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Chateado, Heller analisa imbróglio envolvendo CBV e Comissão de Atletas

Janaína Faustino

04/09/2019 06h00

Após inscrição irregular de Montes Claros na Superliga, André Heller renunciou à presidência da Comissão de Atletas (Foto: Divulgação/André Heller)

Após conversar com o Saída de Rede sobre suas recordações acerca da conquista do lendário ouro olímpico em Atenas 2004, o multicampeão André Heller falou a respeito de seu desapontamento com a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), explicando os motivos que o fizeram renunciar, junto com os demais membros, ao cargo de presidente da Comissão de Atletas de Vôlei de Quadra.

Atual embaixador e coordenador da equipe Vôlei Renata, de Campinas, o ex-central também tem uma trajetória muito bem-sucedida trabalhando com coaching, gestão esportiva e de pessoas desde 2010. Como palestrante motivacional, costuma participar de diversos eventos por mês em escolas, empresas e universidades.

Mesmo com todas estas atividades, Heller assumiu a presidência da Comissão em 2016 pretendendo fazer com que a voz dos jogadores tivesse mais ressonância e peso nas decisões tomadas nos bastidores do esporte. Ainda faziam parte do grupo os ex-atletas Kid (vice-presidente) e Fabi, além de Renatinha e Lucarelli. Em termos práticos, a Comissão buscava atuar na defesa dos interesses dos profissionais e estabelecia uma espécie de ponte entre eles e a Confederação.

Uma crise, no entanto, se instaurou recentemente entre o grupo e a Confederação Brasileira de Vôlei. O estopim foi a inscrição, avalizada pela entidade, do time de Montes Claros – que atuará com o nome de América-MG – na Superliga masculina 2019/2020. A equipe mineira havia "alugado" sua vaga para o Corinthians-Guarulhos na temporada passada.

Contudo, de acordo com Fair Play financeiro que rege o regulamento da Superliga, para que a inscrição de Montes Claros fosse efetivada seria necessário que a equipe paulista, que terminou a última temporada na 9ª colocação, apresentasse uma lista com as assinaturas de jogadores e comissão técnica, comprovando o pagamento de todos os salários atrasados. Os profissionais, no entanto, se negaram a assinar o documento, uma vez que o Corinthians permanece em dívida. Montes Claros, então, processou os atletas e teve sua inscrição aprovada pela Confederação, causando indignação entre os integrantes da Comissão dos Atletas.

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Confira abaixo a entrevista em que André Heller comenta o caso:

Saída de Rede – Qual é o tamanho da decepção quando você lida com um fato como esse da Comissão?

André – Sinceramente, não foi um problema. Fiz uma escolha individual quando resolvi liderar, há alguns anos, esse processo com a Comissão de Atletas. Eu sabia de todas as possibilidades. Tinha convicção daquilo que eu queria, do meu objetivo e, em contrapartida, conhecia também a realidade. Sabia que a CBV [Confederação Brasileira de Vôlei] não concordaria com tudo o que a gente gostaria de fazer. Tinha noção de que poderia acontecer de os atletas não se engajarem também. E imaginava que poderia me indispor com várias pessoas, como aconteceu. Então eu sabia de tudo, mas estava disposto a isso. (…)

Houve um investimento financeiro de todos nós, colocamos dinheiro do nosso bolso nesse processo e alguns problemas aconteceram. Mas em momento algum isso nos desmotivou. Tivemos conquistas enormes, participamos de todas as reuniões ao longo desses anos com os clubes, federações, confederação. Estivemos presentes nas assembleias ordinárias organizadas pela CBV, participamos também daquelas que elegeram o presidente da entidade com direito a voto. Implantamos o Fair Play financeiro, que foi a maior conquista.

Mas, por uma opção da CBV de não seguir o regulamento estipulado por ela mesma e pelos clubes, aceitando uma equipe que não está inscrita regularmente no campeonato, nós nos reunimos e decidimos não mais fazer parte desse ambiente. Porque essa não é uma escolha técnica. É uma escolha moral e ética. Quando você opta por não seguir uma norma ou um regulamento, você está quebrando uma lei, uma regulamentação. Você segue pelo lado da antiética. Para mim, os valores da nossa Comissão e os meus valores pessoais são mais importantes.

As coisas mais importantes para mim são moral, ética e honestidade. O esporte me ensinou isso. E se a própria Confederação Brasileira de Vôlei não segue esta norma, eu não quero mais fazer parte. Por isso, todos nós decidimos renunciar porque além de todo o trabalho que nós vínhamos tendo e dos gastos financeiros, estávamos realizando um trabalho voluntário que nos tomava um tempo gigantesco. A partir dessa quebra de regra nós resolvemos que não mais estaríamos dispostos a abrir mão do tempo com a família e outros compromissos profissionais para estar nesse ambiente.

SdR – Mas em tudo você consegue ver um lado positivo, mesmo quando as coisas não saem da melhor maneira.

André – Sim, o esporte me ensinou isso também. Eu venho de uma família extremamente humilde. Os meus pais não tiveram a possibilidade de estudar, mas, com muita sabedoria, lutaram bastante para os três filhos estudarem. Eu tenho duas irmãs que são professoras há muito tempo no Rio Grande do Sul. Eu também amo a sala de aula. E é também uma questão de observação. Eu aprendi isso com a minha mãe, que é a maior líder da minha vida. Meus pais nos ensinaram que quando acontece um problema ou uma dificuldade, a gente pode optar por considerar isso uma derrota e se frustrar ou pode ver essa dificuldade como uma nova chance, uma possibilidade de tentar outra vez, mais fortalecido depois da experiência anterior.

Eu não quero, portanto, perder meu tempo, que é o nosso ativo mais precioso, pensando nos problemas que acontecem. Sempre tento refletir sobre o que eu posso fazer de melhor agora. Claro que não é fácil. Nós somos humanos e estamos sujeitos a falhas. Eu falho muito, inclusive. Mas é uma maneira de viver a vida que eu, sinceramente, escolhi para a minha família, esposa e filhos. As dificuldades não aparecem, elas já fazem parte do caminho. E quando você se depara com elas, é preciso decidir se você vai parar por aí ou se deseja seguir. Parece meio idealista, mas é uma forma de encarar a vida. E eu prefiro que seja assim.

*Colaborou Carolina Canossa

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Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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