Polônia quer reviver a magia e lotar estádio de futebol mais uma vez
Sidrônio Henrique
30/12/2016 06h00
Recorde mundial em partidas oficiais de vôlei: 62 mil fãs no Estádio Nacional de Varsóvia (fotos: FIVB)
Não há como negar, quando o assunto é promover o vôlei, os poloneses sabem dar o tom. É claro que você, fã da modalidade, não esqueceu a abertura do Mundial masculino 2014, realizada em um estádio de futebol, em Varsóvia, capital da Polônia. O país volta a ser sede de um grande torneio, desta vez o Campeonato Europeu masculino 2017, e mais uma vez o Estádio Nacional de Varsóvia será palco da abertura – de novo o adversário será a Sérvia. A partida está marcada para o dia 24 de agosto, às 20h30 (hora local). O torneio, com a participação de 16 países, segue até 3 de setembro.
Com o aval da Confederação Europeia de Voleibol (CEV), a Federação Polonesa de Vôlei (PZPS) confirmou na semana passada a realização do jogo inicial naquela arena de futebol. No dia 30 de agosto de 2014, 62 mil pessoas lotaram o local para ver a Polônia derrotar a Sérvia por 3-0, no pontapé inicial de uma campanha que culminou com um título mundial que tentavam repetir havia 40 anos. Desta vez, para a abertura do Europeu, a PZPS quer atrair 70 mil pessoas. Para isso serão colocadas mais cadeiras no tablado sobre o gramado.
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O público de 62 mil pessoas é o recorde mundial em uma partida oficial de voleibol. Se levarmos em consideração amistosos, a maior marca é a de 95 mil torcedores no Maracanã, em 26 de julho de 1983, para ver Brasil 3-1 União Soviética – desafio que inspirou os poloneses.
In loco
Tive a oportunidade de cobrir o Mundial masculino 2014, inclusive a abertura em Varsóvia, tendo chegado dias antes para acompanhar os preparativos finais para uma partida que fez a Polônia parar quando chegou a tão aguardada data e que, segundo a Federação Internacional de Vôlei (FIVB), foi transmitida para mais de 160 países, nos cinco continentes.
Ao contrário do que se pensa no Brasil, a modalidade não é o esporte número um da Polônia – numa ida a qualquer sports bar nas principais cidades polonesas ou num bate-papo com jornalistas e fãs isso fica evidente. No entanto, embora segundo na preferência, tem um status mais elevado do que aqui, ainda que o artilheiro Robert Lewandowski acumule mais prestígio do que os maiores astros do voleibol juntos.
Giba e Bernardinho
Era comum ver torcedores com a camisa da seleção polonesa mesmo nos dias em que não havia partidas no torneio. A mais popular na época era a do ponta Michal Winiarski. Havia quem vestisse a da seleção brasileira também. Giba, mesmo longe da seleção, seguia (e segue) sendo um semideus na Polônia – sua autobiografia, lançada em 2015, não demorou muito a ser traduzida por lá. Eles reverenciam o técnico Bernardinho, que é bastante famoso no país.
Mesa redonda sobre vôlei na TV? Lá tem, seja para alguma competição internacional ou para a liga local. Espaço generoso na mídia impressa? Também. Mesmo onde menos se espera. A capa da Playboy polonesa de setembro de 2014 estampou seis cheerleaders e uma bola de voleibol, numa referência ao Mundial. Internamente, além do ensaio fotográfico tendo a modalidade como mote, uma reportagem de 12 páginas sobre os principais técnicos do torneio. Na mesma edição, uma entrevista com o veterano levantador Pawel Zagumny, que fazia parte da seleção. Vai gostar de vôlei assim lá na Polônia…
Pequenos problemas
Três dias antes da abertura, quando cheguei a Varsóvia, o teto retrátil do estádio estava sendo fechado. É que o presidente da FIVB, Ary Graça, não queria correr o risco de ver o espetáculo ser estragado. Em outubro de 2012, uma chuva torrencial impediu a realização de uma partida entre Polônia e Inglaterra pelas eliminatórias para a Copa do Mundo de Futebol 2014. Nada do teto retrátil funcionar. Para evitar contratempos, a FIVB pediu que fosse acionado antes, reduzindo também a incidência do vento. De qualquer forma, aquele 30 de agosto foi um dia bonito na capital polonesa, com tempo bom e temperatura agradável.
O estádio foi construído para a Eurocopa 2012, principal competição entre seleções de futebol daquele continente. Oficialmente, havia sido entregue em novembro de 2011, mas no dia da abertura do torneio, em junho de 2012, as emissoras de TV flagraram operários concluindo a calçada e houve várias reclamações sobre problemas de acabamento na parte interna.
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Dois anos depois, às vésperas da abertura do Campeonato Mundial de Voleibol, havia elevadores que não funcionavam e alguns assentos apresentavam problemas, mas nada que estragasse a festa polonesa.
Cinco horas antes da partida havia um engarrafamento monstruoso nas imediações do estádio, mas o acesso foi relativamente tranquilo. A imprensa já havia feito um tour na arena dois dias antes, então o bate-cabeça dos voluntários não atrapalhou quem estava ali para trabalhar.
Emoção
O hino nacional polonês cantado à capela (veja clipe acima) no Estádio Nacional de Varsóvia foi um dos momentos mais emocionantes do torneio. Não que o hino executado daquela forma fosse novidade entre os poloneses, é uma tradição da torcida. Mas daquela vez, devido às dimensões do local do jogo, em um esporte geralmente confinado a espaços com capacidade para 15 mil pessoas ou menos, foi marcante. A multidão, vestida de vermelho e branco (as cores do país), quase fez desaparecer a equipe sérvia, que ofereceu pouca resistência na partida logo em seguida.
De técnico novo, o italiano Ferdinando De Giorgi, anunciado há 10 dias, a Polônia tem lá suas chances no Europeu 2017, mas o cenário é outro. Em 2014, sob o comando do então novato treinador francês Stéphane Antiga, a Polônia levou o título do Mundial. Contou com inúmeras contusões de brasileiros e russos, favoritos à época, além de manobras de bastidores e o providencial empurrão dos seus apaixonados fãs.
Caminho difícil
Desta vez, se tudo ocorrer em condições normais de temperatura e pressão, a Polônia deverá ter problemas ao longo do caminho, caso encontre, por exemplo, italianos, franceses e russos. No Europeu 2015, a equipe foi eliminada nas quartas de final pela surpreendente Eslovênia, que acabaria como vice-campeã, atrás da França.
Até mesmo a abertura, descontado o espetáculo, deverá ter outra toada. Claro que a atmosfera favorece amplamente ao time da casa, mas a Sérvia do técnico Nikola Grbic é mais ajustada e forte ofensivamente do que o time armado por Igor Kolakovic em agosto de 2014. É óbvio que é preciso esperar para ver o que o novo treinador da Polônia tem a oferecer.
Em entrevista na sede da PZPS, na semana passada, De Giorgi disse que pretende utilizar a Liga Mundial 2017 como preparação, com foco no Europeu. Com quatro grupos distribuídos em quatro cidades, além da abertura em Varsóvia, o torneio terá suas finais na Tauron Arena, em Cracóvia, que recebeu a fase decisiva da Liga Mundial 2016 com um público decepcionante. Num ginásio com capacidade para 15 mil pessoas, a média de público ficou em torno de 4 mil na reta final da competição. Vale ressaltar, porém, que o preço dos ingressos para a final podia chegar a 1.000 zloty, o equivalente a R$ 820 pela cotação da época, valor que já seria absurdo aqui, mais ainda para os padrões poloneses. A PZPS afirmou que os preços serão acessíveis no Europeu 2017.
Campeões na promoção do vôlei
Desde já, os poloneses são vitoriosos em um aspecto: na promoção do vôlei. Tendo tido a chance de cobrir eventos em países onde o voleibol desperta paixão, como a China e o Peru, não vi nada que se compare a devoção dos poloneses. Há tropeços, como a já citada Liga Mundial 2016, mas quase sempre torneios de vôlei são um sucesso por lá. Imagine 50 mil pessoas concentradas numa fan zone, ao lado da Spodek Arena, em Katowice, acompanhando a final do Mundial 2014, enquanto outros 12 mil enchiam o velho ginásio. Na primeira fase, o espaço para os fãs na cidade de Breslávia chegou a contar com a presença de 70 mil torcedores no dia da vitória polonesa em sets diretos sobre os argentinos.
Durante o Campeonato Mundial, o técnico dos EUA, John Speraw, admitiu que a empolgação da torcida polonesa foi capaz de, pela primeira vez em sua carreira, quebrar sua concentração, fazê-lo parar de prestar atenção na partida e observar o público, mesmo que por alguns instantes. Ele definiu a atmosfera nos ginásios como "uma experiência única". O diretor executivo da USA Volleyball, Doug Beal, disse no mesmo evento que nada no mundo se comparava ao que a Polônia faz para promover o esporte.
Até os sorteios dos grupos, tanto do Mundial quanto do Campeonato Europeu, foram eventos de gala, dando ao vôlei uma grandiosidade rara de se ver. Sim, os poloneses amam o vôlei e fazem dele algo relevante. Que isso sirva de exemplo.
(No vídeo abaixo, torcedores poloneses imitam o árbitro principal durante uma partida da Liga Mundial 2016.)
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.