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Zé Roberto lamenta desunião de clubes femininos: “Só olham para o próprio umbigo”

Carolina Canossa

26/06/2017 06h00

Dois anos após o fim do Vôlei Amil, Zé Roberto começou o projeto do Hinode Barueri do zero e agora parte para a Superliga (Foto: William Lucas/Inovafoto/CBV)

O nome de José Roberto Guimarães está extremamente associado com a seleção brasileira, mas o técnico vai além disto. Mesmo com todas as obrigações à frente da equipe nacional, o treinador não deixa de se envolver com o voleibol de clubes: só na última década, por exemplo, ele também trabalhou no Scavolini Pesaro (Itália), no Fenerbahce (Turquia), no Vôlei Amil (Campinas) e, desde o segundo semestre de 2016, liderou o projeto do Hinode Barueri, equipe que se prepara para a disputa da primeira Superliga. São dois lados que, volta e meia, entram em conflito, mas a vivência em ambos deles faz com que Zé Roberto tenha fincada suas opiniões sobre temas polêmicos.

Um deles é o ranking da Superliga, que limita as contratações de cada equipe sob a justificativa de impedir que as diferenças financeiras causem um desequilíbrio técnico excessivo no torneio. Zé Roberto é um dos poucos treinadores que se posicionam abertamente pelo fim da restrição, odiada pelos atletas e só mantida por decisão dos próprios clubes. "Entre as mulheres, a gente ainda só pensa no próprio umbigo, no campeonato nacional e aí o time vai jogar o Mundial de clubes não tem como competir", reclamou o treinador.

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Nem mesmo o claro crescimento de equipes que, até poucos anos atrás, eram atropeladas pelos tradicionais Sesc-RJ (antigo Rexona) e Vôlei Nestlé Osasco, convence Zé Roberto da legitimidade do ranking. "Eu, quando estava na Amil, senti uma dificuldade enorme de montar o time, você não faz ideia", afirmou o treinador. Ele segue em busca de respostas de seus colegas sobre a questão: "Nenhum clube que vota a favor consegue me explicar (o porquê)".

Nesta segunda parte da entrevista com Zé Roberto (clique aqui para ler a primeira), ele também comentou sobre o impacto das críticas oriundas das redes sociais ("Tem aqueles que  gostam de criticar e, a essas pessoas, eu não dou credibilidade"), a possibilidade de uma Superliga gerida pelos clubes e, claro, o time de Barueri, que está perto de fechar com a oposta polonesa Skowronska: "O ideal seria ter duas estrangeiras e isso poderia acontecer com um copatrocinador. Mas está difícil conseguir um".

Técnico alfineta pessoas que só criticam as atletas: "Fico triste, mas não dou credibilidade" (Foto: Divulgação/Montreux Volley Masters)

Confira abaixo:

SdR – Hoje, por conta das redes sociais, as críticas chegam às jogadoras de uma forma direta. Como você lida com isso?

Zé Roberto – Eu não leio, mas quando me falam dessas críticas agressivas, fico muito triste. Sei o que elas estão trabalhando e jogar nesse nível é difícil. (Uma má atuação) Pode ser por conta do momento, do que está acontecendo na vida dela, da maturidade que ela ainda tem que conseguir… São muitas variáveis no feminino, onde há uma alternância de escolas, diferente do masculino onde todos jogam no mesmo padrão. É preciso uma adaptação rápida e, como sempre tivemos bons resultados, essa cobrança é muito grande. O brasileiro não admite que uma jogadora possa atuar mal.

SdR – Você costuma dar alguma orientação nesse sentido?

Zé Roberto – Costumo. Digo para elas não lerem e pensar no esforço que elas estão fazendo porque tem gente maldosa, que quer jogar tudo para baixo e essas pessoas não constroem absolutamente nada. Uma coisa é fazer uma crítica construtiva, dizendo que fulana não está jogando bem, que está com um defeito no fundamento, que o aproveitamento está ruim. Essas devem ser aceitas. Agora, quando você xinga e tenta colocar a jogadora pra baixo, é algo que eu sou contra. E alguns dos críticos são pessoas que depois do jogo vão pedir autógrafo. Não entendo. Só nós sabemos o que treinamos para jogar contra as melhores seleções do mundo e o quanto é difícil conseguir resultados. Há várias equipes que foram ouro na Olimpíada e depois nem se classificaram para os Jogos seguintes. Mas o masculino e o feminino do Brasil estão se mantendo entre os melhores do mundo. Muita gente valoriza isso, mas sempre tem aqueles que  só gostam de criticar e, a essas pessoas, eu não dou credibilidade.

SdR – Você é um notório defensor do fim do ranking da Superliga, mas há uma oposição grande a isso por parte dos clubes e ele continua em vigor. Por que você acha que existe tanta resistência?

Zé Roberto – Eu gostaria de saber, não tenho uma explicação plausível. E nenhum clube que vota a favor consegue me explicar. A pergunta que eu faço é a seguinte: se o ranking foi feito para equilibrar forças, por que a mesma final costuma se repetir?

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SdR – Mas você não acha que, ao menos recentemente, o fato de Rexona-Sesc e Vôlei Nestlé terem chegado não foi uma coincidência? Este ano, por exemplo, o Camponesa/Minas quase foi pra final, o Dentil/Praia também tinha elenco pra ir…

Zé Roberto – Mas é sempre quase! Eu, quando estava na Amil, senti uma dificuldade enorme de montar o time, você não faz ideia. As levantadoras mais experientes já estavam contratadas, as melhores líberos já estavam encaixadas… quem monta um time, sai sempre atrás.

SdR – Então não seria uma questão de orçamento à disposição?

Zé Roberto – Na época, era possível ter 43 pontos e havia alguns fatores de benefício, como jogadora repatriada, ser da base… Tudo bem isso, mas dá um limite, como anos após a repatriação (para a jogadora seguir zerada). Não se pode deixar ad aeternum, senão essa atleta nunca vai querer mudar de time. Agora que pontuaram só as jogadoras de sete pontos, ficou mais acessível. Ainda não é o ideal, que seria acabar com o ranking, mas o masculino, por exemplo, está muito na frente do feminino. Entre as mulheres, a gente ainda só pensa no próprio umbigo, no campeonato nacional e aí o time vai jogar o Mundial de clubes não tem como competir. Agora, por que o Sada vai e ganha o Mundial masculino?

SdR – Porque consegue manter o elenco.

Zé Roberto – Além de também ter três jogadores de nível sete pontos. Eles têm um a mais pra ajudar no caso de campeonatos internacionais. Mas no feminino a gente ainda olha pro próprio umbigo. Esse ano o Rio ainda quase chegou ao título, mas foi a primeira vez. Quando eu estava no Fenerbahce, em 2010, Osasco tomou duas cacetadas, uma no grupo e outra na final. Quando eles ganharam, em 2012, o elenco era praticamente a seleção brasileira e esse time só foi montado por essa coisa de exceções no ranking que eu falei. Também houve trabalho, mas o que quero dizer é o seguinte: faz pelo menos igual no masculino, com três jogadores de sete pontos que já é um grande passo dado.

Em clubes, melhor resultado da carreira de Zé Roberto foi o título mundial de 2010 com o Fenerbahce (Foto: Divulgação/FIVB)

SdR – No masculino os clubes também estão mais organizados também na questão geral, inclusive ameaçando se desvincular da CBV e comandar uma liga própria. Como você vê a possibilidade de a Superliga ser gerida pelos clubes?

Zé Roberto – Nessa coisa de uma liga própria, eu não sou a favor de uma coisa e nem de outra. Sou a favor do bom senso. No que a Confederação pode ajudar os clubes? No que os clubes podem ajudar a Confederação? A CBV fica no meio da seleção e dos clubes. Conciliar essas duas coisas é muito diferente. O vôlei brasileiro não é o que é só pelos clubes. A seleção tem uma grande parte desta qualidade e uma coisa não pode viver sem a outra. Quando na nossa última reunião foram propostas algumas mudanças, inclusive de extensão de calendário dos clubes, eu fui a favor. Também acho que poderiam haver jogos de clubes no meio da temporada de seleções, porque aí você teria voleibol de clubes o ano inteiro. Por exemplo, uma Superliga de junho a abril, bem espaçada, com a seleção jogando em alguns intervalos do torneio. Dá pra conversar e se adaptar.

SdR – Você conseguiu montar um elenco bom, mas jovem, pro Hinode Barueri. Está satisfeito?

Zé Roberto – Eu estou satisfeito com o projeto. Retomamos a base perdida, o que é extremamente importante para mim como realização pessoal. Time sem base não agrega. A base é muito importante pro futuro do vôlei brasileiro, aproveitar atletas de lá no time… Vamos disputar a Copa São Paulo e algumas dessas meninas estarão lá. Agora, o que está sendo muito difícil é arrumar um copatrocinador pra melhorar o nível da equipe. O ideal seria ter duas estrangeiras e isso poderia acontecer com um copatrocinador. Mas estou feliz: há algumas remanescentes de qualidade da Série B, atletas experientes, como a Érika e a Suelle, e ao mesmo tempo jovens promessas como a Tainara, da seleção sub-20, a Edinara… Vai ser legal disputar a Superliga com esse grupo. Teremos muito trabalho, mas isso que é o gostoso.

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Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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