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1967: o Mundial de Vôlei que a Guerra Fria encurtou

João Batista Junior

29/01/2017 15h00

Em 1967, as japonesas conquistam o troféu num campeonato reduzido (foto: FIVB)

Em 1967, as japonesas conquistam o troféu num campeonato reduzido (foto: FIVB)

O bicampeonato mundial da seleção japonesa feminina de vôlei completa 50 anos neste domingo. Foi em 29 de janeiro de 1967 que o Japão venceu em casa os EUA por 3 sets a 0, no jogo decisivo, e arrebatou o título. Na partida que valeu a medalha de bronze, a Coreia do Sul também obteve uma vitória em sets diretos sobre o Peru e completou o pódio.

Dito assim, é possível depreender que o campeonato de 1967 fez jus ao domínio japonês da época, antecipou a ascensão de norte-americanas e peruanas e ainda premiou a seleção de um país que um dia produziria uma MVP olímpica – Kim Yeon Koung, em Londres 2012. Tudo poderia ser encarado com normalidade, se essas quatro equipes não tivessem sido as únicas participantes daquela competição. E por quê? A Guerra Fria é a resposta.

Vamos conhecer a história do Campeonato Mundial feminino de 1967, o mais curto que a modalidade já teve.

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Por que não em 1966?

O vôlei promove campeonatos mundiais desde 1949. O primeiro, com sede na antiga Tchecoslováquia, teve apenas o naipe masculino em disputa, mas já a partir de 1952, na URSS, as mulheres também entraram no torneio.

Até 1960, a competição coincidia com o ano olímpico. Entretanto, com o ingresso do esporte nas Olimpíadas de 1964, a FIVB mudou a data dos mundiais já a partir de 1962.

Nesses dez primeiros anos de disputa do mundial feminino, o campeonato foi hospedado sempre no mesmo país do certame masculino. Mas, para 1966, a federação resolveu mudar essa prerrogativa e marcou o torneio dos homens para a Tchecoslováquia, entre o final de agosto e meados de setembro daquele ano, e o das mulheres, entre os dias 12 e 29 de outubro, para Lima, no Peru.

O Nippon Budokan recebeu as partidas do Mundial de 1967 (reprodução/internet)

O Nippon Budokan recebeu as partidas do Mundial de 1967 (reprodução/internet)

Ocorre que os peruanos desistiram de receber o certame, o que deixou a FIVB obrigada a adiar o torneio e sem muita escolha para indicação da sede. Assim, a entidade optou por um país onde o voleibol já desfrutava certa popularidade e onde havia prévia estrutura para suportar o calendário da competição. Foi dessa maneira que Tóquio virou sede do Mundial, o primeiro da história do vôlei a ser disputado na Ásia – e o único das mulheres datado em ano ímpar.

A competição foi transferida para janeiro de 1967, num local dos mais nobres do esporte japonês, o Nippon Budokan, ginásio inaugurado para receber as competições de Judô nas Olimpíadas de 1964 – e que, em 2020, receberá o Caratê e novamente o Judô.

Guerra Fria e boicote

Em competições esportivas, o auge dos efeitos da Guerra Fria foi na década de 1980. A ausência de várias nações capitalistas nos Jogos de Moscou 1980 e o previsível revide comunista em Los Angeles 1984 deixaram para sempre um asterisco na história dessas duas edições olímpicas. Antes disso, contudo, o esporte já havia sido usado como arma político-ideológica.

No Mundial masculino de Basquete do Chile 1959, por exemplo, URSS e Bulgária se solidarizaram com os camaradas chineses e se recusaram a enfrentar Taiwan, arquipélago capitalista que havia se declarado independente da China, mas nunca teve sua soberania reconhecida por Pequim. (O curioso efeito do WO sofrido pelos soviéticos é que isso levou o Brasil a conquistar seu primeiro título mundial na modalidade.)

Tão tosco quanto isso foi o que levou o Mundial de Vôlei de 1967 a ser um campeonato retalhado.

Hinos e bandeiras

O pós-guerra redefiniu fronteiras e estabeleceu novas nações. Dois desses países recém-criados se qualificaram para o torneio de 1967: a Coreia do Norte, fruto de uma guerra ainda inacabada contra os vizinhos do sul, e Alemanha Oriental, porção de terra que os soviéticos cercaram com um muro e vigiadas cercas de arame farpado.

Os dois países já haviam disputado dois mundiais de vôlei cada um – França 1956 e URSS 1962. Além disso, os norte-coreanos também já haviam participado dos Jogos de Inverno de Innsbruck 1964 (e até ganharam uma medalha de prata). Mas isso não convenceu os japoneses de que a ideologia política deveria ser apartada do campo esportivo.

Alinhado com o bloco capitalista, o Japão advertiu que não hastearia a bandeira nem executaria o hino nacional de nenhum dos dois novos países. A promessa de tratar norte-coreanas e alemãs orientais quase como apátridas gerou uma reação catastrófica para o Mundial.

Pequeno campeonato de grandes ausências

As japonesas ostentavam o título mundial de 1962 e o ouro olímpico de 1964, mas, em 1967, havia apenas a jogadora Katsumi Matsumura como remanescente daquela equipe rigidamente treinada por Hirofumi Daymatsu. Aliás, naquele ano, o técnico também era outro – Sigeo Yamada assumira o comando do time.

Japão e URSS se enfrentam no México, em 1968: duelo que a política impediu um ano antes (reprodução/internet)

Japão e URSS se enfrentam no México, em 1968: duelo que a política impediu um ano antes (reprodução/internet)

Com um elenco bastante modificado e com a sede de revanche das soviéticas – hegemônicas na modalidade até a ascensão japonesa -, a missão de defender em casa o troféu conquistado dois anos antes não teria sido nada fácil para as nipônicas. Contudo, das 11 seleções classificadas, sete – todas comunistas – deram as costas à competição. Além da Alemanha Oriental e da Coreia do Norte, também desistiram a Tchecoslováquia, a China, a Hungria e, sobretudo, a URSS e a Polônia – que seriam ouro e bronze, respectivamente, nas Olimpíadas da Cidade do México 1968, ocasião em que as japonesas perderam para as soviéticas por 3 a 1.

Restou ao Japão, num torneio quadrangular em pontos corridos, enfrentar três frágeis adversários e cumprir a obrigação de batê-los em sets direitos.

O time da casa venceu todos os seus compromissos por 3 sets a 0. As parciais falam por si sobre a diferença entre as anfitriãs e demais equipes – Peru (15-1, 15-5, 15-1), Coreia do Sul (15-3, 15-3, 15-4) e Estados Unidos (15-12, 15-0, 15-8). A matemática informa que, juntas, as adversárias marcaram apenas 37 pontos contra as nipônicas, número insuficiente para vencer três sets na contagem daquela época.

O controverso Campeonato Mundial feminino de Vôlei de 1967 foi a segunda das três edições conquistadas pelas japonesas, que também venceriam em 1974.

Quarto no campeonato, o Peru repetiu a quarta posição nas Olimpíadas do ano seguinte – desta feita, não numa competição com quatro, mas com oito participantes. O auge do país no esporte só viria nos anos 1980, com uma prata nos Jogos de Seul 1988 e um segundo e um terceiro lugares em campeonatos mundiais – 1982 e 1986, respectivamente.

A Coreia do Sul, terceira colocada, conquistaria em Montreal 1976 a única medalha olímpica de sua história na modalidade (também de bronze), e voltaria ao pódio de um mundial em 1974, com o terceiro lugar no México.

E os EUA, que virariam potência no voleibol a partir dos Jogos de Los Angeles 1984, saíram de Tóquio como vice-campeãs mundiais, mas, com um plantel bem diferente no ano seguinte, perderam as sete partidas que disputaram no México e amargaram a lanterna nas Olimpíadas.

 

Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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