Fã de Serginho e Bruno, líbero dos EUA vê Brasil forte em todos os aspectos
Sidrônio Henrique
29/01/2018 06h00
Erik Shoji está na seleção principal dos Estados Unidos desde 2013 (foto: Daniel Bartel/USA Volleyball)
O voleibol parecia inevitável na vida do americano Erik Shoji. Ele nem lembra quando foi o primeiro contato. Os pais, ambos treinadores, costumam dizer que aos 2 anos Erik e seu irmão Kawika, então com 4, faziam da sala de estar da casa da família em Honolulu, no Havaí (EUA), uma quadra de vôlei.
Não bastasse os pais serem técnicos, a irmã Cobey, dez anos mais velha do que Erik, praticava a modalidade. Havia ainda em torno dele um tio e um primo que eram treinadores. "Desde pequeno, eu vivia no ginásio brincando com uma bola de vôlei. Mas jamais me forçaram a jogar, eu me apaixonei muito cedo por esse esporte. Foi algo natural para mim", contou o líbero da seleção americana, em entrevista ao Saída de Rede.
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Fãs dos brasileiros Serginho e Bruno Rezende, Erik Shoji, 28 anos, fez reflexões sobre seu jogo e, mesmo sendo considerado um dos melhores do mundo na posição, demonstrou resignação com a dificuldade que os líberos têm para se colocar no mercado. "Com as regras que limitam a participação dos estrangeiros nas principais ligas, os clubes tendem a priorizar mesmo a contratação de atacantes. Faz sentido", comentou o atleta, que já jogou na Áustria, na Alemanha, na Rússia e nesta temporada está no Latina, da Itália.
O Brasil, onde tem atuado pela seleção americana a cada ano desde que ascendeu ao time principal em 2013, é um lugar do qual tem boas lembranças. Além da medalha de bronze na Rio 2016, foi em Manaus que ele viveu aquela que chamou de "talvez a experiência mais marcante da minha vida".
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O respeito à seleção campeã olímpica, Shoji demonstra ao falar da equipe, que avaliou como completa. "O Brasil não é o número um do ranking mundial à toa. Os brasileiros são muito bons em todos os fundamentos". O ataque do oposto Wallace, por exemplo, ele considera "assustador".
Se o bronze conquistado na Olimpíada do Rio de Janeiro com uma virada sobre a Rússia o enche de orgulho, a derrota na semifinal para a Itália por 2-3 ainda o incomoda. Não é para menos: o time americano estava perto da final, quando o oposto italiano Ivan Zaytsev engatou uma sequência de saques devastadora. "Aquela é uma derrota difícil de superar. Eu poderia ter sugerido alguns ajustes na composição da nossa recepção, na divisão das zonas, mas não fiz. Penso nisso de vez em quando", lamenta o líbero, que não conseguiu passar os petardos de Zaytsev.
Confira a entrevista que o campeão da Liga Mundial 2014 e da Copa do Mundo 2015 concedeu ao SdR:
Saída de Rede – Seus pais eram treinadores. Você cresceu jogando voleibol?
Erik Shoji – O voleibol é realmente parte da nossa família. Meus pais, Dave e Mary, eram treinadores. Desde pequeno, eu vivia no ginásio brincando com uma bola de vôlei, assim como meu irmão Kawika e minha irmã Cobey. Tenho um tio e um primo que também são técnicos. Mas jamais me forçaram a jogar, eu me apaixonei muito cedo por esse esporte. Foi algo natural para mim.
Saída de Rede – Quando você começou a treinar regularmente, a posição já existia. Quando é que decidiu ser líbero? Pensou em ter outra função?
Erik Shoji – Dos 9 aos 18 anos, joguei em todas as posições, exceto central, por motivos óbvios. Adorava atacar. Porém, sempre soube que acabaria sendo um líbero por ser muito baixo. Eu me destaquei cedo, fui líbero nas seleções americanas infantojuvenil e juvenil.
Saída de Rede – O estado do Havaí, onde você nasceu e foi criado, é uma fonte constante de jogadores para a seleção. Quais são as principais diferenças do voleibol jogado lá, em estilo e técnica, em comparação com a parte continental dos Estados Unidos?
Erik Shoji – Esse esporte é definitivamente parte da cultura havaiana. É semelhante ao Brasil, onde as pessoas jogam na praia ou nos parques. O clima é perfeito para o voleibol em qualquer lugar no Havaí. No que diz respeito ao jogo, as crianças havaianas geralmente são um pouco menores do que as do continente. Devido a isso, treinamos mais aspectos como recepção e defesa, e aprendemos a vencer equipes simplesmente fazendo o jogo seguir, apoiados no nosso controle de bola. Isso realmente me ajudou porque eu me tornei um líbero, não sou um jogador alto (tem 1,84m) ou forte. Sempre tive que confiar na minha habilidade e no meu conhecimento para melhorar.
Saída de Rede – Para você, quem foram os maiores jogadores que o Havaí revelou para a seleção americana?
Erik Shoji – Os atacantes Jon e Clayton Stanley (pai e filho, respectivamente), mais altos e mais fortes do que a média dos jogadores havaianos, e também as levantadoras Robyn Ah Mow-Santos e Lindsey Berg. Todos eles foram aos Jogos Olímpicos, eram grandes atletas e são ótimas pessoas também.
Saída de Rede – Você joga na seleção principal dos Estados Unidos desde 2013. Qual foi a sua melhor temporada até agora?
Erik Shoji – Para ser sincero, não tenho certeza de qual foi meu melhor período. Todos os anos tivemos algumas mudanças. No ano passado, por exemplo, tivemos uma seleção renovada, para que novos atletas ganhassem experiência e fossem avaliados. Cada ano foi diferente, com vários companheiros de equipe e competições distintas. Tudo isso interfere no meu jogo, então fica difícil fazer essa autoavaliação. Agora, se eu levar em consideração o quanto trabalhei, quanto tempo fiquei concentrado com a seleção, 2016 foi o meu melhor ano. E ainda ganhei uma medalha olímpica.
Saída de Rede – A seleção americana esteve muito perto de chegar à final na Rio 2016, quando o oposto italiano Ivan Zaytsev teve aquela sequência no saque no final do quarto set. Sendo um dos responsáveis pela linha de passe, como você analisa a virada italiana? Aquela partida ainda te incomoda?
Erik Shoji – Aquela é uma derrota difícil de superar. Zaytsev é um jogador fora de série, especialmente quando está sob pressão. Ele reverteu o placar e jogou a pressão sobre nós. Infelizmente, não soubemos lidar com aquilo. Eu poderia ter sugerido alguns ajustes na composição da nossa recepção, na divisão das zonas, mas não fiz. Penso nisso de vez em quando. No entanto, foi incrível como nos recuperamos e, dois dias depois, vencemos a Rússia de virada na disputa da medalha de bronze.
[Nota do SdR: Ivan Zaytsev sacou cinco vezes seguidas para empatar, virar e fechar o quarto set, de 20-22 a 25-22. Os EUA permaneceram com três jogadores na recepção. O técnico John Speraw não alterou a composição. O ponta/oposto Matt Anderson (jogou na saída na Rio 2016), um bom passador, poderia ter ampliado momentaneamente a linha de recepção, diminuindo a área para os demais, aumentando as chances do time receber o serviço naquela sequência. Os dois primeiros saques de Zaytsev foram sobre o ponta Taylor Sander, que não conseguiu passar. Os três últimos foram sobre Shoji, que decidiu cobrir uma área ainda maior do que já teria e também falhou.]
Saída de Rede – Depois da eliminação na segunda fase do Campeonato Mundial 2014, qual é a sua expectativa para o Mundial 2018? Os EUA vão encarar um grupo forte, com Rússia e Sérvia.
Erik Shoji – Em 2014, na Polônia, a gente estava a um set de chegar à terceira fase, o top 6. Acabamos perdendo aquele jogo para a Argentina. Vamos para uma medalha este ano, mas vai ser muito difícil. O formato do torneio é complicado porque os pontos da primeira fase são transferidos para a segunda. Nossa chave é bastante difícil, teremos que jogar o nosso melhor para ficar na primeira colocação do grupo.
Saída de Rede – Além da Itália, cujo jogo encaixa com o de vocês e tem sido um obstáculo no caminho dos americanos em vários torneios importantes nesta década, quais são as seleções mais difíceis para a equipe dos EUA?
Erik Shoji – O Brasil não é o número um do ranking mundial à toa, é um time muito forte, complicado de se enfrentar, com um jogo consistente, com poucos erros. Outra coisa que me impressiona nos brasileiros é que são muito bons em todos os fundamentos. A França exige demais de qualquer adversário, pois é sólida na defesa, tem bastante controle de bola, trabalha bem no contra-ataque. Essas duas seleções são oponentes bem difíceis.
Saída de Rede – O limite de estrangeiros nas grandes ligas, como a italiana e a brasileira, para citar apenas duas, faz com que os clubes priorizem os atacantes, depois os levantadores, deixando os líberos por último. Embora você seja um dos melhores na posição, nunca jogou em um time de ponta. Quando foi para o russo Lokomotiv Novosibirsk, que havia sido campeão da Champions League três anos antes, a equipe já não tinha o mesmo poderio. Agora joga no italiano Latina, que é um time modesto. Essa situação te aborrece?
Erik Shoji – É difícil mesmo para um líbero se colocar no mercado, é raro que esteja entre as prioridades quando se pensa em contratar alguém de fora. Com as regras que limitam a participação dos jogadores estrangeiros nas principais ligas, os clubes tendem a priorizar a contratação de atacantes. Faz sentido, é como o mercado funciona. O que eu tenho que fazer é trabalhar para jogar o melhor que posso e continuar a evoluir. Fui muito feliz em cada clube onde joguei, em diversos países, trabalhei muito duro em cada um deles. Eu adoraria jogar no Brasil. A liga é tão forte e os jogadores da seleção brasileira são muito legais, mas sei que o limite de estrangeiros é um fator complicador. Talvez um dia, quem sabe.
Saída de Rede – Treinadores do Brasil e da Europa fizeram, a pedido do blog, algumas observações a seu respeito. Apontaram a leitura do jogo como sua principal habilidade, além do passe muito consistente, assim como a defesa na posição 6. Para eles, suas maiores fraquezas seriam o levantamento e uma certa dificuldade de defender na posição 5. Você concorda com essa avaliação?
Erik Shoji – Quero saber agora quem são esses técnicos (risos). Eu concordo, sim. Além de treinar muito passe e defesa, me dedico também para levantar melhor, com mais precisão. Agora, defender na paralela pode ser perigoso. Imagina ficar de frente para o Wallace, ele vindo com tudo, fugindo do bloqueio… É assustador (risos).
Saída de Rede – Quem te inspirou? Teve um ídolo na posição?
Erik Shoji – Três líberos me vêm à mente. Os americanos Erik Sullivan e Rich Lambourne, e o melhor libero de sempre, Serginho. Erik e Rich foram mentores para mim na seleção, cresci vendo-os jogar. Eles são ótimos e sempre compartilharam muito conhecimento comigo. O Serginho é simplesmente incrível. Ele faz coisas com as quais só posso sonhar. Sempre foi uma honra jogar contra ele.
Saída de Rede – Quem são os seus jogadores preferidos?
Erik Shoji – Os meus companheiros de seleção são fantásticos. Além deles, admiro muito o Bruno Rezende e o (argentino) Luciano De Cecco. Ambos fazem coisas incríveis e elevam o nível de jogo de suas equipes. Gosto demais deles porque não são somente grandes levantadores, são muito bons também nos outros fundamentos.
Saída de Rede – E seus líberos favoritos hoje em dia?
Erik Shoji – O (francês) Jenia Grebennikov e o (polonês) Pawel Zatorski. Eles têm estilos diferentes entre eles, mas os dois são sólidos tanto na recepção quanto na defesa. Alguns dos lances que esses caras já proporcionaram são simplesmente extraordinários.
Saída de Rede – De todos os treinadores que você teve, quais te influenciaram mais e por quê?
Erik Shoji – Tenho sorte, todos os treinadores que tive me influenciaram positivamente. Além do meu pai, diria que o meu treinador no ensino médio, Peter Balding, teve uma grande influência sobre mim, lembro disso com clareza. Quando eu tinha 15 anos era muito preguiçoso e não entendia que poderia fazer a diferença no time como um líbero. Ele me incentivou para que eu melhorasse o meu jogo, mas também para que jogasse de forma a me tornar uma influência positiva ao meu redor. Essa energia e entusiasmo que eu demonstro em quadra vêm dos ensinamentos de Balding.
Saída de Rede – Você pensa em se tornar técnico quando encerrar a carreira de jogador? Colocou no ar em novembro passado um site de consultoria de vôlei. Conta como nasceu essa ideia, como tem sido o retorno até agora.
Erik Shoji – Não sei se vou ser técnico mais tarde. O site Erik Shoji Volleyball Consulting foi criado para atender principalmente jovens. Eu adoro jogar e treinar voleibol, então decidi abrir o site e criar essa consultoria para chegar até os jogadores mais novos e ajudá-los a evoluir. Ofereço três pacotes (valores em dólar). Até agora está indo bem, muita gente tem me enviado e-mails, estou achando ótimo. Atendo atletas do mundo todo, desde que me escrevam em inglês. Enviam vídeos, aí assisto mais de uma vez, avalio detalhadamente e respondo. Faço recomendações sobre formas deles melhorarem o jogo. Pode ser individual ou uma equipe.
Saída de Rede – Seu pai, Dave, parou de trabalhar em 2017 após 42 anos como treinador no Havaí. Ele ainda exerce muita influência sobre você? A avaliação dele, por ser a de um profissional, te deixa nervoso?
Erik Shoji – Recentemente, ele e minha mãe estiveram aqui na Europa por cinco semanas e ficaram um tempo comigo e com meu irmão (Kawika, levantador do Monza, na liga italiana). Às vezes meu pai me dá alguns conselhos e eu lido bem com isso. É normal porque ele foi técnico e não consegue deixar de analisar o jogo. Mas agora ele é mais um fã. Ele gosta muito de ver a seleção e até nos ajuda nos treinos, quando tem chance.
Saída de Rede – Além da seleção, você jogou ao lado do seu irmão Kawika (levantador reserva dos EUA) em alguns times. Faz diferença para você a presença dele em quadra?
Erik Shoji – Jogamos dois anos juntos na Universidade de Stanford, na Califórnia, depois tivemos uma temporada em Berlim (Berlin Recycling), na Alemanha, e outra em Novosibirsk (Lokomotiv Novosibirsk), na Rússia. Amo jogar com o meu irmão. Nós nos conhecemos tão bem dentro e fora da quadra que as coisas fluem naturalmente. Adoro quando estamos juntos numa partida.
Ao lado do levantador Micah Christenson, também havaiano, durante passeio no rio Amazonas (Reprodução/Instagram)
Saída de Rede – Soube que vocês dois sofreram bem mais do que esperavam com o frio de até 45 graus Celsius negativos do inverno siberiano em Novosibirsk. Como foi essa experiência?
Erik Shoji – Aquele foi definitivamente o lugar mais desafiador em que já vivi, por causa do frio intenso e da neve. Não parava de nevar. O que era aquilo? Somos do Havaí, não estávamos no nosso habitat natural (risos). Mas o clube foi sensacional, nos deu roupas de inverno apropriadas para o clima da Sibéria, ficamos bem aquecidos, isso ajudou muito. A cidade de Novosibirsk (a terceira maior da Rússia) é agradável. Apesar do frio congelante, eu gostei de ter tido aquela experiência.
Saída de Rede – Desde que você chegou à seleção principal dos EUA, veio ao Brasil todos os anos. Houve alguma experiência ou história marcante aqui, além dos Jogos Olímpicos?
Erik Shoji – Amo jogar no Brasil. Os fãs são incríveis, a atmosfera é fantástica. No ano passado, houve um amistoso em Manaus. Numa manhã de folga, tivemos a oportunidade de fazer um passeio pelo rio Amazonas e comer comida típica. Cara, aquilo foi inesquecível. Talvez a experiência mais marcante da minha vida, considerando todos os lugares em que eu estive. Conhecer o rio Amazonas, um pouco da cultura local… Tudo tão lindo. Eu fiquei muito emocionado. Claro que a Olimpíada no Rio de Janeiro me tocou também, foi outro momento importante da minha vida e que se passou no Brasil. Gosto demais daí.
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.