Londres 2012: Brasil não pode reivindicar medalha antes de punição à Rússia
Carolina Canossa
24/01/2017 06h00
A decisão do ex-jogador Giba de ir à sede da Federação Internacional de Vôlei (FIVB), na Suíça, para entender os procedimentos e tentar fazer o Brasil herdar a medalha de ouro da disputa masculina na Olimpíada de Londres por um suposto doping de atletas da seleção russa na competição animou muitos torcedores. Porém, esse processo não deve ser nada simples e pode levar anos até ser concluído em favor do Brasil. Isso se um dia o Brasil realmente herdar essa medalha…
Na verdade, ao menos por enquanto, os dirigentes do país sequer podem tomar qualquer atitude. Consultado pelo Saída de Rede, o presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem, Luciano Hostins, explicou que não há nada a ser feito pelos brasileiros até que o Comitê Olímpico Internacional (COI) decida tirar as medalhas da Rússia. O especialista usou o artigo 9.1 da norma antidoping de Londres e o item 2.1 do artigo 59 da Carta Olímpica para basear sua visão.
"Qualquer medalha que retorne ao COI por questões disciplinares não é repassada automaticamente. Deve haver do interessado em recebê-la uma solicitação, um procedimento disciplinar na entidade", explicou Luciano, que trabalha como advogado na área desportiva há mais de 20 anos. "Tecnicamente, esse procedimento só começa depois de devolvida a medalha", complementou.
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Cabe destacar que a expressão "devolvida a medalha" não é simbólica. Segundo Hostins, se punido, o Comitê Olímpico Russo teria que devolver fisicamente cada uma das 12 medalhas conquistadas pela seleção do país em Londres 2012. Se alguma não aparecer, haverá um novo problema, já que as formas do adereço são destruídas após a confecção do prêmio. No máximo, poderia ser feita uma réplica, que evidentemente não tem o mesmo valor.
O presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem ainda observou que Giba não pode conduzir esse processo apenas na condição de ex-atleta, ainda que tenha sido o capitão da seleção mais interessada em uma punição aos russos. "Não tem o menor problema em ele buscar se orientar sobre o assunto, mas o processo disciplinar teria que ser feito através do COB (Comitê Olímpico Brasileiro)", explicou.
Nem mesmo a FIVB tem qualquer ingerência legal sobre o caso, já que as Olimpíadas são um torneio organizado pelo COI. "Eles não possuem nenhuma influência técnica", afirmou Hostins. Ele, porém, não descartou que a FIVB se movimente politicamente em caso de doping russo comprovado até para evitar uma mancha na imagem do esporte. "É possível que eles pressionem de alguma forma, já que não é bom pra ninguém ter uma 'medalha flutuando' por aí", analisou.
Fator positivo
Apesar de o caminho rumo ao resgate do ouro no vôlei masculino ser longo e difícil, Luciano Hostins acredita que o fato de não haver qualquer precedente de medalhas cassadas em esportes coletivos na história olímpica pode ser um fator positivo para o Brasil. "Acho que isso facilita justamente pela circunstância e pelo fato de que seria uma fraude muito grande", analisou.
No entanto, para se ter uma ideia da complexidade de casos do tipo, até hoje os membros da equipe brasileira de revezamento 4 x 100 m no atletismo de Sydney 2000 lutam para serem realocados da segunda para a primeira posição em decorrência do doping confesso de um dos campeões, o americano Tim Montgomery. Contra o caso do vôlei pesa ainda o fato de não haver nenhuma comprovação de que os jogadores russos atuaram em Londres 2012 usando substâncias ilegais – o que foi divulgado até o momento é que atletas da modalidade estão entre os mais de mil denunciados no relatório McLaren, que desmascarou o esquema de doping que vigorou em todos os esportes do país pelo menos entre 2011 e 2015. Sabe-se apenas que o central/oposto Dmitriy Muserskiy foi pego no doping duas vezes nestes quatro anos, mas nem as datas ou a substância foram reveladas até o momento (veja mais detalhes em artigo publicado aqui no SdR em dezembro).
Atletas punidos, times não
Na história dos Jogos Olímpicos, o costume é punir o dopado, não o time. Foi o que aconteceu com Miguel Coll, do basquete de Porto Rico (Munique 1972), com os japoneses Mikiyasu Tanaka e Eiji Shimomura, do vôlei (Los Angeles 1984), e com a chinesa Wu Dan, vôlei (Barcelona 1992).
Em outras competições poliesportivas há um precedente do Canadá, que perdeu o ouro no hóquei sobre patins nos Jogos Pan-Americanos de 1999, por o goleiro Steve Vezina ter caído no antidoping. Ali, os EUA ficaram com o ouro, a Argentina, prata, e o Brasil herdou o bronze.
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.