Rara liderança feminina guia estreia do Vôlei Balneário na Superliga
Carolina Canossa
01/11/2018 06h00
Medalhista olímpica em Sidney 2000, Elisângela é a idealizadora e presidente do projeto (Fotos: Divulgação/VBC)
Vôlei feminino, mas só dentro de quadra: dos 12 times inscritos na Superliga 18/19, que começa no próximo dia 13, apenas seis mulheres atuam em posições de alto comando nos bastidores, como presidência e supervisão. Entre as exceções, uma novidade que vem de Santa Catarina: o Vôlei Balneário/Embraed, liderado por duas ex-jogadoras com passagens por diferentes categorias da seleção brasileira: Elisângela Oliveira e Ana Paula "Fofinha" Ferreira.
Idealizado pela oposta medalhista olímpica em 2000, o Vôlei Balneário teve ascensão meteórica no cenário nacional: em setembro do ano passado, o projeto era lançado com um viés social para atender jovens carentes na região de Londrina (PR). O sucesso na organização de um amistoso contra o então Vôlei Nestlé (hoje Osasco Audax) atraiu o interesse do grupo Positivo, que bancou a participação do time na Superliga B com jogadoras que estavam no extinto projeto de Rio do Sul. A equipe então encaixou e quadra e assegurou a vaga na elite nacional.
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"Não fiz curso de administração nem nada, foi tudo na raça", brinca Elisângela, que conta com a experiência de mais de 20 anos em quadra e amizades como a do técnico da seleção masculina, Renan Dal Zotto, gestor do bem sucedido projeto da Cimed na década passada, para aprender a atuar nos bastidores. "Ajuda bastante ter jogado, mas há muitas coisas burocráticas, como lidar com patrocinadores, a parte estrutural, federação, etc. É como ver o voleibol pela janela", define.
Para ajuda-la na empreitada, Elisângela chamou a também ex-jogadora Fofinha, sua amiga e contemporânea no vôlei, que curiosamente esteve do outro lado da rede na final da Superliga B, defendendo o Curitiba, campeão após vencer o rival regional no tie-break. E a primeira grande dificuldade não tardou a chegar, com o grupo Positivo desistindo de patrocinar a equipe na elite do voleibol brasileiro. "Aí a amizade contou bastante. A Elisângela disse que não poderia assumir a responsabilidade (de garantir a continuidade do time) e deixou em aberto. Mas, na hora, falei: "Temos que estar juntas nas coisas boas e ruins"", lembra Fofinha.
Ao lado do técnico Mauricio Thomas, elas conseguiram costurar um acordo de dois anos em Balneário Camboriú, com apoio do poder público local e patrocínio da construtora Embraed. Apesar de contar com alguns nomes conhecidos de quem acompanha vôlei, como a ponteira/oposta Ivna, a levantadora Pri Heldes e a ponteira Ariele, a expectativa inicial é manter a vaga na Superliga A e dar continuidade a um projeto local de base que já conta com 100 meninas.
"Agora é que vejo a importância que do setor do marketing, de como fazer pra esse time aparecer, sabendo que é um primeiro ano onde vamos mais perder que ganhar. É preciso ter cuidado, senão o projeto morre em um ou dois anos. As pessoas precisam ter a paixão pelo vôlei aqui em Balneário Camboriú da mesma forma que há em Osasco, por exemplo", afirma Elisângela.
LIDERANÇA FEMININA
Não bastassem as dificuldades inerentes a quem tenta fazer esporte olímpico no Brasil, Elisângela e Fofinha precisam lidar com um campo de trabalho repleto de homens, que eventualmente esbarram no machismo.
"É algo que está sendo quebrado, mas existe um preconceito de uma figura feminina em comissões masculinas", aponta Fofinha. "Mulher no meio de homens precisa estar o tempo inteiro provando sua posição: você tem que demonstrar que não é frágil, que tem palavra, que fala firme quando é preciso e que é decidida, para nunca darem a desculpa de que você é mulher. Tive que ter mais cuidado em relação à minha postura, preciso mostrar segurança em todos os momentos", relata.
Apesar de contar com nomes conhecidos no elenco, meta inicial da equipe catarinense é manter-se na Superliga A
A postura de liderança demonstrada desde quando jogava é justamente o apoio no qual Elisângela se finca para não ficar para trás por conta do gênero. "É preciso dar uma mesclada de não salgar e nem deixar faltar sal", explica a jogadora, que, apesar de nunca ter sentido um tratamento diferenciado, segue atenta. "É mais difícil, pois você tem que conscientizar os homens que a chefe deles é uma mulher. Mas também dei a sorte de ter a sorte de uma comissão técnica compreensiva aqui", complementa.
Para ela, o fato de haver poucas mulheres nos bastidores do esporte, mesmo o feminino, se deve à "falta de oportunidades". "A Virna mesmo tentou e não conseguiu fazer um time. Não é fácil: tem que botar a cara, correr atrás de patrocínio, falar com um cara que vai te apresentar para uma pessoa de outra empresa…", observa.
Grávida de cinco meses, Fofinha acrescenta que, de uma maneira geral, também é mais difícil para a mulher lidar com o distanciamento da família causado pelo esporte. "Você acaba viajando muito. Imagina-se mais o homem saindo e a gente ficando em casa, com os filhos", comenta. Até mesmo em relação à conciliação de sua gestação com questões profissionais, ela admite que está sendo mais fácil lidar justamente por contar com uma chefe mulher. "A Elisângela já teve filho e me senti muito mais confortável. Tenho certeza que, se fossem só homens, haveria desconfianças em relação à minha capacidade", analisa.
Por conta da proximidade da chegada do bebê, Fofinha deve gradativamente parar de viajar com a equipe, mas será substituída justamente por Elisângela, que diz gostar dessa proximidade com a quadra, "saber o que está acontecendo" com comissão técnica e jogadoras. O Vôlei Balneário/Embraed faz sua estreia na Superliga no dia 16 de novembro, encarando o atual campeão Dentil/Praia Clube em casa.
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.