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A caminho do vôlei europeu, brasileiro reclama de calote no Oriente Médio

João Batista Junior

03/11/2017 06h00

Último clube de Sérgio Félix na Superliga foi o Maringá (foto: Maringá Vôlei)

Sérgio Félix está de volta ao voleibol do velho continente. Com passagem pelo Unicaja (Espanha), em 2015, o ponta brasileiro, de 27 anos de idade, defenderá o Omonia Nicosia, do Chipre. O atacante vai jogar ao lado do levantador russo Sergey Bagrey, campeão europeu e mundial com o Belogorie Belgorod, três anos atrás, e do oposto Mori Sidibe, reserva da seleção francesa no Mundial da Polônia 2014. Além da liga cipriota – que lidera com nove pontos em três rodadas –, o time disputa os playoffs classificatórios da Liga dos Campeões: vai enfrentar o Jastrzebski Wegiel, da Polônia, valendo vaga na fase de grupos do torneio.

A ida do jogador para a Europa é o desdobramento de uma história que o atleta viveu no Qatar e que só deve terminar num tribunal da Federação Internacional de Vôlei.

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Contratado para disputar a atual temporada pelo Qatar Sport Club, equipe sexta colocada no último campeonato catari, Sérgio Félix viveu o que muito provavelmente tenha sido o pior momento de sua carreira. Hospedado num "hotel vagabundo", nas palavras do próprio jogador, ele treinou e jogou amistosos pelo clube sem receber salários, sem obter visto de trabalho no país e sem sequer ser submetido a exames médicos. No fim, seu contrato foi rescindido. "Esses 40 dias que eu vivi no Qatar foram os piores da minha vida", resumiu, em entrevista ao Saída de Rede.

"Meu contrato estava fechado desde maio. Chegando lá, não cumpriram com nada, me deixaram na mão, largado, como se eu não fizesse parte da equipe, sem dinheiro, e o combinado era eu receber o salário de setembro, que é quando começava (a vigência do) meu contrato", explicou o jogador. "Tenho noção dos meus direitos. A partir do momento em que uma equipe tem um contrato assinado com você, você abre mão de outras oportunidades. Vou correr atrás disso, vamos à FIVB para eu tentar receber (o valor acordado com o clube)", garantiu.

Descaso
Andarilho da bola, Sérgio Félix já atuou no voleibol da Espanha, do Japão, e, no Brasil, em clubes como Minas, Volta Redonda, Taubaté e Juiz de Fora. Antes de viajar para o Oriente Médio, ainda jogou pelo Corinthians-Guarulhos na Taça Ouro, em agosto.

Em 2015, Sérgio Félix defendeu o Unicaja, da Espanha (foto: Real Federação Espanhola de Voleibol)

Após a última Superliga, quando o atacante defendeu a Copel Telecom Maringá, ele foi para os Emirados Árabes Unidos participar de um torneio pelo Al-Wasl. Acabou chamando a atenção de um dirigente do Qatar SC.

"Toda a negociação, toda a transação a respeito de contrato e de valores foi feita através de (Hachicha) Ismail. Mas, chegando lá (no Qatar), eu vi que ele era apenas um manager e técnico das categorias de base. Quem comandava mesmo esse parte financeira era o técnico, o (tunisiano) Ghazi (Koubaa)", explicou Sérgio Félix.

Em setembro, o ponteiro foi para o clube e os problemas começaram. "Não fizeram exames médicos. Eu e me empresário, (Rogério) Teruo, cobrávamos diariamente que eles resolvessem isso o mais rápido possível, para começar a treinar do jeito que um profissional precisa pra trabalhar. Eles enrolavam, diziam que tinha problema com o visto, que meu visto era de turista ainda, e nem meu visto de trabalho eles fizeram", se queixou.

Mesmo em situação irregular, Sérgio participava dos treinamentos e também disputou cinco amistosos. No primeiro deles, uma partida de dois sets, foi o maior anotador em quadra, com 14 pontos e aproveitamento de 67% no ataque.

"Me obrigavam a treinar e jogar todos os dias e, do nada, resolveram cancelar meu contrato, sem justificativa nenhuma, sem argumento nenhum. Simplesmente falaram pra mim 'não queremos mais' e não falaram mais nada", recordou o atacante.

Porta fechada
Não bastasse precisar da ajuda de brasileiros que jogam no Qatar para se sustentar no país, ele contou que, a partir de certo momento, passou até a ser impedido de treinar no time.

"Há umas duas semanas (a entrevista foi realizada na última sexta-feira, 27), fui proibido de entrar no clube. Falei 'por que eu não posso nem continuar treinando? Não sei qual vai ser o destino da minha vida, preciso, pelo menos, estar treinando, mesmo que vocês não queiram que eu fique no time', mas fui barrado na porta do clube. Foi uma decepção enorme pra mim", lamentou.

"Depois que eu fui barrado no clube", prosseguiu, "eu não tive contato com mais ninguém. Eu não conseguia falar com ninguém (no Qatar Sport), nem por celular, nem pelo telefone do clube. Enviava mensagens, mandava e-mails, e a gente não tinha resposta. Só me responderam quando eu falei que queria ir embora, que eu precisava de uma liberação pra sair do país", disse o jogador, que chegou, inclusive, a procurar auxílio do consulado brasileiro no Qatar.

Currículo
Sérgio Félix retornou ao Brasil na semana passada e fechou contrato com o Omonia Nicosia logo em seguida. Agora, vai defender equipe cipriota nas quadras e lutar, na FIVB, para receber o que lhe é devido no Qatar. "Não pagaram nada. Em 40 dias, sem dinheiro, tive que me virar não sei como, até, pra poder me alimentar, pra poder estar lá, com a esperança de que ia dar tudo certo, como estava combinado".

Lutando por vaga na fase de grupos da Champions, Omonia recepciona jogador brasileiro (reprodução/internet)

Com o fim do vínculo com o Qatar SC, o receio do jogador é de que a história manche sua biografia e atrapalhe a sequência de sua carreira.

"Isso acaba queimando um pouco do meu currículo, já que eu tive um contrato rescindido sem motivo. Pra um atleta profissional, isso não é interessante. Estou arrependido (de ir para o clube catari). Não vou falar que eu fiz uma má escolha, mas é uma experiência que não quero ter nunca mais na minha carreira. Sei que já passou, mas estou bem magoado", finalizou.

O Saída de Rede contatou, por e-mail, o Qatar Sport Club e o Sr. Hachicha Ismail, dirigente citado na matéria, para comentarem o caso, mas, até a publicação, não obteve resposta.

Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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