Polêmico e talentoso: conheça a trajetória de Giovanni Guidetti
Janaína Faustino
17/12/2018 06h00
Um dos melhores técnicos da atualidade, Giovanni Guidetti ganhou o terceiro título mundial com o VakifBank, da Turquia (Fotos: Divulgação/FIVB)
Ao final da 12ª edição do Mundial de Clubes feminino, os amantes do vôlei puderam ver, impressionados, mais um triunfo de uma equipe turca montada para vencer. Ao se sagrar campeão mundial pela terceira vez (a segunda consecutiva), o poderosíssimo VakifBank, de Istambul, adicionou mais um troféu à sua extensa coleção que conta, entre outras conquistas, com 10 taças do campeonato local e 4 títulos da Liga dos Campeões da Europa, a mais importante competição de clubes do continente. Maior bicho papão do vôlei feminino recente, o time tem como comandante, há dez anos, o italiano Giovanni Guidetti, um dos mais prestigiados técnicos da atualidade.
Bastante premiado no mundo do vôlei, este italiano de 46 anos nascido em Modena, cidade que abriga um dos mais tradicionais clubes da modalidade, acumula prêmios e alguma polêmica por onde passa. Guidetti começou a carreira como treinador aos 22, no Volley 2000 Spezzano, equipe criada em sua terra natal em 1982, permanecendo à frente do projeto de 1995 a 1998. Em 1997, contudo, ele conseguiu levar o time à elite do campeonato local, ganhando o título de "Treinador do Ano" na Itália. O bom trabalho ainda lhe rendeu o convite da Federação Italiana para trabalhar como assistente técnico na seleção italiana feminina, participando do Mundial do Japão, em 1998 e depois dos Jogos Olímpicos de Sidney, em 2000.
Com uma trajetória ascendente, após este período servindo à sua seleção, o treinador foi passar uma temporada de um ano nos EUA, retornando logo em seguida à Itália para treinar times, como o Vicenza, o Modena e o Chieri. Especificamente com o Chieri – que teve em seu elenco jogadoras importantes, como a passadora brasileira Virna Piovesan, as norte-americanas Danielle Scott (central) e Logan Tom (ponteira), a também passadora russa Elena Godina e a levantadora italiana Francesca Ferretti, entre outras, além de Stefano Lavarini, atual técnico do Minas, como assistente na segunda temporada –, Guidetti obteve bastante sucesso, ganhando a Top Teams Cup (equivalente à Copa CEV, segundo torneio de maior proeminência entre os clubes europeus, perdendo apenas em prestígio para a Liga dos Campeões da Europa), em 2005.
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Depois de uma breve passagem pela seleção feminina da Bulgária, Guidetti aceitou o convite para treinar a equipe nacional da Alemanha, entre 2006 e 2015, quando sua influência no vôlei alcançou novos patamares na mesma medida em que algumas polêmicas surgiram. Com as alemães, ele conquistou o bronze no Grand Prix de 2009, dois vice-campeonatos europeus, em 2011 e 2013 (perdendo as respectivas finais para Sérvia e Rússia), e o ouro em Montreux, em 2014. Esta geração era formada por atletas reconhecidas internacionalmente, como a oposta Margareta Kozuch (que hoje joga na praia), a ponteira Maren Brinker, que se aposentou da seleção neste ano de 2018, e Christiane Furst, lendária central que, em seu auge, chegou a ser considerada por muitos uma das melhores do mundo, tendo atuado no VakifBank, com o treinador, e no grande rival turco Eczacibasi.
Após a aposentadoria da seleção, algumas jogadoras criticaram Guidetti publicamente, entre elas a meio-de-rede Furst. A atleta, que deixou de defender a camisa alemã em 2016, disse que o treinador perdeu a confiança das atletas por causa de sua ausência constante e pela falta de comunicação com o plantel. O próprio presidente da Federação Alemã à época, Thomas Khrone, mencionou, em nota oficial sobre o desligamento do técnico, em 2015, que a confiança entre ele e o time havia sido minada e que a instituição buscaria um profissional que tivesse plena disponibilidade de tempo para a seleção (fazendo referência ao trabalho que ele já desenvolvia desde 2008 no VakifBank). Com a saída de Guidetti, o jovem treinador alemão Felix Koslowski, seu ex-assistente, assumiu o cargo.
À frente da equipe holandesa, Guidetti alcançou o quarto lugar na Rio 2016, um feito inédito para a seleção feminina daquele país
Guidetti, entretanto, logo arrumou outro emprego e foi anunciado, ainda naquele ano, como novo técnico da seleção holandesa, substituindo Guido Vermeulen. É inegável a importância do seu trabalho à frente da equipe dos Países Baixos, já que sob seu comando, a Holanda ganhou a prata no Campeonato Europeu de 2015, perdendo a final para a Rússia, e voltou a disputar uma olimpíada após vinte anos de ausência, alcançando o quarto lugar na Rio 2016 – o melhor resultado de todos os tempos para o time. Além disso, vale ressaltar que as europeias fizeram uma campanha bem consistente na competição, derrotando, por exemplo, as campeãs chinesas e a vice-campeã Sérvia na primeira fase dos Jogos.
Outra polêmica, contudo, surgiu envolvendo seu trabalho na seleção e no VakifBank: na temporada 2015/2016, ao escalar a oposta holandesa Lonneke Slöetjes como titular no clube no lugar da brasileira bicampeã olímpica Sheilla Castro, Guidetti foi acusado de favorecimento à jogadora europeia, que atuava com ele na seleção. No entanto, é preciso relativizar esta acusação uma vez que Slöetjes, que hoje é reconhecida como uma das melhores atacantes em sua posição no mundo, já vinha em uma crescente naquele ano, com atuações extremamente consistentes. Apenas para exemplificar, ela foi eleita a melhor oposta no Campeonato Europeu de 2015, no Campeonato Turco na mesma temporada e, na Rio 2016, foi a segunda maior pontuadora, com o terceiro melhor aproveitamento no ataque.
Ao final de 2016, no entanto, o mundo do vôlei levou um susto. Guidetti, que já havia assinado contrato com a Federação Holandesa até Tóquio 2020, pediu demissão do cargo de técnico, alegando motivos pessoais. O treinador, que é casado com a meio-de-rede turca Bahar Toksoy e havia se tornado pai de uma menina em setembro daquele ano, afirmou que necessitava se dedicar mais à família. Jogadoras como a própria Slöetjes e a ponteira Anne Buijs, ex-Sesc-RJ, se manifestaram demonstrando perplexidade e desapontamento com a decisão, mas compreenderam a necessidade do técnico permanecer mais tempo em Istambul com a família, se dedicando apenas do VakifBank. Ocorre que horas depois, no mesmo dia em que foi anunciado o pedido de desligamento da equipe holandesa, divulgaram a surpreendente notícia de que ele seria o novo comandante da seleção feminina da Turquia.
Como técnico da seleção feminina da Turquia, o treinador italiano tem realizado um trabalho de renovação que poderá render frutos a médio e longo prazo
A notícia caiu como uma bomba na seleção holandesa e, novamente, atletas vieram a público para criticá-lo duramente. A central Robin de Kruijf chegou a declarar que o técnico traiu suas comandadas e que o nascimento da filha foi apenas uma desculpa usada pelo técnico para se justificar, mas que o dinheiro tinha sido a verdadeira motivação para a tumultuada saída. Magoada, a jogadora ainda afirmou que o italiano poderia ter a sua permanência no clube ameaçada caso não aceitasse o convite da Federação Turca para treinar a seleção, uma vez que o VakifBank também era o patrocinador da equipe nacional.
Apesar de toda a turbulência, à frente da seleção turca, Guidetti tem implementado um relevante trabalho de renovação, apostando em jovens e promissores valores, como as talentosas Cansu Ozbay (armadora), Hande Baladin e Ebrar Karakurt (opostas) e Zehra Gunes (meio-de-rede), e na manutenção de atletas mais experientes, caso da passadora Meliha Ismailoglu, das líberos Simge Akoz e Hatice Örge e da central Eda Erden. E a equipe começa a colher frutos: apesar do mau resultado no último Campeonato Mundial, onde obtiveram o 10º lugar, as turcas tiveram um ótimo desempenho na 1ª edição da Liga das Nações, com um jogo acelerado e habilidoso. A performance acabou rendendo a prata na competição e o time bateu inclusive o Brasil por contundentes 3 sets 0 no Final Six, conquistando a vaga na final, quando perdeu para os EUA. Com grande potencial de crescimento, vale observar de que modo a seleção europeia chegará nos Jogos Olímpicos, em 2020.
Deste modo, polêmicas e importantes conflitos éticos à parte, Giovanni Guidetti mostra, a cada conquista, ser um treinador diferenciado que sabe montar equipes extremamente competitivas. Com uma carreira sólida e ainda em ascendência, o treinador tem potencial para atingir o ápice em sua trajetória com títulos ainda mais relevantes.
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.