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Zé Roberto conta bastidores do ouro na Olimpíada de Pequim

Carolina Canossa

24/08/2018 06h00

Apesar da confiança no time, Zé Roberto diz ter dormido mal na véspera da final: "Foi uma noite difícil" (Fotos: Cameron Spencer/Getty Images)

Mari ou Paula Pequeno: uma delas deveria ter ficado no banco de reservas ao longo da Olimpíada de Pequim. Ao menos esse era o planejamento inicial da comissão técnica da seleção brasileira feminina de vôlei para a competição, mas quis o destino que ambas fossem titulares, tornado as pontas um dos destaques da vitoriosa campanha na China, que completou dez anos nesta quinta-feira (23).

Essa foi uma das revelações feitas pelo técnico José Roberto Guimarães ao relembrar a trajetória que levou o time ao ouro com apenas um set perdido em oito jogos. "Na nossa cabeça, no início, era para ter Jaque e Paula ou Jaque e Mari", comentou o treinador, referindo-se ao fato de Jaqueline ser uma especialista em passe, fundamento no qual tanto Mari quanto PP4 possuem mais dificuldades. "Acontece que no Grand Prix de 2008, a Jaque se machucou e tivemos que jogar com Mari e Paula. Vencemos o campeonato, a Jaque estava melhor, mas não quisemos mudar porque em time que está ganhando não se mexe. A equipe se encaixou muito bem", complementou.

A aposta era especialmente arriscada porque Mari jogava como ponteira há pouco tempo, numa mudança promovida naquele ciclo olímpico pelo próprio Zé Roberto. Ele explicou como se deu a decisão de tirar a jogadora da posição de oposta, onde ela se destacava. "Precisávamos de uma jogadora de 1,90m, 1,88m como ponteira em função do bloqueio. Sabia que a Mari não era excepcional passadora, era de razoável para boa, mas, como era muito eficaz no ataque pelas pontas, acabava compensando", afirmou.

Some-se isso à, nas palavras do próprio Zé Roberto, "cobertura muito grande da Fabizinha", "uma levantadora que consertava tudo" (Fofão) e muito treino contra bloqueios duplos e triplos. Pronto: aí está a receita do sucesso. Um sucesso tão grande que fascina o técnico até hoje: "Dos 25 sets que a gente jogou, em 18 não conseguiram fazer mais de 20 pontos na gente. Para você ver o nível que jogamos…".

Mari começou o ciclo olímpico de Pequim como oposta, mas Zé Roberto a transferiu para a ponta para melhorar o bloqueio do time

Curiosamente, um dos jogos que mais marcaram o treinador naquela Olimpíada aconteceu ainda na segunda rodada da primeira fase, o 3 a 0 diante da Rússia, com parciais de 25-14, 25-14 e 25-16. "Quando se fala de Rússia, ficou na memória o 24 a 19 (da virada sofrida na Olimpíada de Atenas), mas pouca gente se lembra que na outra Olimpíada ganhamos delas com um placar absurdo. A Gamova fez dez pontos. Os jogos contra as russas eram sempre difíceis, mas aquele me marcou pela facilidade. Como conseguimos ganhar assim? Porque o time estava voando, muito forte. Já tínhamos vencido o Grand Prix, a autoestima estava muito alta e acreditávamos piamente na condição do grupo", comentou.

Nem mesmo o início complicado da semifinal contra a dona da casa China, cujo primeiro set foi encerrado somente em 27 a 25, foi suficiente para abalar tamanha confiança. "Elas botaram 24 a 23 naquele set e, se perdêssemos, o resultado do jogo poderia ser completamente diferente. Foi uma prova importante que o time deu naquele momento de maturidade e de tranquilidade, em função do placar que era adverso naquele momento", avaliou.

Apesar disso, na véspera da final Zé Roberto admite ter dormido mal. "É sempre assim. Não consigo relaxar, não consigo ficar tranquilo, não consigo não pensar no que está por vir. Foi uma noite agitada, difícil, dava outra olhada no vídeo, via se estava tudo fresco na minha cabeça, como os Estados Unidos estavam jogando. Foi bem agitado, dormi mal e acordei muito cedo, já queria fazer as coisas", relembra.

Passados dez anos e com outro ouro no currículo, o de Londres 2012, o técnico ainda falou sobre o legado que o primeiro lugar na China deixou. "Eu acho que foi essa forma de o Brasil jogar e se comportar, porque era muito descrente, nunca havíamos ganho uma grande competição. Mostramos para o mundo que tínhamos valor, que podíamos lutar por coisas maiores e que a nossa escola, construída ao longo de anos, é vencedora. É gratificante fazer parte dessa história", finalizou.

*Colaborou Demétrio Vecchioli

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Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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