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Renan Dal Zotto: “Quero mais é ter o Bernardinho por perto sempre”

Sidrônio Henrique

15/05/2017 06h00

Bernardinho e Renan comemoram o ouro na Rio 2016: amizade vem desde os anos 1970 (foto: arquivo pessoal)

Um dos maiores jogadores de todos os tempos, Renan Dal Zotto, 56 anos, entrou na reta final da contagem regressiva para aquele que, provavelmente, será o seu maior desafio profissional: manter a seleção brasileira masculina de vôlei no topo do ranking mundial, algo ao qual a torcida se acostumou desde a década passada. Faltam apenas 18 dias para a estreia do Brasil, diante da Polônia, na Liga Mundial 2017. Renan, que foi anunciado no cargo pela Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) em janeiro e estava há oito anos longe da função de treinador, está ciente de que um título é pouco diante do legado de seu antecessor, Bernardinho. "Esse é o maior desafio, mais do que ganhar uma competição ou outra, é você manter a seleção masculina no primeiro lugar do ranking mundial. Ter bons resultados em todas as competições, ter um nível de excelência alto", disse ao Saída de Rede o gaúcho de São Leopoldo.

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É o próprio Renan quem faz questão de ter Bernardinho do lado. Para a Copa dos Campeões, torneio disputado em setembro e que encerra a temporada de seleções este ano, após a Liga Mundial e o Sul-Americano, o novo técnico da seleção convidou o multicampeão para juntar-se à delegação. "Para mim é um prazer ter ele ali junto. Eu o convidei, é muito importante para a gente. Eu quero mais é ter o Bernardinho por perto sempre. Um cara inspirador, que pode agregar muito".

A renovação, ele afirmou, será gradativa. "Naturalmente vão surgir novos valores e vamos abrir espaço para esses garotos que estão surgindo". A lista de convocados para a Liga Mundial está repleta de veteranos, incluindo 10 dos 12 campeões olímpicos na Rio 2016 – todos estariam relacionados, se o líbero Serginho não tivesse dito adeus à seleção e o levantador William Arjona não tivesse pedido um tempo para ficar com a família no primeiro semestre de 2017.

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Ele elogia o ponta cubano naturalizado brasileiro Yoandry Leal, que somente estará liberado para jogar pela seleção em março de 2019, mas, prudente, não crava que ele estará lá. "No dia em que ele tiver condição (de ser convocado), a gente vai ver como ele vai estar naquele período".

Confira a entrevista que o técnico Renan Dal Zotto concedeu ao SdR:

Saída de Rede – Como lidar com o desafio de manter em alta uma equipe que, até agora, é a mais vitoriosa deste século?
Renan Dal Zotto – Esse é o maior desafio, mais do que ganhar uma competição ou outra, é você manter a seleção masculina no primeiro lugar do ranking mundial. Esse é o maior desafio que qualquer treinador poderia ter. Realmente, ter bons resultados em todas as competições, ter um nível de excelência alto. Claro, a ideia é sempre entrar buscando conquistas. Mesmo sabendo que não se pode ganhar sempre, mas a ideia de estar sempre entre os primeiros é fundamental.

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Saída de Rede – Você estava há oito anos longe da função de treinador. Isso implica em defasagem?
Renan Dal Zotto – Não fiquei fora do voleibol, fiquei afastado da função, mas acompanhando passo a passo tudo o que acontecia, o que acontece no voleibol. Eu estava inclusive como diretor de seleções nesses últimos anos. Estive aproveitando esses primeiros meses para acompanhar, cada vez mais de perto, tudo o que está acontecendo em treinamentos, jogos. Viajando também, tive a oportunidade de ir para a Itália, acompanhar as quartas de final (da liga italiana). Enfim, o mais importante é que eu não estive oito anos fazendo outra atividade que não era voleibol, né. Eu estava envolvido com o vôlei na parte de alto rendimento. Eu estava fora da quadra, mas não estava fora do voleibol. Eu estava acompanhando o dia a dia, o que estava acontecendo. Claro que assumir a seleção exige uma adaptação rápida, mas eu não acho que vá atrapalhar.

Saída de Rede – Então a adaptação, segundo você, será rápida por causa do seu grau de envolvimento?
Renan Dal Zotto – Eu acho que sim. Se eu estivesse fazendo outra atividade que não o vôlei, mas sempre estive bastante próximo, principalmente nesses últimos anos em que eu fui diretor de seleções, acompanhando o dia a dia do trabalho do Bernardo e do Zé Roberto.

Saída de Rede – O que podemos esperar em termos de renovação para este ciclo olímpico? A primeira lista de convocados traz 10 dos 12 campeões olímpicos. Veremos a manutenção do time da Rio 2016?
Renan Dal Zotto – Nós temos que tentar pensar num quadriênio. Quando você fala em quadriênio, naturalmente vai acontecer uma renovação. Porém, quando você fala em Liga Mundial 2017, grande parte daqueles jogadores que fizeram parte do grupo campeão olímpico em 2016 deve continuar. É um processo natural, que sempre aconteceu, nunca foi um processo traumático, até porque a gente precisa ter resultado. À medida que vão acontecendo as competições, a gente tem sempre o foco em Mundial e Jogos Olímpicos. Quando se pensa em ciclo olímpico, em Tóquio 2020, naturalmente vão surgir novos valores e vamos abrir espaço para esses garotos que estão surgindo. Quando se fala em Liga Mundial, que é daqui a pouco, não se justifica não dar chance aos que foram campeões olímpicos.

Lenda como jogador, Renan é o substituto de Bernardinho após 16 anos de trabalho do antecessor (CBV)

Saída de Rede – Com o Brasil já classificado para as finais da Liga Mundial, que serão em Curitiba, em julho, não seria melhor testar novos jogadores na fase de classificação?
Renan Dal Zotto – Naturalmente vai acontecer de ir um ou outro jogador. Vamos pensar sempre em abrir um espaço ou outro para alguns garotos. (Nota do SdR: apenas três dos 18 convocados – o ponta Rodriguinho, o central Otávio e o líbero Thales – nunca haviam sido chamados para a seleção principal.) Mas se você quiser chegar bem nas finais de uma Liga Mundial, você tem que preparar uma equipe. Nossa maior adversidade é o tempo. Vamos ter que fazer um trabalho de construção, para montar uma equipe e chegar às finais da Liga Mundial com um time já formatado. Infelizmente, a gente vai ter muito pouco tempo para essa Liga Mundial.

Saída de Rede – O Leal só estará liberado para jogar pela seleção a partir de março de 2019. Você o convocaria hoje se pudesse?
Renan Dal Zotto – O Leal já vem mostrando há alguns anos que é um jogador de um potencial impressionante. Os números mostram isso, que ele é um jogador diferenciado. Eu não posso construir na minha cabeça um ideal sem que ele tenha condição de ser chamado. No dia em que ele tiver condição, a gente vai ver como ele vai estar naquele período.

Saída de Rede – Mas o Leal de hoje, teria lugar na seleção?
Renan Dal Zotto – Eu não tenho como pensar nisso, ele ainda não está apto. Hoje ele não está no radar porque legalmente ele não pode. Tecnicamente falando, ele é um jogador incrível.

Saída de Rede – Quais as maiores desvantagens do Brasil em relação aos principais adversários quando se pensa em cada um dos fundamentos?
Renan Dal Zotto – Uma coisa que o Brasil tem que ver com mais carinho é o saque, né. De poder ter essa sequência de saque forçado. Agora, o Brasil não saca forçado como alguns times, mas a seleção brasileira tem um saque tático muito bom, que favorece nosso sistema de bloqueio e defesa.

O adolescente Renan, quando jogava pela Sogipa, em Porto Alegre, nos anos 1970 (arquivo pessoal)

Saída de Rede – Mas se tomarmos a Rio 2016 como exemplo, além de falhas constantes na linha de passe, o Brasil ficou atrás do desempenho de outras equipes no saque, não foi? De seleções como Itália e Estados Unidos, por exemplo. Embora, claro, tenha compensado em outros fundamentos, a ponto de ser campeão. Essa deficiência no serviço, seja forçado ou tático, que já comprometeu antes nesta década em outros torneios, não poderia voltar a afetar os resultados da equipe?
Renan Dal Zotto – Muitas vezes o cara abre mão de tentar fazer o ponto para favorecer o sistema de bloqueio e defesa. Ele acredita mais no sistema, pois a seleção brasileira é um time que defende bem. Então às vezes vale a pena não correr o risco no saque e confiar na sua defesa. Tem jogo que o Brasil vai para o tudo ou nada no saque, há outros em que o Brasil joga mais o jogo.

Saída de Rede – Em que aspectos o Brasil está na frente, onde leva vantagem?
Renan Dal Zotto – Olha, está tão equilibrado hoje o cenário entre as principais seleções, que é difícil dizer "nisso aqui nós somos muito melhores". Tanto que se você perguntar quem pode vencer a próxima Liga Mundial, a gente vai falar de seis ou sete seleções. Você tem Rússia, Polônia, França, Itália, Estados Unidos, Sérvia, Brasil… Todas em iguais condições. Agora, se eu pudesse destacar algo que o Brasil tem na sua essência é a capacidade de se adaptar ao jogo. Isso é muito importante e é algo que a seleção brasileira demonstra há algum tempo, até pelas características de seus principais jogadores. Eu não diria que isso faz da gente o melhor time, mas o Brasil tem um diferencial grande quanto a isso.

Saída de Rede – Essa é uma característica também dos americanos. Eles vão se adaptando ao adversário e minando suas fraquezas.
Renan Dal Zotto – É, eles fazem muito estudo tático e vêm sempre com muitas soluções. Mas o Brasil não fica atrás deles, não.

Saída de Rede – Te preocupa a ascensão da Argentina? Você assume a seleção e eles estão loucos para quebrar a hegemonia do Brasil na América do Sul. Talvez a torcida nem dê tanta atenção, mas se o Brasil perde para eles o Sul-Americano 2017, que será disputado no Chile, em agosto, seria a primeira derrota na competição.*
Renan Dal Zotto – Ah, eles me preocupam, sim. A Argentina tem um projeto bem interessante, trabalha não só com o adulto, mas envolvendo toda a molecada, desde a base, e o Brasil vem sofrendo diante deles com alguns resultados no masculino, com as seleções sub19 e sub21. A seleção argentina adulta é uma equipe bastante competitiva. O levantador titular, o (Luciano) De Cecco, vem jogando muito bem na Itália, tem muito talento. O oposto deles (Bruno Lima) é muito jovem e tem muito potencial. Eles têm o (ponta) Facundo Conte, que é um tremendo jogador, um craque. Há vários jogadores que se destacam, como o (Sebastián) Solé, que é um central muito bom. É uma seleção realmente perigosa, tanto que na Rio 2016 terminou em primeiro lugar no grupo e, nas quartas de final, perdeu pra gente, mas foi um 3-1 duro, não foi fácil. Partida contra eles é jogo igual, a gente sabe que é equilibrado.

Dez dos 18 convocados para a Liga Mundial 2017 estiveram nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (FIVB)

Saída de Rede – A ida do Bernardinho como integrante da delegação para a Copa dos Campeões, em setembro, não cria, apesar da proximidade entre vocês, uma sombra sobre você enquanto técnico?
Renan Dal Zotto – Para mim é um prazer ter ele ali junto. Eu o convidei, é muito importante para a gente. A Copa dos Campeões é uma competição de um nível muito alto, de uma exigência muito alta. Vai dar pra gente perceber bem o nível de alguns dos principais adversários no ciclo, como estão se comportando. É uma oportunidade também de levar alguns garotos interessantes para enfrentar aquelas seleções, vai ser um laboratório muito importante. Então eu disse ao Bernardo: "Cara, seria muito importante pra gente que você fosse". Eu fiz o convite e mostrei a importância dele. Aí ele respondeu: "Eu gostaria, sim". Ele ficou empolgado. Eu quero mais é ter o Bernardinho por perto sempre. Um cara inspirador, que pode agregar muito.

Saída de Rede – O Campeonato Europeu acaba nove dias antes do início da Copa dos Campeões. Os adversários da Europa, no caso França e Itália, por virem de uma competição tão intensa e tão próxima no calendário, não terão virado o fio, não virão numa curva descendente, diminuindo o nível dessa Copa? Afinal o Campeonato Europeu é um torneio que demanda muito deles e ainda conta pontos para o ranking, enquanto a Copa dos Campeões não. Assim, o torneio continental tem mais importância para eles.
Renan Dal Zotto – Claro que as equipes têm as suas prioridades, mas hoje você dificilmente encontra uma seleção que vira o fio porque o calendário está tão intenso que se trabalha para o atleta ficar na sua condição física máxima quase todo o tempo. Então, por exemplo, acaba o Campeonato Italiano o cara já vai pra seleção e dali a duas semanas começa a Liga Mundial. Acaba uma competição e vem outra. Claro que tem um ou outro jogador que às vezes sofre com isso. Mas independentemente de qualquer coisa, acredito que a Copa dos Campeões é uma competição interessante, pois teremos quatro seleções top (Brasil, EUA, França e Itália) e ainda o Japão e o Irã. São todas equipes interessantíssimas, o nível deve ser bom num torneio intenso, com jogos quase todos os dias.

Saída de Rede – O que esperar da seleção em 2017?
Renan Dal Zotto – O resultado é consequência do trabalho árduo e realizado de forma correta. A seleção brasileira sempre que vai disputar uma competição carrega uma responsabilidade muito grande, é tida como uma das favoritas. Então temos que chegar sempre muito fortes. O que esperar? Que a gente vai se entregar demais ao trabalho, se doar demais, muito comprometimento, muito treinamento. A gente tem certeza que, por causa disso, bons resultados devem continuar aparecendo, mesmo sabendo das dificuldades de cenário. O grande mérito de o Brasil ser o primeiro do ranking é porque em todas as competições o time sempre chega muito bem.

*Das 31 edições do Campeonato Sul-Americano Masculino, o Brasil participou de 30 e venceu todas.

Sobre a autora

Carolina Canossa - Jornalista com experiência de dez anos na cobertura de esportes olímpicos, com destaque para o vôlei, incluindo torneios internacionais masculinos e femininos.

Sobre o blog

O Saída de Rede é um blog que apresenta reportagens e análises sobre o que acontece no vôlei, além de lembrar momentos históricos da modalidade. Nosso objetivo é debater o vôlei de maneira séria e qualificada, tendo em vista não só chamar a atenção dos fãs da modalidade, mas também de pessoas que não costumam acompanhar as partidas regularmente.

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