adeus à sua quinta Olimpíada. Nas vitórias ou nas derrotas, sempre se manteve admirada pelas adversárias e pelos torcedores. Uma rara unanimidade. Elegante, jamais provocava as oponentes.
Treinar pra quê, se eu já sei o que fazer?
Para muitos, beirou a perfeição. "A jogadora mais completa que eu vi em toda a minha vida. Se eu tivesse que botar um defeito na Sokolova, seria o fato de ela não gostar muito de treinar", disse ao Saída de Rede o técnico José Roberto Guimarães, que a treinou de 2010 a 2012 no clube turco Fenerbahçe. A ex-levantadora Fernanda Venturini, que jogou com a russa em 2007 no Murcia, da Espanha, confirmou: "Era muito talentosa, mas preguiçosa para treinar".
Para o lendário Karpol, com quem o SdR falou, "Sokolova foi uma jogadora que o público amava ver jogar e não se cansava de admirar". A ex-levantadora Fofão definiu a colega russa, com quem jogou no período 2010-2011 no Fenerbahçe: "Nasceu para jogar voleibol. Ela fazia o que queria com a bola, era muito craque". A oposta polonesa Kasia Skowronska, que atuou com Lyuba ao lado de Fofão, afirmou que a atacante russa "foi perfeita".
Despedida
Há um ano e meio, por causa de uma lesão no pé direito, Sokolova se despediu das quadras. Queria ajudar a Rússia na Rio 2016 e disputar sua sexta Olimpíada, igualando a marca de outra importante jogadora russa, a ponta Evgenia Artamonova. Não deu. Hoje vive em Krasnodar com o terceiro marido e a filha de 10 meses – o filho de 17 anos do primeiro casamento estuda na Suíça. Quem a viu em ação, na seleção russa ou nos clubes, certamente não a esquecerá.
Para comemorar os 40 anos da super craque, o Saída de Rede procurou técnicos e atletas que enfrentaram e/ou conviveram com a universal russa. Também entramos em contato com Lyuba, que agradeceu e se disse surpresa com o interesse, mas por estar ocupada com questões familiares prometeu conversar com o SdR noutra oportunidade.
Veja o que técnicos e jogadoras disseram ao Saída de Rede sobre Sokolova:
"Aprendi muito com ela"
"Uma jogadora que eu sempre admirei, desde quando a vi jogar pela primeira vez pela seleção russa. Uma atleta extremamente técnica que poderia jogar em qualquer posição. Sokolova tinha uma habilidade incrível em todos os fundamentos, um controle de bola impecável. Ela defendia muito bem, mesmo com seu 1,92m. Se resolvesse se tornar levantadora ou líbero, seria excepcional também nessas duas funções. Como atacante, foi hors concours, uma das melhores do mundo, esbanjando habilidade e técnica.
A Lyuba atacava todos os tipos de bola com uma facilidade incrível, sabia esconder o movimento, era extremamente inteligente, tinha uma leitura de jogo que poucas vezes se viu. Era completa em todos os sentidos: atacava bolas altas, de velocidade, china, tempo atrás, desmico… A jogadora mais completa que eu vi em toda a minha vida. Tive a felicidade de treiná-la por duas temporadas e, consequentemente, aprendi muito com ela. Uma pessoa amável, educada, extremamente gentil.
Quis trazê-la para jogar no Amil/Campinas em 2013, mas o Dínamo Krasnodar fez uma proposta a ela que não tínhamos condição de cobrir.
Se eu tivesse que botar um defeito na Sokolova, seria o fato de ela não gostar muito de treinar. Talvez ela tivesse treinado muito quando jovem. Era uma jogadora que, pela habilidade, pelo talento, achava que treinar pouco era suficiente porque ela tinha uma técnica e uma condição física excepcional. Nossa convivência foi muito agradável, vencemos a Champions League, ela jogando como oposta e passando. Foi um grande aprendizado para mim".
Zé Roberto, técnico tricampeão olímpico e que a treinou no clube turco Fenerbahçe de 2010 a 2012
"A melhor com quem tive a oportunidade de trabalhar"
"Lioubov Sokolova é definitivamente a melhor jogadora com quem tive a oportunidade de trabalhar. Uma atleta completíssima, que despertava minha admiração. Dona de um ataque fenomenal, tinha todos os golpes, podia atacar de qualquer lugar da quadra. Bloqueava, sacava, passava e defendia em alto nível. Sokolova foi uma jogadora que o público amava ver jogar e não se cansava de admirar".
Nikolai Karpol, técnico russo, bicampeão olímpico (1980 e 1988), campeão mundial (1990) e que foi técnico de Sokolova na seleção a partir de 1996 até 2004 e no Uralochka na temporada 1999-2000
"Nasceu para jogar voleibol"
"Foi um prazer conhecer e conviver com essa grande jogadora que foi a Sokolova. Jogar com ela foi muito importante para a minha carreira, foi algo marcante para mim. A Sokolova é uma pessoa especial, muito querida. Primeiro, foi uma surpresa porque eu nunca tinha sido apresentada a ela e encontrei uma pessoa totalmente diferente do que esperava dos russos. Ela é divertida, alegre, sempre sorrindo, com um senso de humor incrível, aquele tipo de pessoa que todo mundo gosta de ter por perto, esbanjava carisma.
Foi uma das melhores jogadoras do mundo. Tinha muita facilidade para jogar, era muito habilidosa, nasceu para jogar voleibol. Tudo o que ela fazia, era muito bem feito. Todos os movimentos, os gestos técnicos dela eram muito bonitos. Por ela ter tido essa facilidade, esse controle, esse domínio de bola, a Sokolova se destacou tanto e por muito tempo. A inteligência dela na hora de executar as jogadas era algo excepcional. Tinha uma visão de jogo diferenciada".
Fofão, campeã olímpica em Pequim 2008. Jogou com Sokolova no Fenerbahçe na temporada 2010-2011
"A jogadora mais admirável que eu vi em minha vida"
"Lioubov Sokolova foi um exemplo para todos. A jogadora mais completa, a mais admirável que eu vi em toda a minha vida. Recepção perfeita, saque viagem incrível, muito boa na defesa. No ataque ela combinava uma dosagem perfeita de potência, técnica e habilidade. Aliás, atacava de qualquer posição da quadra. Foi ponteira, oposta e central. Se quisesse ter sido levantadora ou líbero, teria tido muito sucesso também. Um talento raro.
Nunca vi ninguém como ela: pipe perfeita, china rapidíssima, atacava da posição um, além da entrada, do meio e da saída também, em todas com muita qualidade. Batia uma paralela muito precisa e sua diagonal curta era dificílima de ser marcada. Tinha uma variedade de largadas como nenhuma outra atacante.
Jamais vi uma jogadora tão perfeita em minha vida, com tanta técnica. Imagine alguém que seria titular em qualquer grande seleção do mundo por mais de 10 anos… Esse alguém é a Sokolova".
Giovanni Guidetti, técnico da seleção feminina da Turquia e do clube turco VakifBank. É treinador de vôlei desde 1994 e começou a acompanhar a modalidade nos anos 1980
"Completa"
"A Sokolova era muito talentosa, mas preguiçosa para treinar. Uma jogadora que sacava, passava e atacava muito bem. Ela era completa e por isso se destacou tanto".
Fernanda Venturini, ex-levantadora da seleção brasileira, finalista na eleição das melhores jogadoras do século XX realizada pela FIVB. Jogou com a russa no clube espanhol Murcia em 2007
"Torneio impecável"
"Infelizmente, não vi a Sokolova jogar tanto quanto gostaria, mas guardo na memória as atuações dela no Campeonato Mundial 2010, quando fez um torneio impecável e ajudou a Rússia a derrotar o Brasil na final".
Karch Kiraly, técnico da seleção feminina dos Estados Unidos, foi assistente no ciclo 2009-2012
"Bastante habilidosa"
"Ela se destacava muito por ser bastante habilidosa. Sokolova, como as demais atacantes russas, é alta e era bastante forte, mas chamava a atenção pela técnica, tinha uma recepção excelente, todos os golpes no ataque. Joguei ao lado dela na liga russa, foi muito importante para mim".
Walewska, central campeã olímpica em Pequim 2008, jogou ao lado de Lyuba no Odintsovo, na temporada 2008-2009
"Uma leitura que fazia a diferença, foi perfeita"
"Sokolova tinha uma visão extraordinária, enxergava o jogo como poucas, tinha uma leitura que fazia a diferença na quadra, foi perfeita. Muito técnica, foi feita para praticar esse esporte: um físico extraordinário, altura muito boa. A habilidade dela era impressionante. Além disso, é uma graça de pessoa, esperta, inteligente, generosa, sempre disposta a ajudar os outros. Ela é minha amiga e eu a adoro".
Kasia Skowronska, oposta polonesa, jogou com Sokolova no Fenerbahçe no período 2010-2011
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Fofão relembra momento marcante ao enfrentar Sokolova: "Ela fazia o que queria com a bola, era muito craque"
"Houve um momento marcante, quando éramos adversárias em nossas seleções. Foi no Grand Prix 1998. Nós, claro, estudávamos os outros times, víamos vídeos, dávamos ênfase a essa ou aquela jogadora. Era a minha primeira vez jogando contra ela, então você ainda está conhecendo a jogadora, sabendo como é que é, quais as características.
O saque era nosso e eu estava na rede, na posição dois, a saída, e ela estava na mesma rotação, ou seja, eu estava posicionada numa diagonal em relação a Sokolova. O levantamento da Rússia foi justamente para ela, na saída de rede delas. Lembro bem que olhei para a Sokolova e ela estava com o corpo todo virado para a paralela e eu não tive dúvida, pensei 'esse ataque só pode ser feito no corredor' e confesso que fiquei desprevenida. Eu não acreditava que ela pudesse atacar aquela bola noutra direção, então nem me posicionei direito para defender.
Para minha surpresa, a Sokolova achou uma diagonal fechada, por cima da minha cabeça, e fez o ponto. Eu continuei não acreditando, tanto pelo gesto técnico dela, que foi sensacional, como pela capacidade de esconder o movimento até o último momento.
Daquele dia em diante, tratei de ficar bem esperta quando a Sokolova ia atacar, tinha que esperar tudo daquela mulher. Ela fazia o que queria com a bola, não o que a gente achava que ela podia fazer. Olha há quanto tempo foi isso e não me esqueço. Não tem como esquecer porque realmente me marcou muito, tamanha a habilidade, pois é dificílimo alguém fazer o que ela conseguiu naquele lance. Sokolova era muito craque".
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