Histórias contadas em cliques: os fotógrafos do vôlei
Sidrônio Henrique
05/01/2018 06h00
Nenhum brasileiro que goste de vôlei fica indiferente à imagem acima. Mesmo que não tivesse nenhuma legenda, o fã da modalidade a associaria àquele que é um dos momentos mais sublimes do voleibol brasileiro: a conquista do primeiro ouro olímpico da seleção feminina. A comemoração de um ponto pela MVP de Pequim 2008, Paula Pequeno, captada pela lente do fotógrafo Wander Roberto, é icônica – remete, por meio da alegria da melhor jogadora do torneio, a um triunfo que mudou a história do vôlei feminino do Brasil. É a força da fotografia. Sem ela, a notícia perde impacto.
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À beira da quadra, em alerta, à espera do momento ideal, até mesmo colocando o equipamento em risco ou podendo ser atingido por uma bolada, os fotógrafos estão na linha de frente na cobertura do voleibol. Enquanto os repórteres estão mais atrás, instalados numa bancada, e as equipes de TV muitas vezes narram do estúdio, os profissionais da fotografia ficam logo ali, bem perto da ação. Em geral, nos grandes torneios, eles carregam de duas a três câmeras, levando de seis a oito lentes, além de um laptop – o peso disso tudo fica em torno de 20 quilos.
Desafios da atividade, situações engraçadas, perrengues, laços com algumas equipes, ginásios favoritos, laptops destruídos, um quase nocaute e até caso de polícia… O Saída de Rede conversou com profissionais da Europa, dos Estados Unidos e do Brasil, e traz, além de imagens selecionadas por eles, histórias de quem fotografa o que há de melhor no voleibol indoor.
Luz
A primeira coisa que qualquer fotógrafo verifica em um ginásio é a luz. "Se a iluminação é boa, você coloca em prática toda sua criatividade", diz a fotógrafa alemã Conny Kurth, considerada uma das melhores do mundo na cobertura da modalidade e que vai aos principais torneios como profissional da Federação Internacional de Vôlei (FIVB) desde 2009. Ela é uma das poucas mulheres que fotografam as grandes competições.
Mas tanto aqui quanto lá fora, a reclamação sobre a qualidade da iluminação nos ginásios é comum. "Quase sempre a luz é ruim", comenta o americano Matt Brown, que cobre diversos esportes ao redor do mundo e faz fotos para a revista Sports Illustrated. "A falta de luz ideal nos nossos ginásios é a principal dificuldade que enfrentamos hoje. Somente quando há grandes torneios internacionais, como Liga Mundial, Jogos Pan-Americanos ou Jogos Olímpicos, é que encontramos as condições perfeitas para o nosso trabalho", lamenta Wander Roberto. "Com a luz você consegue congelar e dar mais nitidez nas fotos de jogadas", explica o colega Márcio Rodrigues.
Ambiente
A atmosfera do ginásio é outro fator decisivo. O nível das fotos não depende somente do que se passa dentro da quadra. "Sem um ambiente legal, agitado, arena pelo menos quase cheia, fica difícil produzir um material que seja marcante. Aí o profissional tem que apelar para outros recursos, fechar as imagens, para não entregar algo ruim", afirma o sérvio Nenad Negovanovic, outra referência entre os fotógrafos que cobrem voleibol, também a serviço da FIVB, a exemplo da Conny.
"Quanto maior o número de torcedores, mais bonitas ficam as fotos", diz Guilherme Cirino, que em 2017 cobriu as finais da Superliga e da Liga Mundial para o SdR. "Eu adoro fotografar em ginásios cheios. Isso gera melhores fotos não apenas como fundo para as ações, mas também por injetar ânimo na partida", observa o americano Daniel Bartel, que acompanha a seleção masculina do país dele. "Mesmo que a jogada seja linda, cadeiras vazias ao fundo matam uma foto, fica muito feio", completa Conny Kurth.
De cima para baixo, da esquerda para a direita: Matt Brown, Bartek Muszynski, Nenad Negovanovic, Orlando Bento, Conny Kurth, Daniel Bartel, Wander Roberto, Márcio Rodrigues e Guilherme Cirino (arquivo pessoal)
Desafios
É complicado produzir boas fotos de voleibol? "O vôlei indoor é um dos esportes mais desafiadores para se fotografar. É um jogo com movimentos muito rápidos. Existem várias dificuldades que vão desde a iluminação insuficiente na maioria das arenas até a rede atrapalhando o foco. A alta velocidade da bola exige muito de você. É realmente complicado obter uma foto razoável no vôlei", opina Márcio Rodrigues. Para ele, a modalidade tira qualquer fotógrafo esportivo experiente da zona de conforto. "Não conheço um profissional que diga que fotografar um jogo de vôlei seja moleza".
A repetição constante das ações é uma vantagem, ressalta Conny Kurth. "Você não precisa esperar tanto por um momento, que talvez até não venha, como é o caso do gol no futebol", pondera a alemã, que cobre essa outra modalidade em seu país. A velocidade das jogadas é um aspecto que dificulta o trabalho, diz ela, em consonância com o colega brasileiro.
Márcio Rodrigues aproveita a luz do ginásio em Zurique, em partida do Mundial de Clubes Feminino 2013
Profissão: perigo
Se até o torcedor, em ginásios menores, está sujeito a ser acertado pela bola, imagine os fotógrafos e seu material de trabalho. "Já levei bolada durante aquecimento, mas nunca tive equipamento danificado. Insisto em dizer que o fotógrafo deve proteger primeiro o equipamento. Dor física passa logo, já a dor no bolso, por ter uma lente ou máquina quebrada, demora muito mais. Às vezes demora 12 parcelas, é bem pior", brinca Wander Roberto, veterano de quatro Olimpíadas, começando em Atenas 2004.
Alguns têm menos sorte. É o caso do Márcio Rodrigues. "Tive meu equipamento roubado cobrindo o Mundial de Clubes Feminino, em 2013, em Zurique. Acho que sou a única pessoa que sofreu furto na Suíça (risos). Nunca fui roubado no Brasil. Uma ironia que me custou mais de 10 mil dólares".
Em sincronia, como mostra Guilherme Cirino, jogadores brasileiros aguardam o resultado do video check
Sabe o Guilherme Cirino, parceiro do SdR? Quase foi nocauteado. Cobria uma partida da Superliga no Ginásio do Riacho, em Contagem (MG), no ano passado. Durante o aquecimento, enquanto ajustava o equipamento, levou uma bolada no rosto depois de uma cortada do ponteiro Yoandy Leal, do Sada Cruzeiro. "Nossa, como doeu. Fiquei zonzo", relembra Guilherme.
O polonês Bartek Muszynski, que cobriu em 2017 para o SdR o Europeu de seleções e o Mundial de clubes, ambos masculinos, escapou por pouco de Yoandy Leal. "Eu trocava de lente no primeiro set da semifinal entre Zenit e Sada, quando vi o Leal correndo na minha direção. Foi aquele lance em que ele acertou uma câmera de TV. Eu estava ao lado e consegui me afastar".
Matt Brown diz que já teve equipamento danificado. "Mas não foi por descuido. É que às vezes, para fazer aquela foto que acha que vai ser especial, você corre alguns riscos".
Nenad Negovanovic faz piada com seu prejuízo. "Voleibol é um esporte muito perigoso para laptops. Já perdi dois, completamente destruídos. Nem lembro quem foi, só da minha raiva mesmo". Sua colega Conny já perdeu um também graças a um ataque do italiano Alessandro Fei, durante uma partida da Champions League.
"Já derrubei lente ou câmera correndo ao redor da quadra para pegar um lugar melhor, já fui atingido por vários jogadores, mas ainda bem que nunca aconteceu nada mais sério", conta Daniel Bartel. "Uma vez, me equilibrei em cima de uma passarela velha, nada segura, no teto de um ginásio na cidade de Dallas. Tudo isso para fazer uma foto que eu queria muito", acrescenta.
Efeito de luz e sombra na largada da atleta universitária nos EUA, momento captado com sutileza por Matt Brown
A rede e os levantadores
Além da luz, do ambiente, da velocidade do jogo, os fotógrafos precisam lidar ainda com dois importantes fatores: a borda superior da rede e os levantadores. "A parte de cima da rede cortando o rosto é recorrente. Se as fintas enganam o bloqueio adversário, imagine quanto aos fotógrafos. Sou enganado o tempo todo. O ideal é acompanhar os treinamentos do time e conhecer as principais jogadas. Tudo isso faz parte do desafio da fotografia no voleibol", comenta Márcio Rodrigues.
O sérvio Nenad endossa: "De vez em quando caio na finta dos levantadores. Me preparo para clicar uma jogada e sai outra, aí perco o lance". Como ele cobre torneios mundo afora, pergunto quem são os que fintam melhor. Ele desconversa. "Tem muito levantador bom, mas quem me enganou mais foi meu jogador favorito, Nikola Grbic", afirma, citando um compatriota, atualmente técnico da seleção masculina da Sérvia.
Para Orlando Bento, fotógrafo do Minas Tênis Clube, a borda superior da rede é um dos itens que mais estragam um clique. "Precisamos ficar atentos para que o atacante ou o bloqueador não tenham o rosto coberto pela fita".
"Desce daí agora"
Você já sacou que vida de fotógrafo é difícil. Agora, imagine quase ir parar numa delegacia de polícia. Aconteceu com a Conny Kurth, no Mundial feminino 2014.
"Eu estava trabalhando na cidade de Trieste. O ginásio era muito bom e havia chance de subir no teto para fotografar, algo que eu simplesmente adoro. Era por meio de uma passarela, mas tinha que ser na companhia de um funcionário do local e vestindo um equipamento de segurança. Fui lá várias vezes na primeira rodada. No segundo dia, como não encontrei ninguém do ginásio que pudesse me acompanhar, resolvi subir sozinha e sem o equipamento de segurança. É claro que me viram. A polícia foi chamada e subiu até lá para me buscar. Veio a ordem aos berros: 'Desce daí agora'. Pediram minha identidade, queriam me levar com eles. O jogo rolando. Até que alguém da organização do Mundial apareceu e conseguiu me liberar", conta a simpática alemã. Ela não subiu mais no teto do ginásio em Trieste.
Emoção
Porém, nem só de perrengues, boladas e equipamentos danificados vivem esses profissionais. Cobrindo voleibol desde 2002, Nenad Negovanovic diz que um dos momentos mais emocionantes da sua carreira foi durante a Rio 2016. "Ver o Maracanãzinho em peso apoiar a seleção feminina da Sérvia na semifinal e na final foi algo especial".
Wander Roberto sofreu ao trabalhar na cobertura da semifinal feminina em Atenas 2004 entre Brasil e Rússia, aquela da fatídica virada, em que o time de José Roberto Guimarães desperdiçou sete match points. Para compensar, três dias depois viu a seleção masculina conquistar o ouro sobre os italianos.
Ele grita, gesticula, puxa a camisa, parece que vai morder a bola, mas Conny Kurth esperou até conseguir um olhar que exprimisse toda a tensão de Bernardinho contra a França, na semifinal do Mundial 2014
Márcio Rodrigues acompanhou o primeiro título de Bernardinho com a seleção masculina. "Na Liga Mundial 2001, eu era o fotógrafo oficial da seleção, que foi campeã na Polônia. Foi um privilégio ver de perto aquela equipe, era uma galera muito gente boa, tanto no time quanto na comissão técnica". Ele lamenta não ter guardado fotos da época.
Ex-jogadora ("com apenas 1,70m e pouco talento não passei da terceira divisão alemã"), amiga de grande parte dos atletas das seleções do seu país, Conny Kurth foi às lágrimas quando viu o oposto Georg Grozer aos prantos, depois de garantir a classificação para Londres 2012 – ir aos Jogos Olímpicos era um sonho antigo do atacante. "Tratei de esconder meu choro atrás da câmera, enquanto fotografava ele e o (Jochen) Schöps. Eu acompanho as seleções alemãs há tantos anos, conheço a maioria deles desde as categorias de base. O bronze no Mundial masculino 2014 foi outro momento especial", recorda Conny, que começou a cobrir o vôlei como repórter em 2002, tornando-se fotógrafa quatro anos depois.
O oposto sérvio Ivan Miljkovic explode de alegria após vencer a Polônia na semifinal da Liga Mundial 2005, num clique de Nenad Negovanovic
Ginásios favoritos
Preocupados com a luz, a atmosfera e obviamente com a qualidade da conexão de internet para transmitir as fotos, alguns profissionais apontam seus locais favoritos de trabalho. E há quem se apegue a determinadas arenas.
"Aqui no Brasil, os melhores são a Jeunesse Arena, no Rio, o José Liberatti, em Osasco, e o ginásio do Minas Tênis Clube, em Belo Horizonte", afirma Wander Roberto.
O saque de Wallace pelo Taubaté e a tensão da torcida do Sesi, numa foto excepcional de Wander Roberto, que tirou proveito do contraste de cores
"Eu tenho meu top 3: o Ginásio Metropolitano, em Tóquio, a Spodek Arena, em Katowice (Polônia), e o PalaLottomatica, em Roma. O design e a luz daquele ginásio antigo no Japão são incríveis, eu amo aquilo. Na Spodek e no PalaLottomatica é a atmosfera que é diferente, são lugares com muita história. Acho chatas essas arenas novas, que parecem todas iguais e não têm charme. O Maracanãzinho, no Rio, me lembra os ginásios de Katowice e de Roma, carrega muita história", conta Conny Kurth.
Bartek Muszynski destaca a luz e os traços da moderna Tauron Arena, em Cracóvia, na Polônia – o ginásio foi construído para o Mundial masculino 2014.
Para Márcio Rodrigues, o Maracanãzinho, palco do voleibol na Rio 2016, entre outros grandes eventos da modalidade, que incluem três finais da Liga Mundial (1995, 2008 e 2015), o vôlei no Pan 2007 e os Mundiais 1960 e 1990, é espetacular. "Tem também o Nilson Nélson, em Brasília, que é legal, e ainda a Jeunesse Arena, no Rio", lista o fotógrafo. "A Spodek, em Katowice, é um ícone", completa Márcio, derretendo-se pelo antigo ginásio em forma de disco voador (Spodek significa disco em polonês), inaugurado em 1971.
Confira mais alguns cliques desses profissionais:
Os EUA derrotam o Brasil na Rio 2016 e o ponta Aaron Russell manda o Maracanãzinho calar a boca, num flagrante de Guilherme Cirino
Daniel Bartel aproveitou o canhão de luz na entrada dos atletas em quadra para fazer esta excelente foto de Benjamin Patch
Atletas do Sada Cruzeiro extravasam logo após a conquista da Superliga 2016/2017, foto de Guilherme Cirino
William, Serginho e Lipe emocionados com o ouro no pódio da Rio 2016, num momento captado por Conny Kurth
Conny também fez essa imagem da alegria chinesa logo após a conquista do ouro sobre a Sérvia na Rio 2016
Lanza salva a bola, mas Guilherme Cirino conseguiu uma imagem diferente ao focar na tensão da torcida
León (Zenit) não dá chance a Sokolov (Civitanova), como mostrou Bartek Muszynski na final do Mundial de Clubes 2017
O simples pode ser bonito, ensina Matt Brown, que fez essa foto durante um ataque sem muito alcance numa partida entre Porto Rico e República Dominicana
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.