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Situação financeira da CBV se deteriora e preocupa, aponta especialista

Carolina Canossa

31/07/2016 06h00

CBV logoA poucos dias do início das competições de vôlei na Olimpíada, todas as atenções se voltam ao que está prestes a acontecer na quadra do Maracanãzinho. Porém, para que uma seleção tenha chances de lutar pela medalha de ouro, é preciso haver uma administração saudável dos recursos recebidos pela Confederação que ela representa. No Brasil, por exemplo, a CBV é tida como um exemplo de "ótima gestão", mas infelizmente esse panorama está começando a mudar para pior. Como você poderá ver abaixo, o balanço de 2015 da entidade foi gentilmente analisado pelo professor Jorge Eduardo Scarpin, docente do curso de Ciências Contábeis da UFPR (Universidade Federal do Paraná). Cerca de dois anos após as denúncias de corrupção que abalaram a modalidade, o panorama agora é preocupante por outro aspecto, o financeira, com as dívidas crescendo muito, enquanto as receitas mantiveram-se no mesmo patamar.

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Para quem não está acostumado com os números, tal notícia pode não significar muita coisa, mas não se engane: se a situação continuar assim, a longo prazo ter seleções constantemente no pódio será apenas uma lembrança. E, acredite: a culpa nem de longe será de técnicos e atletas. Separe alguns minutos para ler o texto escrito pelo especialista que, a propósito, há anos faz um brilhante trabalho de análise das contas no basquete no blog do Bala Na Cesta. É dever nosso, como amantes do esporte, ficar de olho no que acontece nos bastidores das confederações.

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O ano de 2015 foi um ano de virada na CBV. A situação, que era de constante melhora desde 2010, parou e teve uma grande queda em 2015, fazendo com que diversos indicadores voltassem aos anos de 2012 ou 2013. Para a análise ficar mais completa, vamos separá-la em grandes pontos, considerando o ano de 2015 e comparando com os anos imediatamente anteriores.

1. Endividamentodividas cbv

Apesar do bom nível de contabilidade da entidade, os balanços ficam um pouco confusos, pela própria característica da CBV e de outras confederações esportivas que é trabalhar com convênios. Um ajuste então precisou ser feito para fins de análise. Tal procedimento é relativamente comum, pois a visão de um analista é diferente da visão interna de uma empresa.

O ajuste refere-se ao recebimento antecipado de verba com convênios. É o caso de uma empresa injetar R$ 20 milhões para um projeto específico em 2015, mas o gasto será apenas em 2016. Isso faz com que a CBV tenha dinheiro, mas que não possa gastá-lo, pois o dinheiro é exclusivamente para tal projeto. E, enquanto este projeto não é executado, se considera uma dívida (passivo), visto que, se a CBV não gasta o dinheiro no projeto específico, este dinheiro precisa ser devolvido. É o que chamamos, normalmente, de "dinheiro carimbado". Para efeitos de análise, é altamente recomendável que este "dinheiro carimbado" seja excluído, pois dá uma falsa sensação de haver muito dinheiro em caixa e também uma quantia enorme de dívidas.

Para chegarmos ao valor total das dívidas da CBV, deve-se somar o Passivo Circulante (dívidas já vencidas ou que vencem no ano de 2016) e o Passivo não Circulante (dívidas que vencem após 31/12/2016). Considerando os valores reclassificados, observa-se um montante de dívidas no valor de R$ 7.166.171 – trata-se de um valor alto, porém abaixo de outras confederações (a CBB (Confederação Brasileira de Basquete), por exemplo, tem uma dívida total de R$ 17.206.453).

Esse volume de dívidas traz uma informação relevante, pois houve uma virada para menos no seu número e este foi o aspecto mais positivo da CBV neste ano de 2015. O gráfico abaixo dá uma boa dimensão desta virada.

Grafico CBV
Depois de quedas crescentes em 2011 e 2012, o nível de dívidas da CBV voltou a subir em 2013 e 2014. Porém, em 2015 o volume total de dívidas voltou a diminuir, mas ainda assim acima do nível do ano de 2013.

Entretanto, isto é apenas ilusório. Sempre que olhamos o endividamento, temos que comparar o volume de dívidas com os bens que uma entidade possui para pagá-las. Em balanços de empresas normais, como Vale do Rio Doce, Embraer, Pão de Açúcar, BRFoods, etc, veremos um volume de dívidas muito alto. Porém, como os bens que possuem são maiores ainda, tal fato passa a ser relativizado.

No caso da CBV, houve uma piora nos números do ano de 2015. Em uma empresa saudável, o volume de dívidas (endividamento) não deve superar 66% (2/3) do seu volume de bens e direitos (ativos). A CBV, depois de péssimos números em 2009 e 2010, viu sua situação começar a ficar sob controle a partir de 2011 até 2013. Em 2014, o número teve uma leve piora e em 2015 a piora foi significativa, fazendo o quadro ficar com uma forma de parábola, como pode ser visto a seguir:

Grafico CBV 2

Temos aqui um paradoxo: como o indicador piorou se o volume de dívidas em 2015 é menor do que em 2014? Como o indicador é dívida/total de bens e direitos, pode-se concluir que o total de bens e direitos caiu mais do que as dívidas, passando de pouco mais de R$ 36 milhões em 2014 para R$ 8,5 milhões em 2015. E o que significa este indicador estar em 84,24%? Significa que o volume de dívidas representa 84,24% do volume de ativos, ou seja, a CBV precisa vender 84% de tudo o que tem se quisesse quitar todas as suas dívidas

Além disto, se olharmos o que a CBV tem de bens e direitos de curto prazo, ou seja, que são mais fáceis de transformar em dinheiro, vemos que a situação é bem ruim, com uma sensível piora em 2015 graças, principalmente, à diminuição dos bens e direitos de curto prazo (R$ 31,8 milhões em 2014 para R$ 3,9 milhões em 2015). Assim, ao calcularmos a sobra (ou perda) de recursos de curto prazo em relação às dívidas de curto prazo (indicador chamado de capital circulante líquido), que é o quanto sobraria ou faltaria de recursos para quitação das dívidas de curto prazo, o número está negativo em R$ 2,3 milhões, voltando pela primeira vez ao negativo desde o ano de 2011, como podemos ver no gráfico a seguir:

Grafico CBV 3

O que assusta neste gráfico não é o número em si, mas o comportamento do gráfico. Depois de melhora sucessiva e contínua desde 2011, a piora em 2015 foi muito grande, voltando ao patamar negativo de quatro anos antes.

2. Superávit ou Déficit

Aqui temos a pior notícia sobre o balanço: pela primeira vez desde 2010 a CBV apresenta déficit em suas contas, num número muito maior do que os déficits de 2009 e 2010, chegando a quase R$ 24 milhões (R$ 23,8 milhões). O gráfico a seguir mostra melhor este comportamento:

Grafico CBV 4
Aqui temos um problema de tendência. O maior lucro registrado pela CBV foi em 2012 e, a partir de 2013, houve uma tendência de queda, que se acentuou em 2014 e se aumentou mais ainda em 2015. Para explicar este prejuízo, principalmente comparado com o ano de 2014 (25 milhões a menos), ou houve aumento de despesas ou redução de receitas ou ainda uma combinação dos dois.

3. Despesas

As despesas totais aumentaram muito em 2015 comparado ao ano de 2014. Assim, será que 2015 foi um ano atípico ou 2014 é que foi um ano atípico? Creio que o gráfico a seguir ajuda a compreender melhor o ocorrido.

Grafico CBV 5

O número de 2015 foi o mais alto da história. Entretanto, com exceção de 2014, os valores estão em trajetória crescente desde 2009 e, numa análise fria dos números, o ponto fora da curva é o de 2014, que foi baixo, e não o de 2015, que foi alto. Assim, se a tendência continuar, teremos problemas maiores nos próximos anos.

As despesas da CBV estão divididas em dois grandes grupos: Operacionais (gasto com a atividade de vôlei propriamente dita – torneios, seleção, etc) e Administrativas (gastos com a máquina da CBV, principalmente folha de pagamento). O gráfico a seguir mostra o comportamento das duas despesas.

Grafico CBV 6

Analisando as despesas, temos a maior como sendo as Operacionais e a menor como sendo as Administrativas. Assim como nas despesas totais, o que aparenta é que houve, em 2014 um ponto fora da curva e não um aumento brutal em 2015. Mas, vamos ver o que a CBV disse sobre isso no seu balanço.

Seleções não podem ser culpadas pelo aumento das despesas

Seleções não podem ser culpadas pelo aumento das despesas

3.1 Despesas Operacionais

Passou de 69,4 em 2014 para 85,4 em 2015, um aumento de R$ 16 milhões. É composta de seis grandes itens, a saber:

a) Despesas com pessoal de apoio, atletas e comissão técnica: valor praticamente inalterado nos dois anos, passando de R$ 23,2 milhões em 2014 para R$ 24 milhões em 2015. Assim, o pessoal de apoio, atletas e comissão técnica não podem ser responsabilizados pelo aumento da despesa.

b) Transportes: neste item são registrados o custo com transporte de pessoas e materiais para competições nacionais e internacionais, passando de R$ 14 milhões em 2014 para R$ 16,3 milhões em 2015, um aumento de R$ 2,3 milhões. Considerando a desvalorização cambial no período, este aumento seria esperado.

c) Premiação de Atletas: passou de R$ 14,4 para R$ 11,4 milhões, uma redução de R$ 3 milhões de 2014 para 2015. De novo, os atletas não podem ser responsabilizados pelo aumento na despesa da CBV, uma vez que a despesa com pessoal subiu R$ 1 milhão e a premiação caiu em R$ 3 milhões.

d) Locação: neste item são registradas todas as despesas com locação de bens móveis necessários para realização dos eventos de vôlei de quadra e praia organizados pela CBV. Comparando os números, vemos um aumento considerável, passando de R$ 9,2 milhões para R$ 13,8 milhões, uma variação de R$ 4,6 milhões. Na abertura que a CBV fez deste item, há um item de locação de equipamentos cujo valor foi de R$ 3,7 milhões em 2014 para R$ 6,8 milhões em 2015, um aumento R$ 3,1 milhões que, aliado com o aumento na locação de quadras (R$ 100 mil em 2014 e R$ 982 mil em 2015) e de móveis (R$ 343 mil em 2014 para R$ 921 mil em 2015) representa quase todo o aumento. Infelizmente, a CBV não trouxe maiores explicações sobre isso.

e) Federações: o repasse para as federações estaduais ficou praticamente estável, com uma leve queda, indo de R$ 2,1 milhões em 2014 para R$ 1,9 milhões em 2015.

f) Outros custos: particularmente não gosto quando vejo itens com nome de outros, mas é normalmente usado para itens de pequeno valor. Entretanto, na CBV o valor é expressivo e crescente, indo de R$ 6,3 milhões em 2014 para R$ 17,4 milhões em 2015, um aumento de R$ 11 milhões de reais. Basicamente o valor se refere a despesas com eventos, que foram realizados em número superior em relação a 2014, como por exemplo as Finais da Liga Mundial, Sul-Americano, World Tour e amistosos. Neste item, alguns valores me chamaram atenção: montagens e desmontagens de quadras (aumento de R$ 550 mil – R$ 489 mil em 2014 para R$ 1.058 mil em 2015), equipamentos e materiais esportivos (aumento de R$ 700 mil – R$ 353 mil em 2014 para R$ 1,025 mil em 2015), vídeo/som/imagem/comunicação (aumento de R$ 3,3 milhões – R$ 1,1 milhão em 2014 para R$ 4,4 milhões em 2015), taxas gerais para participação nos torneios (aumento de R$ 5,4 milhões – R$ 1 milhão em 2014 para R$ 6,4 milhões em 2015) e outros custos, tais como água e gelo para os eventos, energia elétrica, decoração de ginásio, material de informática e apoio financeiro para os clubes da Superliga no valor de R$ 600 mil (aumento de R$ 1 milhão – R$ 627 mil em 2014 para R$ 1,6 milhões em 2015).

Segundo a CBV, o grande problema dessas despesas foi a realização do Grand Prix e da Liga Mundial no Brasil. Talvez explique em parte, mas creio que não o todo.

Além disso, a CBV afirma que deu R$ 1,8 milhão para os clubes da Superliga. Porém, apenas R$ 600 mil figuraram como despesa em 2015 e os R$ 1,2 milhão restantes serão registrados como despesa em 2016. Assim, o valor pago aos clubes da Superliga não foram responsáveis por esse aumento de gastos.

Realização da Liga Mundial e do GP no Brasil em 2015 explica parte do aumento dos gastos, mas não tudo

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3.2 Despesas Administrativas

Neste item, basicamente são contabilizados as despesas com a máquina da CBV, principalmente gastos com pessoal e encargos trabalhistas, além de gastos com aluguel e propaganda. Neste item, houve um aumento também grande (R$ 13 milhões), passando de R$ 35,9 para R$ 48,9 milhões.

a) Aluguel: passou de R$ 5,2 milhões em 2014 para R$ 7,3 milhões em 2015, um aumento de R$ 2 milhões.

b) Propaganda e publicidade: passou de R$ 1,6 milhão em 2014 para R$ 3,2 milhões em 2015, um aumento de R$ 1,6 milhão, o que, em termos monetários não é muito, mas foi o dobro de um ano para o outro.

c) Há um item de outras despesas, que se refere principalmente a manutenção, impostos e taxas, etc, que, apesar de ser um valor alto, R$ 10 milhões de reais, ficou praticamente estável em relação a 2014.

d) Despesa com Pessoal e Encargos: aqui está o grande problema da CBV. A folha de pagamento e os encargos sobre ela (FGTS e INSS) passaram de R$ 11 milhões em 2014 para R$ 18,8 milhões em 2015, um aumento de R$ 7,7 milhões. Segundo explicação dada pela CBV, isto se deveu ao fato de que "em 2015, a entidade passou a contar com um diretor executivo (CEO), que assumiu o cargo com a missão de adotar práticas responsáveis de governança e alcançar a excelência nos eventos promovidos pela entidade. E com uma gestão cada vez mais atenta e preocupada com os colaboradores, a confederação adotou um plano de cargos e salários, e melhoria nos benefícios (cartão de alimentação, plano de saúde e mental)". A explicação da CBV me deixou muito mais preocupado, pois mostra que o aumento será permanente e que não foi apenas algo pontual no ano de 2015. Assim, é muito pouco provável que esse valor diminua em 2016.

4. Receitas

As receitas em 2015 tiveram uma leve melhora (R$ 3 milhões) comparando com o ano de 2014. Porém, uma análise gráfica deixa um sinal de preocupação, como pode ser visto a seguir:

Grafico CBV 7

Assim como nas despesas, havia uma forte alta até 2013 e uma queda em 2015. Porém, as despesas em 2015 voltaram a repetir a tendência até 2013, mas as receitas não, cresceram num ritmo muito menor, o que explica o desequilíbrio nas contas. Ao analisarmos os componentes das receitas, podemos concluir o seguinte:

a) Patrocínio: queda de quase R$ 3 milhões, indo de R$ 75,4 milhões em 2014 para R$ 72,7 em 2015. Sendo a principal receita da entidade (2/3 do total), essa queda praticamente fez com que a linha de receita não conseguisse ser alavancada para cobrir as despesas.

b) Demais receitas: praticamente constantes, com exceção de convênios, que subiu de R$ 9,1 milhões em 2014 para R$ 15,4 milhões em 2015. Porém, como o valor em relação ao total não é expressivo, não foi capaz de fazer com que a receita total tivesse ganhos significativos.

5. Conclusões

Fechando esta análise, podemos ver que a CBV apresentou um forte desequilíbrio em suas contas ao compararmos 2015 com 2014, principalmente pelo aumento de despesas (operacional e administrativa) sem a contrapartida de aumento na receita. Um último gráfico ajuda a entender o desequilíbrio:

Grafico CBV 8
Até 2014 havia mais ou menos o mesmo comportamento entre receitas e despesas. No ano de 2015, porém, tal comportamento foi alterado, com a despesa subindo muito mais do que a receita. Considerando os números e as explicações dadas pela CBV, bem como o encerramento do ciclo olímpico, se a tendência se mantiver, provavelmente teremos em 2016 outro ano deficitário para a CBV.

Ressalte-se que toda esta análise foi feita com os dados fornecidos pela própria CBV em seus balanços, sem nenhuma montagem minha quanto a números, bem como nenhum acesso a informação privilegiada.

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Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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