Ex-jogador de futebol, canadense viveu amor à primeira vista com o vôlei
Sidrônio Henrique
29/06/2017 06h00
Blair Bann dá um peixinho para fazer uma defesa durante partida na Rio 2016 no Maracanãzinho (fotos: FIVB)
O negócio dele era futebol – o nosso, que eles chamam de soccer. Tinha 14 anos quando foi apresentado ao vôlei e não deu outra: amor à primeira vista. Fã de Serginho e de Giba, o canadense Blair Bann, que começou na modalidade como levantador, se arriscou algumas vezes como ponteiro, até virar líbero, é hoje um dos melhores do mundo na sua posição. Foi o segundo no ranking dos defensores na fase classificatória da Liga Mundial 2017, atrás apenas do líbero polonês Pawel Zatorski, tendo sido o primeiro na maioria das rodadas, além de se destacar no passe. O Canadá, quinto colocado na etapa inicial do torneio, está nas finais, na mesma chave de Brasil e Rússia – a competição será decidida de 4 a 8 de julho, em Curitiba (PR), na Arena da Baixada.
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"Comecei mais tarde do que a maioria dos caras que se tornam profissionais. Eu era louco por futebol, que jogava na escola e bem, até que conheci o vôlei em um clube chamado NAVC Gold, em Edmonton, minha cidade natal. Passei a jogar lá e na minha escola. Virou paixão, não tinha limite. Eu carregava uma bola de vôlei na minha mochila, jogava entre uma aula e outra, depois da escola também. Se não tivesse ninguém para jogar comigo, eu ia bater bola na parede. Quando fui para a universidade, em Vancouver, onde continuei jogando, sonhava em um dia ser convocado para a seleção", contou Bann, 29 anos, 1,84m, ao Saída de Rede.
Seleção
Sua dedicação ao voleibol não demorou a levá-lo à seleção canadense. Passou pelas categorias de base e aos 21 anos, em 2009, chegou ao time adulto, mas jogava na equipe B a maior parte do tempo. Dois anos depois, foi incorporado à seleção principal como segundo líbero – o veterano Dan Lewis, remanescente dos anos 1990, era o titular.
O então técnico da seleção do Canadá, Glenn Hoag, apostava em seu potencial, muitas vezes colocando-o para jogar partidas inteiras. Foi assim, por exemplo, numa etapa da Liga Mundial 2012, em São Bernardo do Campo (SP), quando foi escalado para enfrentar o Brasil. Ganhou elogios de Bernardinho, que viu Bann dar conta do recado quando mandou seus jogadores forçarem o saque para cima do novato.
Talento, esforço e paciência
Para Glenn Hoag, o desempenho de Bann é resultado da combinação de talento, esforço e paciência. "É um atleta que tem bastante habilidade, que se dedica muito e soube esperar sua vez. Assim como muitos outros que hoje fazem do Canadá uma seleção mais forte do que era há alguns anos, ele foi um projeto de longo prazo", comentou o treinador com o SdR. Atualmente, Hoag, que deixou a seleção após a Rio 2016 por vontade própria depois de dez anos no comando, dedica-se apenas ao Arkas Izmir, clube vice-campeão da Turquia.
"Blair Bann é um exemplo para os demais jogadores, seja pela postura em quadra, seja pela forma como treina. Eu confio muito nele, é bom passador e bom defensor, sei que não vai oscilar, vai sempre manter um bom nível. Ele ajuda o time a ser mais coeso, a ter um jogo consistente", elogiou Stéphane Antiga, técnico da seleção canadense, em entrevista ao Saída de Rede.
No planejamento feito por Glenn Hoag no ciclo passado, Bann deveria assumir a condição de primeiro líbero da seleção somente após a Rio 2016. Porém, diversas lesões comprometeram o rendimento de Dan Lewis ainda durante o pré-olímpico, então coube ao mais novo ir aos Jogos do Rio de Janeiro.
Medalha em Tóquio 2020
"Levamos o vôlei masculino do Canadá a uma Olimpíada depois de 24 anos. Na Rio 2016, estando em uma chave tão complicada, nossa meta era chegar ao menos às quartas de final. Nós conseguimos. Nesse novo ciclo, queremos não apenas a classificação para Tóquio 2020, mas uma medalha", afirmou o líbero. Nos Jogos Olímpicos, em agosto passado, exceto pelo fraco time do México, os canadenses tiveram que encarar, na fase de grupos, pedreiras como Brasil, Estados Unidos, França e Itália. Foram eliminados nas quartas de final pela Rússia. O melhor momento, sem dúvida, foi a vitória em sets diretos na estreia diante dos vizinhos americanos.
Bann mantém uma boa dose de autocrítica e diz que precisa melhorar em alguns aspectos, mas se vê como um jogador completo na função. "Alguns líberos são muito bons no passe, outros na defesa. Eu acho que consigo jogar em alto nível nos dois fundamentos. Houve diversos momentos na seleção em que eu tive que assumir a maior parte da quadra na linha de passe e encaro isso como minha responsabilidade. Pretendo melhorar ainda mais na defesa, principalmente naquelas bolas atacadas com muita potência, além de procurar ser mais ágil na cobertura do bloqueio".
Ele vê no francês Jenia Grebennikov e no polonês Pawel Zatorski dois exemplos de líberos a serem seguidos. "Eles têm bastante técnica", observou. No entanto, quando ainda era infantojuvenil e fazia a transição para sua atual função, eram dois brasileiros que o motivavam. "Eu era moleque e ficava maluco vendo o Serginho. Lembro que durante meses, na hora do almoço, ficava revendo a final de Atenas 2004 entre Brasil e Itália por causa dele. Toda aquela energia e paixão, além da habilidade dele, aquilo foi algo revolucionário. Outro modelo para mim, claro, foi o Giba. O cara fazia tudo em quadra e isso me motivava a querer melhorar. Via inúmeros vídeos do Giba no YouTube".
Transição e mancada
O canadense relembra a dificuldade que teve na transição do voleibol universitário para o profissional. Desde 2011 ele joga no Düren, clube alemão da cidade de mesmo nome – com exceção da temporada 2013/2014, quando atuou pelo francês Nantes, para depois retornar ao antigo time na Alemanha. "Esse salto entre as partidas de equipes universitárias no Canadá para o voleibol profissional na Europa e os jogos entre seleções foi algo difícil no início, tive que me adaptar muito rápido. De repente, saques e ataques eram muito mais potentes", contou ele, rindo.
Aliás, o senso de humor é uma das qualidades de Blair Bann. Isso fica evidente quando se conversa com ele ou mesmo seguindo suas postagens no Instagram (@blizzbann). Sem nenhum constrangimento, ele cita o momento mais embaraçoso da carreira. "Estava na universidade, já era líbero, mas naquele dia o time precisou que eu jogasse como ponteiro, o que eu não fazia há meses. Não estava mais acostumado a sacar e o técnico pediu, em algum momento, que eu desse um saque curto. A bola não chegou nem na metade do nosso lado, caiu antes da linha dos três metros. Foi um vexame. Acho melhor eu continuar treinando meu serviço… Vai que um dia eu precise", brincou.
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.