Dante, André e Fabi: o adeus de três ídolos que engrandeceram o Brasil
Sidrônio Henrique
23/04/2018 06h00
Ver um ídolo deixar as quadras é inevitável com a passagem do tempo. Quando três deles dizem adeus no mesmo fim de semana, é impossível não lamentar a despedida ou lembrar suas conquistas, mas também perceber a grandiosidade do voleibol brasileiro. O ponta Dante Amaral, 37 anos, o oposto André Nascimento, 39, e a líbero Fabi Alvim, 38, encerraram a carreira de atleta. Cada um ressaltou o quanto a modalidade proporcionou a eles. A recíproca é verdadeira: os três deram muito ao vôlei, ajudando o Brasil a tornar-se ainda maior no cenário internacional.
Siga @saidaderede no Twitter
Curta o Saída de Rede no Facebook
Em comum entre eles, além do talento e das conquistas, o perfil discreto. Mesmo vivendo parte da carreira em meio ao furor das redes sociais, jamais pediram atenção. Não precisavam. Craques, reluziam dentro de quadra. A torcida certamente não os esquecerá. Não há como.
Dante: uma joia lapidada
Quando aquele menino magrelo, de 19 anos, chegou à seleção brasileira adulta, em 1999, era improvável pensar que estava ali alguém que seria um dos melhores ponteiros de todos os tempos. Central na época de infantojuvenil, havia se tornado oposto. No ano seguinte, na Olimpíada de Sydney, era titular da equipe comandada por Radamés Lattari.
O Brasil perdeu nas quartas de final – uma inesperada derrota para a Argentina – e o treinador caiu. Mas estava ali a base de uma geração que seria uma das mais vencedoras de todos os tempos. Dante era um deles.
Quando o técnico Bernardinho assumiu a seleção masculina em 2001, tratou de deslocar o jogador de 2,01m para a entrada de rede. Via nele muito potencial como ponteiro. Dante não sabia passar. Veio o ultimato: "Aprende ou não fica". E como ele aprendeu. Virou exímio passador. Tinhas deficiências no bloqueio, a ponto de Bernardinho brincar, dizendo que o atacante tinha medo de levar bolada. Com a ajuda do assistente Chico dos Santos, tornou-se um excelente bloqueador.
Dante parecia jogar sem esforço. Sua pipe era uma pintura. Na hora de passar, sequer dobrava direito os joelhos, mas a bola quase sempre ia até o levantador. Não era muito fã de treinos, assim como outro gênio das quadras, a russa Lioubov Sokolova. Coisa de quem esbanja talento.
Pela seleção, foi campeão olímpico (Atenas 2004) e conquistou três mundiais (2002, 2006 e 2010). Foi ainda prata nas Olimpíadas de 2008 e 2012. Tinha vários admiradores nas seleções adversárias, entre eles o levantador americano Lloy Ball, o técnico russo Vladimir Alekno e o ponta polonês Michal Kubiak. Este último, em entrevista ao Saída de Rede, disse que o brasileiro foi uma de suas referências. "O Dante era aquele cara que fazia tudo muito bem", afirmou Kubiak.
Disputou sua última temporada pela seleção em 2013, despedindo-se como vice-campeão da Liga Mundial. No ano seguinte, logo após a derrota para a Polônia na final do Campeonato Mundial, ainda no ginásio, Bernardinho lamentava não poder contar com o ponteiro, às voltas com uma lesão no joelho direito. O treinador até cogitou seu retorno, porém isso não ocorreu.
Dante brilhou, além do Brasil, nos campeonatos da Itália, da Rússia, do Japão e da Grécia. Encerrou a carreira no EMS Taubaté Funvic, na sexta-feira (20), após a derrota para o Sada Cruzeiro no quinto e último jogo da série semifinal da Superliga. Havia sido contratado para ser o primeiro reserva na entrada de rede. Com a lesão de Lucarelli, virou titular e correspondeu à altura.
André Nascimento: velocidade na saída de rede
O oposto canhoto André Nascimento foi mais uma cria do Minas Tênis Clube, agremiação que há décadas alimenta o voleibol brasileiro com talentos.
Quando em 2001 Bernardinho chamou para a seleção aquele oposto, de 1,95m, houve quem torcesse o nariz. "Quem é esse?", perguntavam os céticos. Canha, como é chamado pelos colegas, respondeu logo – na bola.
Seu entrosamento com o então levantador titular Maurício Lima ocorreu rapidamente. Mas foi a partir de 2003 que o mundo viu uma das duplas mais fantásticas num esporte disputado por seis de cada lado. A sintonia entre André e o levantador Ricardinho (que virou titular na reta final do Mundial 2002) era estupenda – como você pode conferir no vídeo abaixo.
Canha fugia do perfil tradicional do oposto. Tinha explosão, claro, mas a velocidade era sua grande arma. Seu saque potente era citado como exemplo por Bernardinho às vésperas da Rio 2016 – oito anos depois de André ter deixado a seleção.
No entanto, havia quem desdenhasse, mesmo na década passada, quando o brasileiro estava no auge da forma. Foi o caso do central americano Ryan Millar: "O Brasil tem um grande time, os resultados comprovam, mas não tem atacante definidor na saída de rede". Anota aí, Millar: Canha foi melhor atacante em diversas competições, incluindo a Liga Mundial 2001 e o Campeonato Mundial 2002, além de MVP na Copa dos Campeões 2005.
Com passagens pelas ligas da Itália, da Grécia e do Japão, André Nascimento despediu-se sábado (21) das quadras na Superliga B, como vice-campeão pelo Vôlei UM Itapetininga, ajudando o clube a ascender à elite para a próxima temporada.
Fabi: gigante em quadra
Fabiana Alvim de Oliveira foi peça fundamental nas duas maiores conquistas do vôlei feminino brasileiro: o bicampeonato olímpico (Pequim 2008 e Londres 2012). Muitos atletas sonham em participar dos Jogos Olímpicos. Fabi pertence ao seleto grupo dos que foram mais de uma vez e só conheceram o sabor do ouro.
Seu minguado 1,69m jamais foi empecilho para se destacar como uma gigante numa modalidade cada vez mais dominada por mulheres altas. Líbero, ela pertence ao nicho em que os pequenos (ou não tão grandes) comandam.
Surgiu na seleção adulta na conturbada passagem de Marco Aurélio Motta. Disputou o Mundial 2002, numa equipe boicotada pelas antigas estrelas e que, recheada de jovens talentos, ficou em um modesto sétimo lugar. José Roberto Guimarães assumiu o time em 2003 e Fabi seguiu sendo convocada, mas como segunda opção, depois de Arlene, que foi a Atenas 2004. A partir de 2005, ela se consolidou como dona da posição na seleção e se acostumou a ficar no pódio.
Numa posição cogitada a partir de meados dos anos 1980, testada em 1996 e oficializada em 1998, Fabi é menção obrigatória. Uma das melhores da história, ela pode até não ter tido a técnica mais refinada, mas carregava um componente que conquista qualquer treinador, seja qual for a modalidade: autoconfiança. Nos momentos mais críticos, Fabi nunca se apequenou. Isso fez a diferença muitas vezes na seleção e nos clubes.
Além de bicampeã olímpica, foi cinco vezes campeã do Grand Prix, duas vezes da Copa dos Campeões e ainda ouro nos Jogos Pan-Americanos, entre outros títulos. Vestiu a camisa da seleção pela última vez na Copa dos Campeões 2013. A partir de 2005 foi contratada pela equipe de Bernardinho (atual Sesc), onde somou dez títulos de Superliga e quatro sul-americanos.
Fabi fez sua despedida neste domingo (22), na derrota do Sesc para o Dentil/Praia Clube na final da Superliga. A exemplo de Dante e André Nascimento, ela não disse adeus com uma vitória, mas o resultado da derradeira partida desses craques pouco importa diante do muito que fizeram pelo voleibol. Todos eles têm lugar garantido na história da modalidade e na memória do torcedor.
Nós, que tivemos o privilégio de vê-los em ação, dizemos muito obrigado.
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.