Desconfiado, focado e polêmico: como Bernardinho se tornou uma referência
Carolina Canossa
12/01/2017 06h00
Foram tantas vitórias conquistadas ao longo de tantos anos que a decisão de Bernardinho em deixar de ser técnico da seleção brasileira masculina de vôlei virou motivo de lamento por grande parte dos torcedores. Mas, há 16 anos, quando ele foi escolhido para ocupar o cargo, a decisão da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) não parecia tão natural assim. Vejam só este recorde de jornal da época:
Atual dirigente da Funvic/Taubaté, Navajas é conhecido no meio do esporte por não ter papas na língua, característica que ficou ainda mais evidente nesta declaração porque era um dos principais candidatos ao posto de técnico da seleção. Fato é que ele conhece vôlei profundamente e, por mais que Bernardinho chegasse com a moral de ter dado à seleção feminina suas primeiras medalhas em torneios importantes, faltava ao ex-levantador maior bagagem no voleibol masculino. Até então, a experiência que ele acumulava na área era ter sido assistente técnico de Bebeto de Freitas na campanha que culminou com o quarto lugar em Seul 1988 e uma passagem pelo Modena, da Itália.
Em outras palavras, o desempenho dele na seleção masculina era uma incógnita. Para piorar, o time viveu uma péssima fase sob o comando de Radamés Lattari – o mesmo que curiosamente hoje é diretor de voleibol de quadra da CBV e foi um dos primeiros a ouvir a decisão de Bernardinho, com quem trabalhará de forma ainda mais próxima agora. Deu certo: contando com sete jogadores que haviam participado em Sydney 2000 da pior campanha brasileira em Olimpíada nos 24 anos anteriores, Bernardinho formou um time histórico que ganhou o ouro em Atenas 2004 jogando o fino da bola.
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Como superar essa desconfiança? Estudando, trabalhando, estudando, trabalhando, estudando e trabalhando. Workholic assumido, ele driblou o maior potencial físico dos adversários implantando um sistema de jogo de bolas rápidas. Considerado "maluco" por seu estilo acelerado, o então desconhecido levantador Ricardinho foi o motor desse processo. "Tinha gente insistindo que o vôlei não deveria ser feito daquele jeito. Mas o Bernardinho acreditou em mim", comentou o atleta em sua biografia.
Sete jogadores que participaram da campanha ruim em Sydney foram ouro em Atenas (Foto: Arquivo/Folha de São Paulo)
Na falta de uma extensa bibliografia sobre vôlei, o técnico passou a devorar e adaptar conceitos do futebol americano. "Para um treinador, a NFL é extremamente atraente e sedutora", declarou certa vez ao jornal "O Globo". A busca pela perfeição em cada um dos detalhes aliada à determinação em se aperfeiçoar e aperfeiçoar os atletas sob seu comando são as principais marcas técnicas do treinador. É famosa a história que ele colocou os jogadores da seleção para treinar em um estacionamento na Holanda, em 2003, quando se deparou com o ginásio fechado por conta de um feriado local.
Outra característica de Bernardinho é a desconfiança. Ciente de sua fama e até hoje desconfortável com tamanho assédio, Bernardinho passa a impressão de estar sempre alerta para evitar problemas. Jornalistas, por exemplo, são tratados com uma certa distância, independente do veículo para os qual trabalhem. Mesmo no auge, fazia questão de ressaltar que o sucesso poderia acabar a qualquer momento. Em caso de derrota, quase sempre só fala se for obrigado. Algumas vezes, porém, baixou a guarda, como no Mundial de 2014, onde pacientemente atendeu os poucos brasileiros que faziam a cobertura da competição e até detalhou certas táticas da equipe e adversários.
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Não por acaso, trabalha há anos com o mesmo grupo de profissionais, tais como os auxiliares Roberley Leonaldo (Rubinho) e Ricardo Tabach, o fisioterapeuta Guilherme Tenius, o médico Ney Pecegueiro e a estatística Roberta Giglio – destes, somente Rubinho não o acompanha no Rexona-Sesc, time feminino que comanda desde 1997, quando ainda era sediado no Paraná.
Mesmo com todos os cuidados, Bernardinho não escapa das polêmicas: a presença de seu filho, Bruno, na seleção principal é até hoje alvo de críticas dos detratores, cerca de dez anos depois da primeira convocação. O mesmo acontece com a "entregada" no Mundial de 2010, quando, prejudicados pelo regulamento, os brasileiros deram o troco em uma derrota pra lá de estranha contra a Bulgária. Atritos com nomes como o próprio Ricardinho, Serginho, Murilo, Sidão, também vieram a público.
Apaixonado por vôlei, Bernardinho quis permanecer como técnico da seleção – até por isso, pensou tanto antes de finalmente recusar o convite para seguir no cargo. Provavelmente perdeu horas de sono para tomar a decisão, mas acabou escutando a família. Continua firme e forte como técnico do Rexona, mas certamente terá que lidar com uma pressão bem menor do que a que conviveu nos últimos anos. Como conquistou tudo o que podia na seleção, não deve mais nada a ninguém. Se ficasse, estaria exposto a um caminhão de críticas na primeira derrota. Diante disto, acabou tomando a melhor decisão possível para si próprio.
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.