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Memória: o vôlei feminino do Brasil e seus primeiros sinais de grandeza

Sidrônio Henrique

05/01/2017 06h00

Isabel ataca contra os EUA, Jacqueline observa: partida histórica em Los Angeles 1984 (fotos: Reprodução/Internet/YouTube)

Certas derrotas são marcantes. Algumas são revestidas de uma aura e revividas na memória do torcedor e dos personagens envolvidos. Tem sido assim com a da seleção brasileira feminina de vôlei por 3-2 para Cuba na semifinal da Olimpíada de Atlanta, em 1996, motivo para dezenas de reportagens e até um documentário. Mas outro revés 12 anos antes, coincidentemente na mesma data, 1º de agosto, também tem lugar especial na memória do voleibol nacional. Naquela noite de 1984, diante de 14 mil torcedores na Arena de Long Beach, o vôlei feminino brasileiro dava seus primeiros sinais de grandeza nos Jogos Olímpicos. Longe de ser potência, o time de Isabel, Vera Mossa e Jacqueline quase surpreendeu as donas da casa. Os Estados Unidos suaram para vencer por 3-2, de virada, um confronto tido como fácil. Para o Brasil, aquela partida na Olimpíada de Los Angeles, em 1984, mostrou que apesar do resultado adverso o time era grande. E o mundo do vôlei reconheceu isso.

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Para entender o porquê da importância desse jogo e o que havia de tão especial em ganhar dois sets das americanas é preciso voltar no tempo e dar uma olhada no cenário da época. O voleibol feminino tinha uma superpotência: a seleção chinesa, liderada pelas ponteiras Lang Ping e Zhang Rongfang. Campeã da Copa do Mundo 1981 e do Mundial 1982, a China era a principal favorita ao ouro em Los Angeles 1984. Com um time moldado a partir de meados dos anos 1970 e que não pôde ir a Moscou 1980 por causa de um boicote promovido por seu próprio governo, os EUA queriam, desta vez em casa, provar que mereciam o topo do pódio.

EUA em ascensão
As americanas eram, sem dúvida, as principais adversárias das chinesas naquelas Olimpíadas. Quarto colocado na Copa do Mundo 1981 (perdendo a prata e o bronze no saldo de sets para japonesas e soviéticas, respectivamente) e terceiro no Mundial 1982, os EUA estavam em ascensão e ainda teriam a torcida a seu favor. Mesmo antes de 1984, já mostravam seu poderio. No Campeonato Mundial 1982, disputado no Peru, as americanas foram as únicas a derrotar a eventual campeã China e por um contundente 3-0. Acabaram surpreendidas na semifinal pelas anfitriãs, que com o apoio dos seus barulhentos torcedores chegaram a um inesperado vice-campeonato. No restante do ciclo, incluindo Los Angeles 1984, as peruanas não ganhariam mais um set sequer dos EUA – passada a surpresa caseira de 1982, o Peru alcançaria seu auge no período 1986-1988.

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As demais forças da época eram Cuba, União Soviética e Japão. As seleções da Coreia do Sul e da Alemanha Oriental integravam o segundo escalão, mas em um nível acima das brasileiras.

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Oito equipes participavam do torneio olímpico de vôlei feminino então, divididas em dois grupos de quatro. As duas primeiras de cada chave avançavam à semifinal, enquanto os terceiros e quartos colocados disputavam do 5º ao 8º lugares.

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Boicote soviético
Antes que os soviéticos e seus aliados anunciassem o boicote aos Jogos de Los Angeles, em represália à medida tomada pelos EUA e seguida por diversos países capitalistas de não comparecerem a Moscou, as chaves estavam assim divididas: o grupo A com China, EUA, Alemanha Oriental e Brasil, e o B com URSS, Cuba, Japão e Peru.

Se em Moscou 1980, na sua primeira participação nos Jogos Olímpicos, o vôlei feminino do Brasil contou com a ajuda do boicote para ganhar a vaga, em LA 1984 essa veio graças ao Peru. É que o sistema de classificação vigente garantia a presença nas Olimpíadas para o campeão da Copa do Mundo e do Mundial. Como a China ganhou ambos, as vice-campeãs mundiais, as peruanas, também se classificaram. Assim, o Brasil garantiu seu lugar mesmo perdendo a final do Sul-Americano 1983 para seu arquirrival. Os campeonatos continentais, exceto o da África no caso do vôlei feminino, eram qualificatórios para as Olimpíadas.

Dois meses e meio antes da abertura de Los Angeles 1984, a URSS anunciou o boicote, contando com a adesão da maioria dos países do bloco comunista. Alguns poucos, como Iugoslávia, Romênia e China, decidiram ir aos Jogos em solo americano.

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A ausência da URSS e de grande parte dos seus aliados obrigou os organizadores a recompor as chaves em diversas modalidades. No grupo A do voleibol feminino saiu apenas a Alemanha Oriental, substituída pela vizinha Alemanha Ocidental, mais fraca. O Brasil continuava assim a encarar uma parada indigesta, tendo que enfrentar chinesas e americanas. Do outro lado, japonesas e peruanas, que dificilmente passariam por cubanas e soviéticas, ganharam a companhia da Coreia do Sul e do inofensivo Canadá. Os três países convidados foram pinçados entre os eliminados no pré-olímpico mundial, disputado no início do ano.

Estreia contra a China
O torneio de vôlei feminino de Los Angeles 1984 começou no dia 30 de julho. A estreia brasileira foi diante da todo-poderosa China. Mas quem esperava um passeio das orientais, se enganou. Nunca uma seleção feminina do Brasil tinha treinado tanto. As brasileiras haviam ficado concentradas por quatro meses no Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos (SP). O resultado se viu em quadra (confira o vídeo abaixo). Apesar da vitória chinesa por 3-0 (15-13, 15-10, 15-11), o Brasil ofereceu uma resistência que ninguém esperava, arrancando elogios do técnico chinês, Yuan Weimin.

Era a vez da partida crucial para as pretensões do Brasil, desacreditado pela mídia, de chegar à semifinal. O ceticismo da imprensa era compreensível. A seleção feminina vinha de um 7º lugar em Moscou 1980, 8º na Copa do Mundo 1981 (perdeu todos os sete jogos, ganhando apenas um set), 8º no Mundial 1982. Um ano antes, no Pan 1983, havia enfrentado duas vezes aquele mesmo time dos EUA (foi a última vez que as americanas foram com a equipe A aos Jogos Pan-Americanos) e perdido ambas por 3-0, sem despertar preocupação nas oponentes.

O plano em LA 1984 era ganhar dos Estados Unidos. Na sequência, fechando a fase preliminar, teriam que bater as alemãs ocidentais, adversárias com as quais as brasileiras haviam jogado cinco vezes naquele ano e vencido todas, quatro delas por 3-0. Essas duas vitórias seriam a passagem para a semifinal.

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Escalação
O time titular do Brasil tinha Isabel Salgado e Vera Mossa nas pontas, Jacqueline Silva era a levantadora, Regina Uchoa e Sandra Suruagy (seria a primeira líbero da seleção brasileira em 1998) pelo meio e Heloísa Roese jogava na saída, posição que na época tinha um perfil técnico, com forte presença no passe, diferente da composição atual. Completavam a equipe as ponteiras Fernanda Emerick e Luiza Machado (revelação ainda juvenil, que desistiria da seleção no ciclo seguinte), as centrais Eliani Oliveira (décadas depois se tornaria atriz, utilizando o nome Lica Oliveira), Ana Margarida Álvares (juvenil promissora que mais tarde seria conhecida simplesmente como Ida) e Mônica Caetano, além da levantadora Ana Richa, a mais nova do grupo com 17 anos. O técnico era Ênio Figueiredo, que faleceria em 2014. Ele comandou a seleção feminina de 1978 a 1984, período que incluiu dois Mundiais e duas Olimpíadas.

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Aquele time brasileiro era bastante jovem. Cinco das doze atletas ainda eram juvenis: Vera, Eliani, Luiza, Ida e Ana Richa. No caso de Vera Mossa, 19 anos, já era sua segunda participação olímpica, ela havia ido a Moscou 1980 com apenas 15 anos. A mais velha da equipe era Heloísa, 27 anos, jogadora universal, que no ano seguinte seria chamada para a seleção do mundo, enfrentando as chinesas em duas partidas amistosas promovidas pela Federação Internacional de Vôlei (FIVB). Isabel completaria 24 anos no dia seguinte ao jogo contra as americanas. Jacqueline tinha 22 anos. Assim como Vera, ela e Isabel haviam participado da Olimpíada quatro anos antes. A quarta remanescente de Moscou era Fernanda Emerick.

Isabel ganha tempo amarrando o tênis em meio a uma boa sequência das americanas

Diferença de altura
A atleta mais alta do Brasil era a ponta Vera Mossa, com 1,83m. Os EUA tinham várias acima disso. A maior delas era a ponteira Flo Hyman, uma gigante para os padrões dos anos 1980 com seu 1,97m – parecia ainda mais alta atacando contra bloqueios que muitas vezes contavam com jogadoras de menos de 1,80m.

O Brasil era visto como um time eficiente no ataque, apesar do estilo ortodoxo, com pouca variação. Seu bloqueio, se não era excepcional, podia ser considerado bom para a época. Aí começavam os problemas. O saque era irregular e, na maioria das vezes, exigia pouco da linha de recepção adversária. Já o passe ruim obrigava Jacqueline a se deslocar constantemente, dando pouca oportunidade para combinações em velocidade. A defesa chegou a ser comparada a um táxi numa corrida de fórmula um. Em LA 1984, é bom que se diga, o Brasil chegou defendendo melhor. Nada que lembrasse a eficiência de hoje, mas bem acima do seu habitual naquele tempo.

Flo Hyman marca e comemora de frente para as brasileiras: a americana era uma das atacantes mais temidas da época

Gamova dos anos 1980
Os EUA tinham em Flo Hyman sua principal arma. Para que o leitor que não a viu jogar entenda, ela era uma espécie de Gamova do período, seja pela altura (a russa é cinco centímetros mais alta, mas os bloqueios também cresceram), pela potência ou pela falta de habilidade na defesa, o que parecia natural em razão do seu tamanho. Hyman faleceria em janeiro de 1986, por causa do rompimento de um aneurisma da aorta abdominal, provocado pela síndrome de Marfan, da qual era portadora. Morreu durante uma partida da liga japonesa, que então atraía grandes estrelas. O técnico cubano Eugenio George, tricampeão olímpico com Cuba em 1992, 1996 e 2000, falecido em 2014, afirmou certa vez que Flo Hyman foi uma das melhores jogadoras que ele teve a chance de ver em sua longa carreira.

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Além da ponteira de 1,97m, os EUA tinham como destaque duas centrais: Rose Magers, 1,90m, e Paula Weishoff, 1,85m. O leitor acostumado às grandes meios de rede deste século talvez ache que as primeiras donas da posição foram as centrais cubanas dos anos 1990 ou ainda a peruana Gabriela Perez na segunda metade dos anos 1980. Todas essas foram espetaculares, sem dúvida. Antes delas, porém, o mundo do vôlei se impressionava com Rose Magers. Já Paula Weishoff era mais rápida, extremamente habilidosa. Versátil, migraria para a posição de oposta quando essa função foi introduzida no vôlei feminino – seria a MVP de Barcelona 1992, Olimpíada em que as americanas ficaram com o bronze. Weishoff passou pelo extinto Leites Nestlé, de Sorocaba (SP), em 1994, mas ficou a maior parte do tempo no banco por causa de lesões. Vale menção ainda à levantadora Debbie Green, que se não fintava bem era precisa e variava as jogadas, e também à ponta Rita Crockett, que com apenas 1,75m compensava a pouca altura com impulsão – ela seria parceira de Jacqueline Silva no circuito americano de vôlei de praia.

Eliani, Vera e Heloísa observam as americanas enquanto aguardam o saque do Brasil

Altos e baixos
O Brasil surpreendeu as americanas nos dois primeiros sets, com uma eficiência acima do seu padrão habitual no bloqueio e na defesa. Ao vencer a parcial inicial, as brasileiras comemoraram como se tivessem vencido a partida. Após abrir 2-0 (15-12 e 15-10), esperava-se combatividade do time sul-americano para fechar o jogo, mas o que se viu foi muita desorganização. Os EUA levaram os dois sets seguintes com facilidade (15-5 e 15-5), aproveitando-se do nervosismo brasileiro. Veio o quinto set, ainda disputado com o sistema de vantagem – o tie break só seria introduzido em 1989 –, e as americanas abriram 6-2. Começou então a reação brasileira. O bloqueio voltou a tocar na bola, dando à defesa a chance de produzir contra-ataques. O Brasil chegou a ter 12-9 a seu favor, mas aí veio outro apagão. Flo Hyman foi impiedosa na reta final da partida, com direito a provocação em um dos pontos. O bloqueio brasileiro não conseguiu mais contê-la. Com duas horas e meia de duração, o jogo terminou com um ataque pelo meio de Paula Weishoff, após um longo rali: 15-12. Festa americana, desolação do lado brasileiro.

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Isabel, símbolo maior daquela geração, falou várias vezes sobre essa partida histórica. Numa entrevista concedida há seis meses à revista Trip, relembrou o quanto foi dolorosa a derrota. "Foi tão barra-pesada. Era como se eu nunca tivesse perdido na vida, parecia que eu tinha morrido. Foi total despreparo nosso, em todos os aspectos, não só o emocional. Mas ao mesmo tempo foi emocionante: não se imaginava que a gente pudesse ganhar um set sequer das americanas". Isabel foi um ícone do esporte naquela década, chegando a estampar a capa da revista semanal Veja em 1982, num reflexo do boom do voleibol no país. Confira após o post o vídeo que ela gravou para o Canal Brasil, no qual aponta a derrota para os EUA em 1984 como o momento de maior tristeza da sua carreira.

Regina Uchoa aguarda autorização do árbitro para sacar

Outro expoente daquela época, Vera Mossa, que iria ainda a Seul 1988, volta e meia se via tendo que falar sobre a partida épica. "Aquele jogo mudaria nossa história. O momento ficou meio que emblemático", comentou, numa entrevista concedida à TV há cinco anos.

Quase…
Vera tem razão. Se tivessem avançado a uma improvável semifinal, o esporte feminino brasileiro poderia ter quebrado antes uma barreira que só seria rompida em Atlanta 1996, quando as mulheres conquistaram quatro medalhas para o país – as primeiras delas na história nacional nos Jogos Olímpicos. A brasileira que mais próximo havia chegado do pódio era Aída dos Santos, mãe da central/ponteira campeã olímpica Valeskinha. Em Tóquio 1964, Aída ficou em quarto lugar no salto em altura, apesar de competir sem técnico ou material para treinamento.

Claro que não haveria garantia de medalha caso a seleção de vôlei feminino avançasse às semifinais em Los Angeles 1984, mas mesmo o quarto lugar seria um feito e tanto para um grupo de jogadoras que nem de longe tinha o apoio dado ao time masculino, que ficaria com a prata. Apesar do longo período de concentração no CTA de São José dos Campos para aquela competição, a equipe treinada por Ênio Figueiredo quase não jogava, tendo pouco intercâmbio, enquanto os homens tinham bastante rodagem. Os métodos de treinamento aplicados à seleção masculina também eram mais sofisticados, para a época, do que os do feminino.

A levantadora Jacqueline Silva seria cortada da seleção no ano seguinte, já sob o comando do técnico Jorge de Barros, após reivindicar equiparação das condições de treino entre as equipes masculina e feminina. Ela tomou atitudes consideradas indisciplinadas pela Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), como vestir o uniforme de treinamento pelo avesso e fazer críticas à comissão técnica para a imprensa.

As brasileiras reagiram no quinto set, tiveram três pontos de vantagem, mas acabaram perdendo

Abatimento
O restante da participação do vôlei feminino do Brasil em Los Angeles 1984 foi melancólico. Abatidas, só ganhariam do fraco Canadá na disputa de 7º e 8º lugares, jogo decidido em sets diretos, repetindo a colocação de Moscou 1980. Ainda na fase de grupos, perderam para as freguesas da Alemanha Ocidental pelo absurdo placar de 3-0 – uma equipe que sequer havia feito cócegas na China e que só tinha oferecido alguma resistência aos EUA no primeiro set, sendo atropelada depois. Antes de enfrentar as canadenses, as brasileiras cruzaram com a Coreia do Sul, vencendo o primeiro set por 15-13 depois de estarem perdendo por 11-3, mas acabariam tomando a virada nas parciais seguintes, caindo por 3-1, exibindo um jogo opaco, diferente daquele apresentado contra chinesas e americanas.

Dois momentos
Aquela Olimpíada pode ser dividida para o time brasileiro em antes e depois do jogo contra os Estados Unidos. Quando a partida começou, ninguém esperava muito do Brasil. A equipe foi do céu ao inferno em duas horas e meia. Mas a dor da derrota não seria em vão. Viu-se ali o potencial de um grupo de mulheres que desbravavam um esporte que só havia despontado para o grande público do país dois anos antes. Algumas conciliavam a modalidade com os estudos ou carreiras tradicionais, numa indicação de resquícios de amadorismo, contra a estrutura profissional ou de regime full time das potências.

Fim de uma partida épica e a alegria das americanas, que terminariam aqueles Jogos Olímpicos com a prata

Embora o voleibol não despertasse atenção nos EUA, o jogo foi exibido ao vivo e em horário nobre por lá. Por aqui, um pool de seis emissoras (Globo, Bandeirantes, Record, SBT, Gazeta e a extinta Manchete) transmitiam quase todas as partidas de vôlei daquela Olimpíada, mesmo as que não eram das seleções brasileiras. Febre a partir de 1982, o vôlei tinha espaço constante na grade de programação – a TV por assinatura chegaria aqui apenas na década seguinte. Assim, o país inteiro teve a chance de ver o time de Isabel, Vera Mossa e Jacqueline quase derrotar as donas da casa. As projeções se mostraram acertadas: China e EUA conquistaram suas primeiras medalhas no vôlei. As chinesas ficaram com o ouro, deixando as americanas com a prata. O Japão faturou o bronze ao superar o Peru. Os Estados Unidos ainda sentiram o gosto de derrotar a China por 3-1 na última rodada da fase preliminar, mas ambas já estavam classificadas para a semifinal e os adversários da outra chave eram inferiores. Na decisão, as chinesas venceram as anfitriãs em sets diretos.

Isabel na capa da revista Veja em 1982

Destaques
Jacqueline foi escolhida a melhor levantadora de LA 1984, num tempo em que as estatísticas para o fundamento eram acertadamente deixadas de lado na hora de escolher quem se destacava, tendo como foco aspectos técnicos. Vejam duas pinturas dela contra as americanas no vídeo do início deste post, aos 5'25'' e aos 22'16''. Jackie Silva, como ficaria conhecida no vôlei de praia (conquistaria o ouro ao lado de Sandra Pires em Atlanta 1996), foi a melhor no levantamento em Los Angeles numa competição em que estavam presentes a genial chinesa Yang Xilan, além das talentosas Kumi Nakada (Japão) e Rosa Garcia (Peru). A atacante Isabel Salgado foi quem mais colocou bolas no chão no torneio. Com 1,80m, a ponteira chegava a 3,08m no ataque, um alcance que impressionava. Para efeito de comparação, Ana Moser, ídolo dos anos 1990, com 1,85m atacava a 3,09m. Ainda na Olimpíada de 1984, Vera Mossa recebeu o prêmio fair play, por seu espírito esportivo.

O duelo de cinco sets entre Brasil e EUA na Arena de Long Beach chamou a atenção para o potencial das brasileiras, que passaram a ser mais respeitadas. Cortes e pedidos de dispensa atrapalhariam o time adulto no ciclo olímpico seguinte, que até teve bons momentos como o honroso quinto lugar no Mundial 1986 e as primeiras vitórias em jogos oficiais contra a URSS e o Japão. Havia evolução. Em 1987, uma nova geração se sagraria campeã mundial juvenil, feito repetido em 1989 – aqueles foram os primeiros títulos globais do voleibol brasileiro, seja entre homens ou mulheres. Veio outra década e a seleção feminina de vôlei adulta do Brasil virou potência pelas mãos de Ana Moser, Márcia Fu, Fernanda Venturini, Hilma e Virna, entre outras. As jogadoras viviam outra realidade, com a contribuição daquelas que trilharam o caminho anteriormente.

Heloísa e Regina Uchoa cumprimentam as adversárias após a derrota por 3-2

Grandiosas
A edição especial sobre a primeira semana de LA 1984 da revista americana Time destacou a partida entre brasileiras e americanas. Um dos especialistas consultados pela publicação referiu-se à seleção do Brasil dizendo "they are great" ("elas são grandiosas"). Disso não havia dúvida. Embora distante do pódio, a equipe deu claros sinais de grandeza. Pela primeira vez, sob os olhos do mundo, o vôlei feminino brasileiro mostrou sua cara. Elas foram grandes de fato.

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Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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