Discurso de Zé Roberto contraria necessidade de renovação
Sidrônio Henrique
26/09/2016 06h00
Renovar uma equipe considerada potência, saber a hora de deixar de lado grandes nomes certamente não são tarefas fáceis, mas isso inevitavelmente ocorre nas principais seleções e não seria diferente com o time feminino do Brasil. O técnico José Roberto Guimarães, tricampeão olímpico, foi confirmado na semana passada pela Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) no comando da seleção feminina até a Olimpíada de Tóquio 2020, mas entre as diversas declarações dadas à imprensa pelo treinador uma causa certa preocupação. "Não estou convencido de que algumas jogadoras não possam vir a jogar pela seleção. São jovens e privilegiadas no aspecto físico, a tentativa de fazê-las jogar sempre vai existir. A Sheilla e a Fabiana têm bola para continuar jogando", afirmou Zé Roberto, durante entrevista coletiva.
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No caminho para a Rio 2016, o técnico optou por correr o menor risco possível e mexeu pouco na equipe ao longo do ciclo, além de tomar decisões no mínimo arriscadas, como incluir apenas uma oposta de ofício, Sheilla, longe da sua melhor forma, e ainda levar a levantadora Fabíola à Olimpíada apenas dois meses e meio após ela dar à luz. Espera-se, portanto, que Zé Roberto não assuma essa mesma postura na nova fase de seu trabalho com a CBV. A central e capitã Fabiana e a oposta Sheilla já declararam que não vestirão mais a camisa amarela para cuidar da vida pessoal. Thaísa, por sua vez, deu sinais claros de que sua relação com o técnico está desgastada e pode seguir o mesmo caminho. Outras jogadoras, como Jaqueline e Dani Lins, ainda não deram uma resposta definitiva para a questão.
Antecedentes
Não é a primeira vez que o treinador insiste com quem afirma já ter dado sua contribuição à seleção. Ele demonstrou dificuldade para desapegar de atletas veteranas, tendo pedido mais de uma vez para a levantadora Fofão seguir após o ouro de Pequim 2008, além de ter chamado a central Walewska para a Copa dos Campeões 2013.
Possível substituta de Sheilla tem história de superação e já acumula fãs
Independentemente da boa forma, como era o caso de Walewska, a seleção é, antes de tudo, um grande compromisso – Walewska, ainda hoje jogando em alto nível, disse mais de uma vez que seu ciclo com a seleção já havia se encerrado e que isso era algo muito bem resolvido para ela. Bicampeã olímpica, a líbero Fabi despediu-se da seleção e colocou um ponto final em sua bela história com a equipe.
Motivação e rendimento
Talvez Fabiana ainda tenha algo a oferecer, afinal ela e Thaisa formam uma das melhores duplas de meios de rede de todos os tempos. Mas será que Fabiana, que disse adeus à seleção após a derrota para a China no Maracanãzinho e terá 35 anos em Tóquio 2020, ainda tem motivação para estar no time e continuará a render? Não dá para comparar eventuais novatas com grandes veteranas, mas sem rodagem as mais jovens nunca despontarão.
No caso de Sheilla, que disputou sua primeira grande competição com a seleção no Mundial 2002, seria mesmo ela privilegiada no aspecto físico, como disse Zé Roberto? Por mais importante que tenha sido Sheilla (jamais serão esquecidas suas atuações em Pequim 2008 e em Londres 2012), não seria o momento de dar espaço para novas opções, tendo quatro anos para avaliações até Tóquio 2020? Sheilla foi reserva na temporada de clubes mais recente e, por decisão sua, não jogará na próxima. Na Olimpíada de 2020 ela terá 37 anos.
Menos mal que o técnico, no comando da seleção feminina desde 2003, também parece estar de olho nas mais jovens. "Na base temos jogadoras novas aparecendo, acho que temos um futuro promissor pela frente", disse durante a coletiva. Adversários na busca por títulos, como China, Sérvia e Estados Unidos, investem constantemente em renovação. Não é mudar simplesmente por mudar. Renovar exige planejamento e sabemos que Zé Roberto tem uma equipe capaz de assisti-lo nesse processo, além da sua inegável competência. O problema está na insistência em nomes que já deram o seu melhor, fizeram muito pela seleção e inclusive disseram adeus. Para que surjam jogadoras capazes de defender o Brasil, elas precisam de espaço.
Sobre a autora
Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.
Sobre o blog
O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.