Situação financeira da CBV é preocupante, indica especialista
Carolina Canossa
22/11/2017 06h00
Não temos a menor dúvida que vocês, caros leitores do Saída de Rede, querem mesmo é saber de saques, recepções, levantamentos, ataques e defesas. Porém, para que o Brasil siga como referência no vôlei, é preciso que longe das quadras os números também sejam admiráveis. Não, não estamos nos referindo às estatísticas, mas sim à capacidade financeira da CBV.
A pedido do SdR, o especialista em contabilidade Jorge Eduardo Scarpin analisou o último balanço financeiro da modalidade. Dono de uma competência inquestionável, Scarpin é doutor em contabilidade pela USP e professor da Concordia College, nos Estados Unidos, além de professor licenciado da UFPR – no ano passado, ele já havia feito trabalho semelhante para o blog.
A conclusão de Scarpin é preocupante: apesar de uma pequena melhora recente, a situação financeira da CBV pode se agravar bastante neste início de ciclo olímpico. "A tendência para o ano de 2017 não é nada boa. Se levarmos em consideração que haverá uma queda de 20 milhões no patrocínio, além de uma forte diminuição na captação de recursos via convênios, não será surpresa alguma se no próximo balanço os números vierem iguais ou até inferiores do que 2015, o pior ano da série histórica", afirma o especialista.
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Procurada, a CBV assegura que já está trabalhando para evitar que isto ocorra: "Garantimos a renovação de contrato com seus patrocinadores, o que deixa a entidade com uma maior segurança para garantir a preparação de todas as seleções para o próximo ciclo olímpico. Além disso, há a captação de novos patrocinadores, já com alguns contatos em andamento, e ainda foi feita uma revisão orçamentária no intuito de reduzir gastos".
Se isto vai, de fato, acontecer, só o tempo dirá. Torcemos para que sim, afinal uma CBV financeiramente saudável se reflete em seleções com boas condições de preparação para os torneios internacionais e clubes bem respaldados.
Confira abaixo a análise do professor Scarpin em detalhes:
2016 foi um ano de aparente recuperação na CBV. A situação que era de constante melhora desde 2010 e que teve uma grande piora em 2015, deixou de se deteriorar, apresentando melhora em diversos pontos. Entretanto, em outros aspectos o panorama é um pouco preocupante visando o futuro. Para a análise ficar mais completa, vamos separá-la em grandes pontos, considerando o ano de 2016 e comparando com os anos imediatamente anteriores
1. Endividamento
Apesar do bom nível de contabilidade da entidade, pela própria característica da CBV e de outras confederações esportivas que é trabalhar com convênios, os balanços ficam um pouco confusos e um ajuste precisou ser feito para fins de análise. Tal procedimento é relativamente comum, pois a visão de um analista é diferente da visão interna de uma empresa.
O ajuste refere-se ao recebimento antecipado de verba com convênios. É o caso de uma empresa injetar 20 milhões de reais para um projeto específico em 2016, mas o gasto será apenas em 2017. Isso faz com que a CBV tenha dinheiro, mas que não possa gastá-lo, pois o dinheiro é exclusivamente para tal projeto. E, enquanto este projeto não é executado, se considera uma dívida (passivo), visto que, se a CBV não gastar o dinheiro no projeto específico, este valor precisa ser devolvido. É o que chamamos, normalmente, de "dinheiro carimbado". Para efeitos de análise, é altamente recomendável que este "dinheiro carimbado" seja excluído dos balanços, pois dá uma falsa sensação de haver muito dinheiro em caixa e também uma quantia enorme de dívidas.
Para chegarmos ao valor total das dívidas da CBV, deve-se somar o Passivo Circulante (dívidas já vencidas ou que vencem no ano de 2017) e o Passivo não Circulante (dívidas que vencem após 31/12/2017). Considerando os valores reclassificados, observa-se um montante de dívidas de R$ 7.723.582, um valor alto, porém abaixo de muitas confederações menores, como a CBB (Confederação Brasileira de Basquete), por exemplo.
Esse volume de dívidas traz uma informação relevante, pois houve uma queda no seu número em 2015, mas um novo crescimento em 2016. Entretanto, a melhoria não foi tão grande como em 2014.
Olhando o gráfico, a primeira conclusão é termos valores erráticos, sem uma tendência pré-definida. Entretanto, se considerarmos a série 2012, 2013, 2015 e 2016, podemos ver uma tendência de alta, tendo 2014 como um ano atípico, com um crescimento anormal das dívidas.
Entretanto, analisar só a dívida não é suficiente. Sempre que olhamos o endividamento, temos que comparar o volume de dívidas com os bens que uma entidade possui para pagá-las. Em balanços de empresas normais, como Vale do Rio Doce, Embraer, Pão de Açúcar, etc, veremos um volume de dívidas muito alto, porém, como os bens que possuem são maiores ainda, tal fato passa a ser relativizado.
No caso da CBV, houve uma melhora nos números o ano de 2016. Em uma empresa saudável, o volume de dívidas (endividamento) não deve superar 66% (2/3) do seu volume de bens e direitos (ativos). Na CBV, depois de péssimos números e 2009 e 2010 a situação começou a ficar sob controle a partir do ano de 2011, principalmente até o ano de 2013. Em 2014 o número teve uma leve piora e em 2015 a piora foi significativa. Já em 2016, voltou a melhorar, ficando no limite entre uma entidade saudável e uma entidade altamente endividada, como pode ser visto a seguir:
Aqui temos um comportamento parecido com a curva de dívidas. Se compararmos 2016 com 2015, vemos uma boa redução na relação dívida/ativos. Entretanto, se considerarmos 2015 um ponto fora da curva, podemos ver uma tendência de crescimento comparando com os valores de 2013 e 2014. Assim, resta esperar se em 2017 teremos nova redução ou novo aumento. Em minha opinião, infelizmente, teremos um novo aumento, por conta do comportamento das receitas, que será visto no tópico 4. Em 2016, o volume de dívidas da CBV representava 66.12% dos ativos, o que equivale a dizer que a CBV deve, aproximadamente, 2/3 do que possui.
Se olharmos o que a CBV tem de bens e direitos de curto prazo, ou seja, que são mais fáceis de transformar em dinheiro, vemos que a situação, por mais que tenha melhorado levemente, ainda é bem ruim. Ao calcularmos a sobra (ou perda) de recursos de curto prazo em relação às dívidas de curto prazo (indicador chamado de capital circulante líquido) que é o quanto sobraria ou faltaria de recursos para quitação das dívidas de curto prazo, o número está negativo em 1,4 milhões, continuando no negativo, como podemos ver no gráfico a seguir:
O que assusta neste gráfico não é o número em si, mas o comportamento dele. Depois de melhora sucessiva e contínua desde 2011, a piora em 2015 foi muito grande e a melhora em 2016 foi bastante pequena, não sendo suficiente para fazer com que tenhamos folga financeira. Se considerarmos a tendência de receitas (será explicada no tópico 4), podemos esperar um ano de 2017 tão ruim ou até pior do que foi o de 2015
2.Superávit ou Déficit
Aqui temos uma boa notícia. Em 2015, houve um enorme déficit nas contas que foi revertido em 2016. Entretanto, o superávit não foi muito significativo. Se considerarmos apenas os anos com superávit (2011, 2012, 2013, 2014 e 2016), tivemos o menor deles em 2016, com pouco mais de 1,4 milhões de reais. O gráfico a seguir mostra melhor este comportamento.
Aqui podemos ver mais claramente a redução da tendência de queda. Entretanto, temos uma situação interessante: se considerarmos só os anos de 2015 e 2016, podemos projetar um grande superávit para 2017. Entretanto, se considerarmos que o ano de 2015 foi atípico (ponto fora da curva), vemos que a tendência é de queda ou de estabilização. Para definirmos melhor o que esperar de 2017, precisamos de uma análise detalhada das despesas e receitas da CBV.
3. Despesas
As despesas totais aumentaram muito em 2015 comparado ao ano de 2014. Assim, será que 2015 ou 2014 é que foi um ano atípico? Creio que o gráfico a seguir ajuda a compreender melhor o ocorrido.
O número de 2016, por mais que tenha ficado abaixo do número de 2015, ainda foi o segundo mais alto da história. Entretanto, com exceção de 2014 e 2015, tais valores estão ficando estáveis em torno de 120 milhões de reais. Assim, se a tendência continuar, a CBV precisará, ou manter as receitas no nível que estão ou aumentá-las. Como veremos no tópico 4, isso não será uma tarefa fácil.
As despesas da CBV estão divididas em dois grandes grupos: Operacionais (gasto com a atividade de vôlei propriamente dita – torneios, seleção, etc) e Administrativas (gasto com a máquina da CBV, principalmente folha de pagamento). O gráfico a seguir mostra o comportamento das duas despesas:
Analisando as despesas, temos a maior como sendo as Operacionais e a menor como sendo as Administrativas. Assim como nas despesas totais, o que aparenta é que houve um novo nível de estabilidade, considerando 2014 e a média de 2015 e 2016. Mas, vamos ver o que a CBV disse sobre isso no seu balanço:
3.1 Despesas Operacionais
Passou de 69,4 milhões de reais em 2014 para 85,4 em 2015 e 83,3 em 2016 (leve queda de 2,5%). É composta por seis grandes itens, a saber:
a) Despesas com pessoal de apoio, atletas e comissão técnica: valor praticamente inalterado nos últimos três anos, passando de 23,2 milhões em 2014 para 24 milhões em 2015 e 23,9 milhões em 2016. Podemos notar que este é um gasto praticamente fixo da CBV ao longo do tempo.
b) Transportes: neste item são registrados o custo com transporte de pessoas e materiais para competições nacionais e internacionais, passando de 14 milhões em 2014 para 16,3 milhões em 2015 e caindo para 11,5 milhões em 2016 (queda de 30%). Analisando os números individuais, a queda foi expressiva no transporte aéreo internacional de pessoas (de 8 para 3 milhões de reais). Considerando a desvalorização cambial no período, este valor deveria ter aumentado ao invés de reduzir. Entretanto, podemos explicar este comportamento pelo fato dos Jogos Olímpicos de 2016 terem sido realizados no Brasil.
Bons resultados do Brasil na Rio 2016 aumentaram despesas com premiação dos atletas (Foto: Divulgação/FIVB)
c) Premiação de Atletas: passou de 14,4 em 2014 para 11, 4 milhões de reais em 2015 e subindo para 15,5 milhões em 2016. Considerando que 2016 foi o ano dos Jogos Olímpicos e levando em consideração a a performance dos atletas, um aumento nesta conta já era bastante esperado.
d) Locação: neste item são registradas todas as despesas com locação de bens móveis necessários para realização dos eventos de vôlei de quadra e praia organizados pela CBV. Comparando os números, vemos um comportamento um pouco errático, indo de 9,2 milhões de reais em 2014 para 13,8 milhões de reais em 2015 e caindo para 11,3 milhões de reais em 2016. Algo interessante é que houve aumento de 5 para 8 milhões de reais em locação de arena e quadra e uma queda de 6.8 para 2 milhões em aluguel de equipamentos. Infelizmente, a CBV não trouxe maiores explicações sobre isso.
e) Federações: o repasse para as federações estaduais ficou praticamente estável. No ano de 2016 a CBV também passou a evidenciar, além do apoio operacional, o apoio administrativo junto às Federações. Assim, os repasses totais para as federações caíram de 4.4 milhões em 2015 para 3.7 milhões em 2016.
f) Outros custos: particularmente não gosto quando vejo o nome "outros", mas esta classificação é normalmente usado para itens de pequeno valor. Entretanto, na CBV o valor é expressivo e crescente, indo de 6,3 milhões em 2014 para 17,4 milhões em 2015 e 18.9 milhões em 2016. Nesta rubrica destaca-se o alto valor pago para "taxas gerais" que foi de 6,4 milhões em 2015 para 7,9 milhões em 2016. Ao final do detalhamento de alguns outros gastos menores, ainda há a rubrica de "outros custos com produtos" com valores expressivos e crescentes, passando de 1.6 milhões em 2015 para 3 milhões em 2016. Infelizmente, não há nada explicando quais são esses outros custos com produtos (NOTA DO BLOG: procurada, a CBV afirmou que nesses custos estão inseridas taxas pagas a Federação Internacional de Voleibol (FIVB) para participação em competições internacionais, assim como o repasse de verba aos clubes participantes da Superliga).
3.2 Despesas Administrativas
Neste item, basicamente são contabilizados as despesas com a máquina da CBV, principalmente gastos com pessoal e encargos trabalhistas, além de gastos com aluguel e propaganda. Houve uma pequena queda (6,7%), passando de 49 para 45,7 milhões de reais. Entretanto, ainda é bem superior ao ano de 2014 (36 milhões) e o segundo maior valor desde 2010. As despesas são compostas de quatro grandes grupos:
a) Despesa com Pessoal e Encargos: aqui está o grande problema da CBV, como foi em 2015. A folha de pagamento e os encargos sobre ela (FGTS e INSS). O valor passou de 11 milhões em 2014 para 18,8 milhões em 2015 e para 23,8 milhões em 2016, um aumento de 5,8 milhões, que se soma ao crescimento de 7,7 milhões de 2015 para 2014. Em 2015, a explicação para o aumento foi que "em 2015, a entidade passou a contar com um diretor executivo (CEO), que assumiu o cargo com a missão de adotar práticas responsáveis de governança e alcançar a excelência nos eventos promovidos pela CBV. E com uma gestão cada vez mais atenta e preocupada com os colaboradores, a confederação adotou um plano de cargos e salários, e melhoria nos benefícios (cartão de alimentação, plano de saúde e mental)". Em 2016, não houve explicação alguma para este novo aumento (NOTA DO BLOG: procurada, a CBV diz que o aumento ocorreu por conta do custo com rescisões contratuais e reajuste de remuneração de funcionários conforme acordo coletivo da classe).
b) Despesas com Serviços Contratados: nesta rubrica estão gastos como serviços de informática, assessoria jurídica, etc. Esta conta teve uma redução de 6,2 milhões de reais em 2015 para 4,7 milhões em 2016. O segundo maior valor neste item é assessoria jurídica, com gastos de 770 mil reais no ano, uma das poucas contas que teve aumento de gastos nesta rubrica.
c) Despesas de Localização e Funcionamento: aqui basicamente temos o funcionamento da máquina da CBV, tirando o gasto com pessoal e encargos. Trata-se de aluguel, energia elétrica, hospedagem, transporte aéreo, etc. Esta conta teve uma redução de 7,3 para 6 milhões de reais.
d) Propaganda e publicidade: passou de 1,6 milhão em 2014 para 3,2 milhões em 2015 e teve queda para 2 milhões em 2016, não sendo muito relevante para o resultado final da CBV.
e) Há um item de outras despesas, que se refere principalmente a manutenção, impostos e taxas, etc, que teve redução de 10 para 7,8 milhões de 2015 para 2016. Um ponto a se destacar é que o maior gasto nesta rúbrica é de benefícios sociais (3 milhões de reais em 2016), sendo que a CBV não diz claramente no balanço quais benefícios e para quem são pagos (NOTA DO BLOG: procurada, a entidade afirmou que benefícios sociais são concedidos aos funcionários da entidade através de assistência médica, odontológica e alimentar, por exemplo).
4. Receitas
As receitas em 2016 tiveram uma boa melhora comparando com o ano de 2015. Entretanto, apenas voltou ao nível de 2014. Considerando que 2016 foi ano olímpico e, portanto, mais atrativo para patrocínios, não podemos considerar isso como uma nova tendência. Esse comportamento pode ser visto no gráfico a seguir:
Assim, a reversão do déficit para superávit foi ocasionada tanto por aumento na receita como por queda nas despesas. Entretanto, ao analisarmos os componentes das receitas, podemos ver que a coisa não está tão bem como uma primeira análise pode nos levar a crer.
a) Patrocínio: aumento de 6,5 milhões de reais, indo de 72,6 milhões em 2015 para 79,3 em 2015. Entretanto, com o novo contrato assinado junto ao principal patrocinador (Banco do Brasil) para o novo ciclo olímpico, o valor tende a cair para 55 milhões de reais por ano. Considerando que o superávit foi de 1,4 milhões e a receita deve ter redução de mais de 20 milhões com patrocínio, podemos ver um cenário não muito bom para 2017.
b) Demais receitas: praticamente constantes, com exceção de convênios, que subiu de 15,4 milhões em 2015 para 28,3 milhões em 2016. Entretanto, podemos observar que o volume de dinheiro captado para os próximos anos diminuiu. Vemos no balanço que, em 2015 havia 34,8 milhões captados para os próximos anos e em 2016 esse valor caiu para 17,1 milhões de reais
5. Conclusões
Fechando esta análise, podemos ver que a CBV apresentou uma melhora em relação ao péssimo ano de 2015. Entretanto, ainda continua em uma situação delicada, com capital circulante líquido negativo, alto endividamento e um superávit próximo a zero.
Infelizmente, a tendência para o ano de 2017 não é nada boa. Se levarmos em consideração que haverá uma queda de 20 milhões no patrocínio, além de uma forte diminuição na captação de recursos via convênios, não será surpresa alguma se no próximo balanço os números vierem iguais ou até inferiores do que 2015, o pior ano da série histórica.
Ressalte-se que toda esta análise foi feita com os dados fornecidos pela própria CBV em seus balanços, sem nenhuma montagem minha quanto a números, bem como nenhum acesso a informação privilegiada.
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.