Como era o mundo na última vez que Bernardinho não foi técnico de seleção?
Carolina Canossa
16/01/2017 06h00
Em 3 de novembro de 1993, Bernardinho deu sua primeira entrevista como técnico da seleção feminina (Fotos: Reprodução/YouTube)
Bernardinho e seleção. Seleção e Bernardinho. Quando, em 29 de outubro de 1993, a CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) distribuiu um comunicado anunciando que o ex-levantador carioca assumiria o lugar de Wadson Lima no comando da seleção brasileira feminina da modalidade, ninguém poderia imaginar que a união entre essas duas palavras seria tão longa. No total, ele permaneceu 8476 dias no cargo (inicialmente com as mulheres, desde 2001 no masculino), período suficiente para que muita coisa mudasse não só no esporte, mas no mundo de maneira geral.
As transformações começaram pelo próprio vôlei: há pouco mais de 23 anos, o esporte que consagrou o treinador tinha outra dinâmica e até mesmo outras regras. Relembre estas e outras curiosidades que marcam o período entre início e o fim de uma das eras mais vitoriosas já vistas pelos brasileiros:
– Em 1993, a bola cair no chão não significava necessariamente ponto para uma das duas equipes em quadra. É que, à época, o vôlei ainda trabalhava com o sistema de vantagem, no qual somente o time que havia sacado poderia pontuar na jogada em andamento. A regra só foi alterada no começo de 1999 a pedido das TVs, interessadas em diminuir a duração das partidas;
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– A mesma alteração também afetou o número de pontos necessários para se vencer os quatro primeiros sets de um jogo, de 15 para 25 pontos. Antes, algumas alternativas foram testadas, como limitação das parciais por tempo, mas ficou bem confuso. Na Superliga de 1997, por exemplo, se nenhum dos times tivesse feito 15 pontos jogando com vantagem até o 25º minuto, iniciava-se uma disputa na qual era possível pontuar mesmo sem ter sido a última equipe a sacar;
– Um dos nomes que mais brilharam com Bernardinho na seleção brasileira foi Serginho – prestes a completar 41 anos, o líbero, inclusive, aproveitou a conquista da medalha de ouro na Rio 2016 em agosto para anunciar sua despedida do time nacional. Pois quando Bernardinho virou técnico de seleção, lá em 1993, a posição dele sequer existia: o especialista em defesa foi testado em 1996, mas surgiu oficialmente apenas em 1998, popularizando-se na temporada seguinte;
– A bola também mudou: até o fim dos anos 1990, o principal instrumento de trabalho dos jogadores era totalmente branco, o que dificultava a visualização nas transmissões da TV. Somente a partir do ano 2000, o modelo amarelo e azul passou a ser obrigatório;
– Substituto de Bernardinho a partir de agora, Renan Dal Zotto iniciava sua carreira como técnico tendo um dos melhores elencos à disposição no país, o Palmeiras/Parmalat. Contando com nomes como Jorge Édson, Martinez, Pampa, Gílson e Talmo, o ex-jogador ficou com o vice-campeonato paulista e a segunda posição na Liga Nacional, torneio que fazia as vezes da atual Superliga;
– Mesmo tendo conquistado o quarto lugar na Olimpíada de Barcelona (melhor resultado da história até então), a seleção brasileira feminina estava afundada em uma enorme crise. Devido a desavenças com o técnico Wadson Lima, jogadoras como Ana Moser, Cilene e Tina se recusaram a defender a equipe verde-amarela em 1993. Isso, aliado a problemas físicos de nomes como Ida e à altitude da cidade de Cusco, fez com que o Brasil perdesse a final do Sul-Americano daquele ano para o Peru por 3 sets a 1, parciais de 16-14, 5-15, 15-1 e 15-10. Não, nós não erramos a digitação: o terceiro set, de fato, terminou 15-1 para as peruanas;
– Enquanto isso, a seleção masculina seguia a boa fase iniciada com o surpreendente ouro conquistado em Barcelona 1992. Em julho de 1993, sob o comando de José Roberto Guimarães, o país conquistava a Liga Mundial pela primeira vez ao bater a Rússia por 3 sets a 0 (15-12, 15-13 e 15-9) diante de um Ibirapuera lotado. Era o auge da fama daqueles jogadores, alvos de muita tietagem vinda das arquibancadas, especialmente o MVP da competição, Giovane Gávio;
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– Uma das peças mais importantes da seleção de Bernardinho no ciclo recém-encerrado, Ricardo Lucarelli era apenas uma criança de dois anos e meio. Já o mais jovem dos campeões no Rio de Janeiro, Douglas Souza, nem havia nascido;
– No futebol, o Brasil respirava aliviado: cerca de um mês antes da promoção de Bernardinho, em 19 de setembro de 1993, Romário voltava à seleção para assegurar o time na Copa do Mundo dos Estados Unidos ao marcar dois gols contra o Uruguai no Maracanã – uma derrota ali significaria o fim das pretensões do contestado grupo comandado por Carlos Alberto Parreira em tentar o tetracampeonato;
– O maior ídolo nacional, na ocasião, era Ayrton Senna. O piloto de Fórmula 1, porém, morreria tragicamente antes mesmo que Bernardinho pudesse disputar seu primeiro grande torneio com a seleção, em um acidente durante o GP de San Marino em 1º de maio de 1994;
– No esporte internacional, destaque para Mike Tyson. À época, o famoso boxeador estava na cadeia por ter estuprado Desiree Washington, de 18 anos. Depois de cumprir metade da pena à qual foi condenado, ele foi solto em 25 de março de 1995;
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– Politicamente, na última vez em que Bernardinho não foi técnico de uma seleção, o Brasil vivia o governo de transição de Itamar Franco após o impeachment de Fernando Collor. O então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, ainda trabalhava nas bases do que seria o Plano Real;
– Bill Clinton estava em seus primeiros meses de mandato como presidente dos Estados Unidos, enquanto Nelson Mandela tinha acabado de ganhar o Prêmio Nobel da Paz. Ele seria eleito presidente da África do Sul no ano seguinte;
– Entre as celebridades que eram vivas, podemos citar Mussum, Tom Jobim e Kurt Cobain. Os três morreram em 1994;
– Por fim, a internet: o meio que te permite agora ler o Saída de Rede ainda engatinhava e era restrito a pouquíssimas pessoas que dependiam de uma lenta conexão discada. O próprio UOL só seria criado em 1996, dois anos antes do Google.
* Atualizado às 18h de 16/01
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.