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Mundial de 1998: a história do último (grande) título de Bebeto no vôlei

Carolina Canossa

20/03/2018 13h37

Bebeto tinha contrato com a seleção italiana até 2001, mas deixou o time após o Mundial por divergências com a Federação (Foto: Divulgação/FIVB)

Quando Samuele Papi, um tanto quanto desajeitadamente, encerrou o Mundial masculino de 1998 com uma bola de xeque diante da extinta Iugoslávia, a expressão de Bebeto de Freitas era de alívio. Parecia que o técnico brasileiro, morto há uma semana, tirara um peso enorme das costas. Talvez tivesse tirado mesmo: ao chegar ao Japão para a disputa, ele já sabia que sairia de lá fora do cargo que ocupava, independente do resultado obtido.

Em atrito com a CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) após levantar suspeitas de corrupção no circuito de vôlei de praia e criticar a organização da Superliga, Bebeto havia deixado o país em 1997 para prosseguir o trabalho de ninguém menos que Julio Velasco, responsável pela criação da chamada "generazione di fenomeni", então bicampeã mundial. Decepcionado com a perda do ouro na Olimpíada de Atlanta com um 15-17 diante da Holanda no tie-break, o argentino fora treinar a seleção feminina da Itália. Para Bebeto, era a união do útil ao agradável: afastar-se de uma estrutura quase imutável que lhe incomodava ao mesmo tempo em que seria até 2001 o comandante da mais badalada seleção masculina do mundo à época.

Só que a vida dele na Europa também não foi fácil: apesar do título da Liga Mundial logo em seu primeiro ano e da expectativa de um inédito tri mundial consecutivo, o brasileiro encontrou muitas dificuldades. "Eu fiz um programa de trabalho até a Olimpíada. Em abril, houve pressão dos clubes e se decidiu começar o Italiano no meio da preparação para o Mundial. Eu queria ter largado tudo", comentou Bebeto em entrevista à "Folha de São Paulo". Ele ainda propôs uma alternativa, na qual os jogadores convocados se alternariam em treinos nos clubes e na seleção. A sugestão foi negada e, revoltado com o fato de ter apenas 18 dias para se preparar para o Mundial, fez um acordo para deixar o time logo após a disputa. "Só vim porque era um time que eu montei e não seria irresponsável", declarou.

Treinador ficou impassível após a vitória sobre o Brasil na semi (Foto: Reprodução Rede Globo)

A maneira como as chaves do Mundial foram organizadas irritou ainda mais o treinador. Depois de uma primeira fase com vitórias sobre Canadá, Tailândia e Estados Unidos, a Itália foi colocada em um grupo fortíssimo, em que a tradicional Rússia, a ascendente Iugoslávia e a campeã olímpica Holanda também brigavam por duas vagas na semifinal. Os dois outros lugares entre os quatro melhores sairiam de uma chave na qual os dois únicos representantes da elite do vôlei masculino na época eram Cuba e Brasil – e, patriotismo à parte, a seleção verde-amarela não vivia sua melhor fase: sem títulos de primeira linha desde a Liga Mundial de 1993, apostava em uma nova geração composta por nomes como Giba, Ricardinho, André Heller e Gustavo aliados a atletas mais experientes como Maurício e Nalbert para voltar a brilhar. Hoje sabemos a força desses jogadores juntos, mas à época o resultado da mistura era uma incógnita.

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Já estava também acertado que o torneio seria o último realizado com a regra da vantagem, abolida menos de dois meses depois, em janeiro de 1999, assim como os sets de 15 pontos. A mudança foi feita para aumentar o interesse da TV nas transmissões das partidas, que ficariam mais curtas, o que também ajudaria a diminuir o desgaste dos atletas. Paradoxalmente, naquele Mundial eles foram massacrados em termos físicos: os finalistas, por exemplo, disputaram 12 partidas de alta intensidade em 16 dias.

Em que pese a preparação na adequada, o entrosamento ajudou os italianos a protagonizarem uma boa campanha até a semi, com direito a um 3 a 1 sobre a Rússia e um 3 a 0 sobre a Holanda. O único revés foi justamente contra os iugoslavos, mas com parciais apertadas (12-15, 13-15 e 13-15). Não por acaso, os bicampeões do mundo saíram de quadra falando que, em caso de um novo encontro na final, "a história seria diferente". O próprio Bebeto admitiu que naquele dia seus comandados não jogaram tudo o que podiam.

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Contra o Brasil, o "a partida mais disputada que já tive"

O revés contra a seleção do Leste Europeu colocou a Itália no caminho do Brasil na semifinal. Ainda que os comandados de Radamés Lattari (hoje CEO da CBV) tenham sido beneficiados por um caminho mais tranquilo naquele Mundial, o time verde-amarelo vinha jogando bem, com direito a um 15-2 na vitória por 3 a 0 sobre Cuba em uma campanha invicta.

A expectativa era de um belo confronto em quadra, com o óbvio adicional do fator emocional. Um detalhe do qual poucos se lembram é que o último embate entre brasileiros e italianos em um Mundial até então havia sido na semifinal de 1990, quando, em um Maracanãzinho lotado, a Azzurra fez 15-13 no tie-break contra os donos da casa antes de ganhar seu primeiro título. Bebeto era o técnico do Brasil. Ficou tão decepcionado com o resultado que chutou um rodo na saída de quadra e chegou à entrevista coletiva pós-jogo com os olhos inchados. Foi seu último jogo com a seleção brasileira, mas deixou como legado as bases de uma geração que se sagaria campeã olímpica em Barcelona.

Oito anos depois, convocou quatro remanescentes daquele time italiano: Andrea Gardini, Andrea Giani, Ferdinando De Giorgi e Marco Bracci. Sempre que questionado, dizia que não havia tido tempo para ver a equipe do Brasil, mas deixou escapar um elogio a Nalbert e Giba. Também não gostava de falar sobre o fato de enfrentar seu país-natal: "Esse tipo de pergunta geralmente me coloca contra o público brasileiro e eu não gosto disso". Limitava-se a dizer que quem estaria ali no banco era o profissional Bebeto de Freitas, que não tinha nada contra o Brasil.

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A partir do momento em que o primeiro saque foi dado, a promessa de um jogão se confirmou. Quando o saque funcionou, especialmente com Nalbert e Joel, a seleção brasileira conseguiu fazer frente aos favoritos. A experiência, porém, pesou, com o lendário Giani brilhando no ataque e Gardini no bloqueio. No terceiro set, o Brasil chegou a liderar por 9 a 4, mas a contusão de Giba, que torceu o tornozelo esquerdo ao pisar em uma bola rebatida no 4 a 2, acabou pesando negativamente na reta final da parcial. Com a virada se concretizando, ele até tentou voltar a quadra, mas, sem condições físicas, foi bloqueado três vezes antes de a Itália fazer 15-11.

Não se pode dizer que Radamés pecou por omissão. Ele tentou diversas substituições ao longo do duelo. A entrada de Joel e Ricardinho no lugar de Max e Maurício no quarto set deu sobrevida ao Brasil. Só que Bebeto também tinha suas armas e o levantador reserva De Giorgi, 37 anos, acabou sendo fundamental para a vitória.

Ao término da partida, respeitosamente o técnico brasileiro da Itália ficou impassível enquanto seus comandados comemoram loucamente. Parecia que havia sido derrotado. Depois, revelou: "Talvez tenha sido a partida mais disputada que eu já tive".

Final de 1998 marcou uma das melhores atuações do voleibol italiano (Foto: Reprodução YouTube)


Final de gala

Bebeto mal teve tempo de refletir o que significava a vitória sobre a seleção brasileira. O calendário maluco da competição obrigava a Itália a estar em quadra menos de 24 horas depois para disputar o título contra a Iugoslávia. É verdade que os rivais tiveram o mesmo parco tempo de preparação (as semis foram disputadas simultaneamente), mas, além da vitória sobre os italianos no próprio torneio, eles chegavam à decisão com a vantagem de ter feito um duelo menos pegado contra Cuba (3 a 1).

O prejuízo provocado pelo desgaste pôde ser visto na disputa pelo bronze, que os brasileiros perderam para os caribenhos. A seleção da Itália, porém, se superou e fez uma das mais belas partidas de sua história: agressiva desde o início, especialmente no saque, encurralou um time liderado pelos irmãos Nikola e Vladimir Grbic, cuja qualidade ficaria comprovada com o ouro em Sidney 2000, torneio no qual ironicamente eles acabaram com o (até hoje não realizado) sonho do título olímpico italiano na semifinal.

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A final do Mundial de 1998 também foi marcada por uma grande atuação do levantador Marco Meoni, grande responsável pelo ótimo índice de 57% de aproveitamento geral no ataque obtido pela Itália naquele dia. Os iugoslavos só ofereceram resistência no primeiro set, onde chegaram a empatar em 12 a 12. Nervosos, não conseguiram fazer o saque entrar: eleito o melhor saque da competição, Goran Vujevic não marcou nenhum de seus 33 aces na final.

Com o sentimento de "missão cumprida", Bebeto deixou o Japão no mesmo avião da seleção brasileira. "Essa não é uma conquista pessoal. Creiam, é uma conquista de todo o voleibol brasileiro", declarou à "Folha". De volta ao país, tirou um período sabático antes aceitar, em maio de 1999, o convite do Atlético-MG para se diretor de futebol, esporte ao qual se dedicou até o fim da vida. Tinha o desejo de voltar ao vôlei um dia, mas não houve tempo.

Veja abaixo um resumo da semifinal do Mundial masculino de 1998 entre Brasil e Itália:

E também um resumo da grande decisão, entre Itália e Iugoslávia:

Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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